Natureza e Gênero
Mauro Grün
A natureza tem gênero? A nossa relação com a
natureza passa por questões de gênero? Sim, responde o filósofo Mauro Grün.
A seguir algumas considerações
sobre questões de gênero em nossa relação com a natureza:
Em Francis
Bacon encontramos um discurso que era abertamente contra as mulheres, ou que
pelo menos as deixava em uma posição subserviente. "Bacon desenvolveu o
poder de uma linguagem como instrumento político, reduzindo a natureza fêmea a
um recurso para a produção econômica" (Merchant 1989, p. 165). Aliás, a
comparação entre mulheres e Natureza como algo que deveria ser dominado é um
tema frequente nos escritos de Bacon. A descrição da Natureza como se fosse uma
bruxa na Inquisição a ser torturada para que nos contasse seus mais íntimos
segredos é uma constante que permeia toda a obra do filósofo. Ele transformou a
noção de uma Natureza-mãe, útero da vida, em uma fonte de segredos a serem
extraídos pelo poder econômico. Podemos dizer que a filosofia de Francis Bacon
não se constituía em um pensamento sofisticado se comparado ao que outros
filósofos produziam no mesmo período, mas o fato crucial é que Bacon era uma
pessoa muito importante na época, além de membro ilustre da Royal Society - a
nata do pensamento científico inglês.
A busca pela
objetividade representa uma mudança marcante de um cosmo organicista feminino
para um mecanicista masculino. Merchant (1989) denomina isso de "Morte da
Natureza". Vários escritores apontaram desde então a tendência
masculinista no período entre 1550 e 1650. Bordo (1987) chega até a denominar o
período de "século ginecófobo" e assinala que Brian Easlea, Barbara
Ehrencheich, Deidre English e Adrienne Rich estão entre os que endossam essa
visão do século XVII como central para uma mudança no equilíbrio entre os
elementos masculinos e femininos da sociedade. De modo semelhante, Fox Keller
(1985) desafiou a nuança masculina da noção de modernidade, enquanto Sandra
Harding (1984) definiu a ciência moderna como a "epítome da masculinização
do pensamento". Nas palavras de Bordo (1987, p. 108):
(...) um novo
mundo é reconstruído, um mundo em que toda a geratividade e criatividade
dirigem-se ao bem, o pai espiritual, em vez da "carne" feminina do
mundo. Com o mesmo golpe de mestre - a oposição mútua do espiritual e do
corpóreo — a terra anteriormente feminina torna-se matéria inerte e a
objetividade da ciência é garantida.
Era Gadamer de
fato tão ingênuo a ponto de permanecer desatento ao fato de certas perspectivas
de uma tradição terem funções ideológicas que frequentemente são intrínsecas à
manutenção do status quo? É necessária aqui mais discussão. Gadamer não endossa
a noção de preconceito como tal. Ele simplesmente argumenta que nossa
compreensão produz um número de preconceitos, asserção esta que se demonstra de
diferentes modos. Só é preciso considerar um exemplo do próprio Habermas para
explicar melhor essa questão: a posição das mulheres nas sociedades
contemporâneas. Segundo Habermas, a hermenêutica filosófica de Gadamer não
permite o desenvolvimento de uma postura crítica em relação ao papel e ao lugar
das mulheres nas sociedades contemporâneas. Gadamer é conservador. A
hermenêutica filosófica contribui para o continuísmo da iniquidade entre os
sexos, uma vez que não há saída da "situação hermenêutica". Gadamer,
no entanto, opta por formular a interpretação como ação. Desse modo,
referindo-se especificamente à possibilidade de uma crítica feminista da
hermenêutica, Warnke (1994, p. 114) declara:
A estrutura do
poder hierárquico que está por detrás dos pontos de vista sobre o devido papel
das mulheres não é uma estrutura inacessível à exposição através da linguagem.
Na verdade, segundo o ponto de vista de Gadamer, falar sobre a estrutura do
poder hierárquico já é interpretar e, portanto, agir de modo hermenêutico.
Para Gadamer
(1983), o fato de nossa compreensão ser sempre inexoravelmente instruída pelo
preconceito não implica que ela aja em defesa do status quo. A autoridade
cognitiva da tradição não está simetricamente relacionada a sua autoridade
política. O processo de compreensão da estrutura do preconceito pode levar em
última análise a um reconhecimento da autoridade. Desse modo, uma postura
"conservadora" pode em si oferecer a vantagem de expor aquilo que
poderia de outra maneira permanecer oculto. A autoridade • da tradição precisa
ser reavaliada em relação direta à própria tradição.
Desse modo, mesmo que discordemos
dos pontos de vista tradicionais das necessidades e interesses das mulheres,
minha compreensão desses pontos de vista envolve uma espécie de mediação formal
com eles na medida em que chego a um acordo com eles e incorporo minhas
diferenças com eles em meu próprio autoconhecimento. (Warnke 1994, p. 137)
É nesse
contexto que quero argumentar que não parecem plausíveis as asserções de
Habermas que se referem à impossibilidade de uma hermenêutica fazer críticas.
Deve ser observado, no entanto, que, para compreender como é possível uma
crítica vinda de dentro de uma "situação hermenêutica", é necessário
estar ciente da relação entre a tradição e a auto compreensão humana.
Trecho de meu
livro “Em busca da Dimensão Ética da
Educação Ambiental” ( Ed. Papirus )
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