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A Ética da Terra

on segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

“Atualmente diz Reed, perdemos um precioso senso da nossa insignificância, e a natureza pode ajudar a nos lembrar desse elemento” ( Grün, 2007).



(...) Perdemos um precioso senso de nossa insignificância diante da vastidão infinita do cosmos (...)
Não se trata da insignificância das pessoas. As pessoas são importantes. É sim, a nossa insignificância diante da natureza, da terra em sua jornada de formação desde os tempos imemoriáveis antes da presença da vida no planeta. ( Grün, 2009).


Ética Ambiental

O escopo da ética, dizem Light e Rolston (2003), é bem mais amplo que o da lei e diz respeito àquilo que é errado ou imoral, seja legal ou não. A ética ambiental disserta ou prescreve em que situações é imoral ou errado explorar, usar, dominar ou destruir a Natureza. Também se ocupa de quais as maneiras eticamente corretas de conservar, restaurar e estabelecer relações com a Natureza e com o mundo não-humano em geral.

Ética da Terra
por Mauro Grün
Holmes Rolston III é um dos mais influentes filósofos ambientais do valor intrínseco da Natureza. Ele se queixa que a Natureza tem sido tratada quase exclusivamente como um recurso natural e afirma que uma Educação Ambiental deveria nos ajudar a valorizar uma Natureza não consumida. A mudança radical ocorreria quando as pessoas, governos e empresas parassem de valorizar tanto os recursos e passassem a admirar mais "a Natureza em seus próprios termos" e não a perturbassem nem a desvalorizassem tanto.
Isso não quer dizer que uma pequena parte da Natureza não possa ser transformada em recurso, mas teríamos de aprender a não valorizar somente os recursos e sim toda uma parte da Natureza que aparentemente não tem valor. Nós valorizamos apenas aquilo que processamos - madeira, água represada, minérios, etc, deixando de lado o valor intrínseco da Natureza. A nossa civilização Ocidental parece ser capaz de conferir apenas valor instrumental à Natureza, valor de uso e de negociação. Simplesmente, não concebemos que uma enorme área da Natureza pode não servir ao mero interesse utilitário da maioria dos seres humanos. Para Rolston (1993), a afirmação "tudo é recurso" encontra paralelo na sentença "todo mundo é egoísta". As ações das pessoas estão baseadas no interesse c no benefício próprio.
“Nosso lugar no mundo natural necessita de relações com recursos, mas então chegamos num ponto em que queremos saber como nós pertencemos a este mundo, e não como o mundo pertence a nós. Nós queremos ter nossos self definidos em relação à Natureza, e não simplesmente definir a Natureza em relação a nós" (ROLSTON, 1993, p.57).

Se quisermos vencer "o paradigma da natureza-como-mero-recurso-natural nós precisaremos de uma teoria do valor mais abrangente, uma teoria não-antropocêntrica" (idem, p.64). Para Rolston (1993), as pessoas contam, mas não tanto que nada mais conte. Rolston (1996) dá o exemplo de uma árvore. Árvores não têm vida subjetiva ou razão e são sistemas automantidos que se sustentam, se reproduzem e tentam executar os seus programas. A árvore tem um telos e busca cumpri-lo na realização de suas funções projetivas. Quando ferimos uma árvore, ela tenta, de todas as maneiras que lhe são possíveis, se regenerar. Ela está sempre procurando um estado de valor. Todo organismo possui o bem-de-sua-classe e a ela defende como uma classe boa. De modo semelhante, Rolston estende essa argumentação do Valor em si dos organismos, animais superiores e inferiores, para espécies e ecossistemas e, finalmente, para a Terra como um todo (GRÜN, 1994).
Recentemente, Rolston (2003) surpreendeu a comunidade internacional de ambientalistas, educadores e filósofos ambientais ao afirmar que, quando ocorresse um antagonismo radical entre Salvar a Natureza ou Alimentar as pessoas, deveríamos deixar que as pessoas morressem, pois a diversidade de lugares como a floresta Amazônica e Madagascar não poderia ser sacrificada. O texto provocou grande polêmica. Em Grün (1298), respondi a Rolston, dizendo que é preciso, antes de mais nada, reverter o processo de desorganização socioambiental da Amazônia. E a "reversão do processo de desorganização socioambiental da Amazônia só pode ser alcançada por meio de promoção de dinâmicas sócio-políticas [sic] que se anteponham às práticas técnicas e econômicas responsáveis pela predação" (ACSEBRAD apud GRIS, 1998). A dicotomia de Rolston (2003), Pessoas Famintas versus Natureza, não dá conta disso.

A Ética da Terra
Callicott (1989, 1993) é outro dos mais influentes filósofos ambientais. Ele desenvolve sua Ética da Terra principalmente a partir do conservacionista e guarda florestal Aldo Leopold e seu livro A Sand County Almanac and Sketches Here and There, mas também utilizando os trabalhos de Charles Darwin, David Hume e Adam Smith. A Ética da Terra de Leopold tem encontrado muitos seguidores, mas também muitos críticos, como John Passmore, Jim McCloskey e Robin Attfield. Callicott (1993) se defende dizendo que a ética da terra de Leopold, na qual se baseia para formular a sua própria ética, tem sido mal interpretada como uma ética nobre, porém muito ingênua. Além disso, o próprio Callicott (1993) reconhece que ela não é familiar e soa radical demais. No entanto, complementa o autor, trata-se de uma teoria moral revolucionária. Uma das críticas à ética da terra de Leopold é que o mundo está ruim demais para aceitar a nossa participação ética na natureza. Callicott (1993) se defende dizendo que a moralidade não é descritiva, e sim prescritiva ou normativa. Além do mais, nunca a nossa história (ocidental) apresentou tantos e diversos movimentos que têm argumentado em uma base moral: direitos humanos, feminismo, animal liberation, que são uma espécie de extensão da ética. Essa extensão é vista por Leopold. (1987) como uma evolução ecológica. Callicott (1993) argumenta que Darwin já via o fenômeno ético como evolucionário e Hume e Adam Smith, por sua vez, acreditavam que a ética estava ligada aos sentimentos. As sementes da ética da terra de Leopold estão em Darwin e parecem  começar por um sentimento que talvez seja comum a todos os mamíferos - sentimento de união e até afetividade entre pais e sua prole.

Essas relações de "sentimentos sociais", diz Darwin, acabam se tornando mais difusas e se disseminam por populações formando comunidades e tornando esta comunidade e seus membros mais resistentes. A leitura que Aldo Leopold faz de Darwin permite que ele estabeleça o protoprincípio de sua ética da terra: o de que a ética tem sua origem remota na tendência de indivíduos interdependentes ou grupos evoluírem por meio da cooperação. Para Leopold (1987), toda e qualquer ética se baseia no princípio de que o indivíduo é um membro de uma comunidade de partes interdependentes. Essa é a gênese da ética da terra de Aldo Leopold (CALLICOTT, 1993). Leopold (1987) considera "ética, sociedade e comunidade" como  quase sinônimos. Mais tarde, ele vai desenvolver isso em termos de modo de pertença de um indivíduo à terra. Evidentemente, trata-se de uma postura ecocêntrica que se pretende radical. Esse sentimento de pertença pode também ser encontrado em muitas pessoas que, por exemplo, advogam que todos os membros da espécie humana (como membros da humanidade, uma comunidade) têm direitos fundamentais independente de raça, credo, etnia, sexo ou origem nacional. Mas de acordo com Leopold (1987) a ética humana universal incompleta, falta a noção de comunidade e, por extensão, a de terra.
Falta à ética universal humana um modo de pertença dos humanos a algo maior que eles/elas e que deveriam aprender a respeitar. "A ética da terra simplesmente alarga os laços da comunidade para incluir solos, águas, plantas e animais, ou coletivamente: a terra" (LEOPOLD apud CALLICOTT, 1993, p.389). Ou seja, para Leopold, a terra é uma comunidade. ( ) conceito de comunidade biótica foi desenvolvido por Charles Elton nos anos de 1920. "A chave para a emergência de uma ética da terra é, simplesmente, educação ambiental universal" (CALLICOTT, 1993, p.389). O conceito de comunidade visa integrar socialmente as entidades não-humanas com as humanas.

Callicott (1993) acredita que a teoria Copernicana também pode ilustrar nossa situação de comunidade no espaço sideral. A Terra é vista hoje apenas como um pequeno planeta rodeado por um universo imenso e hostil e isso pode reforçar nossa noção de comunidade. Goodpaster, citado em Callicott (1993), diz que Leopold conseguiu estabelecer a considerabilidade moral não apenas para os membros da comunidade biótica, mas da comunidade biótica propriamente. Afinal, Leopold diz claramente que homo sapiens deve abandonar seu papel de conquistador da terra e tornar-se um membro e cidadão da comunidade-terra e, mediante essa pertença, Leopold (1987) estabelece a máxima moral da ética da terra: "uma coisa é correta quando tende a preservar a integridade, estabilidade e beleza de uma comunidade biótica. Está errada quando tenta o contrário" (citado em CALLICOTT, 1993). Há também um componente estético no modo de pertença do humano à comunidade biótica. A sensibilidade moral, embora seja resultado da evolução, não é determinada por ela. A sensibilidade ou os sentimentos morais são fruto da ecologia, seguindo o modelo de comunidade de Charles Elton. A ideia de ecossistema de Tansley também se revelou um conceito muito fértil para a ética da terra. Poderíamos ser levados aqui a pensar na teoria Gaia; no entanto, Leopold abandona a ideia de modelo-organismo ou superorganismo, ficando com o conceito de comunidade. Para Tansley, "a energia solar se transmite através de um circuito chamado biota". Defender essa integridade da complexa estrutura da terra é tarefa moral de todos os membros da comunidade. A ética da terra não partilha dos pressupostos do racionalismo Ocidental, mas dos sentimentos morais de Hume e Darwin: amor, respeito, obrigação e admiração.

As éticas ambientais de Routley (2003), Naess (1995), Rolston (1993,1996) e Callicott (1989, 1993), que apregoam o valor intrínseco da Natureza, têm muitas diferenças entre si nas suas formulações e aplicações. Mas têm também muitos pontos convergentes, como, por exemplo, a crítica ao valor instrumental da Natureza. Essa crítica, quando vista pelo diversificado prisma da Educação Ambiental, adquire múltiplas facetas. A principal, a meu ver, é a crítica à racionalidade econômica dominante. O racionalismo econômico ou neoliberalismo se torna impraticável em uma política ambiental que enfatize o valor intrínseco da Natureza. Afinal, não podemos considerar a Natureza como mero recurso natural.

Quando fizermos isso, estaremos apenas defendendo as condições de produção do novo capitalismo e a felicidade humana de muito poucos. Esse é um dos equívocos centrais de algumas posturas de Desenvolvimento Sustentado, conceito este que, por sua vez, também é redefinido quando pensamos em valor intrínseco. Por meio de valores intrínsecos da Natureza, que não podem ser simplesmente comprados ou meramente instrumentalizados, a Educação Ambiental é redimensionada em sua capacidade de trabalhar com valores. Outro insight das éticas ambientais é de que os valores intrínsecos da Natureza podem ser úteis à Educação Ambiental também na crítica do ecofeminismo às relações patriarcais estabelecidas pelo domínio dos homens, brancos e capitalistas sobre a Natureza.

Salleh (1993), por exemplo, acredita que as "relações" que o patriarcado estabelece com a Natureza são de controle, ao passo que as mulheres historicamente teriam uma postura de reciprocidade. Plumwood (1993) faz unia contextualização cultural de Salleh (1993). Ela argumenta que a tradição racionalista e masculinista Ocidental dominante não valorizou moralmente conceitos como respeito, afinidade, cuidado, preocupação, compaixão, gratidão e amizade, conceitos estes que pertenciam à esfera privada da mulher, e não ao reino universal da razão legisladora.

Pluralismo
Nos anos de 1990, assistimos ao nascimento de mais um prestigiado periódico de ética ambiental, o Environmental Valise, na Inglaterra. Nessa época, as éticas ambientais chegaram a um tal grau de diversificação que muitos teóricos começaram a se perguntar se apenas uma ética e um determinado conjunto de princípios seriam suficientes para desencadear uma Educação Ambiental e dar conta da complexidade das questões ambientais. Surgiram, então, os pluralistas morais - Christopher D. Stone, Andrew Brennan, Peter Wenz. Mas logo após, em 1994, Callicott se definiu como Monista e disse que uma ética ambiental Monista poderia também ser sensível à complexidade dos problemas ambientais sem cair na promiscuidade moral dos pluralistas. Callicott (2003) argumenta que nada impede que ambientalistas, educadores e teóricos mal intencionados simplesmente troquem de teoria para teoria com intuito de receber benefícios pessoais.

Em Earth and Other Ethics: the case for moral pluralismo (A Terra e Outras Éticas: o caso para o pluralismo moral) e The Case of Moral Pluralism in the Course of Environmental Ethic (O Caso do Pluralismo Moral no Curso da Ética Ambiental), Stone (1987, 2003) defende o pluralismo moral e pergunta se realmente deveríamos adotar princípios morais invariantes para fazer o campo da ética ambiental progredir. Na verdade, o debate entre Monismo e Pluralismo Moral parece ter se revelado um locus privilegiado para a discussão sobre qual o papel da metaética no campo mais amplo da moral. Para Stone (2003), está claro que a metaética ortodoxa tem um "senso de missão". "É amplamente presumido, por implicação quando não é tornado explícito, que a tarefa da ética é promover e defender um único princípio (ou um corpo coerente de princípios) (...)" (STONE, 2003, p. 195). Um ponto de vista correto que nos guiasse em direção a uma solução correta.

Mas o autor adverte que os ambientalistas e educadores (as) têm boas razões para suspeitar do Monismo, pois enfrentam sempre uma variedade de situações muito complexas para que sejam analisadas a partir de uma matriz ética única. Uma matriz ética Monista pode funcionar bem quando aplicada às relações entre pessoas, ou seja, uma ética intra-humana, como dizia Routley (2003). Seria uma ética do tipo "deves respeitar as outras pessoas", uma ética facilmente generalizável. Mas ela colapsa quando entidades mais exóticas são analisadas moralmente, como, por exemplo, a consideração moral pelas futuras gerações, embriões, animais, árvores, robôs, montanhas e obras de arte.
Stone (2003) argumenta que, em geral, o 'que acontece nesses casos é uma extensão da ética intra-humana para entidades não-humanas. No entanto, esses argumentos parecem "forçar" a considerabilidade moral simplesmente colocando entidades não-humanas no lugar de pessoas. A pergunta que se coloca é: Pode uma moralidade operar por intermédio de uma diversidade de entidades não-humanas?

Precisamos nós de um único conjunto de princípios abstratos generalizáveis a todo mundo não-humano? O próprio Stone (2003) responde dizendo que as "ambições do Monismo de unificar toda ética dentro de uma estrutura capaz de afirmar uma resposta correta para todos os nossos dilemas são simplesmente quixotescas" (p.196). A moralidade envolve distintas atividades e uma variedade de coisas e o Pluralismo Moral dá conta disso, nos convidando a escolher diferentes estruturas conceituais. Steen, citado em Stone (2003), comenta que mesmo a matemática sofreu um processo de pluralização desde Gödel e onde urna vez havia a geometria, hoje encontramos geometrias, onde havia álgebra, temos álgebras.

A ética tem como seu objetivo escolher a ação certa. Enquanto o Monismo Moral escolhe uma ação correta sempre sob a égide dos mesmos princípios, o Pluralismo Moral analisa qual pode ser a ação ética coerente por muitos ângulos possíveis. Stone (2003) não poupa os monistas e sugere que os que preferem uma única avaliação moral são "moralistas". Comparar alternativas é algo lógico. Tomemos como exemplo um caso clássico da literatura em ética ambiental: o de um búfalo se afogando em um rio de um Parque Nacional. Deveríamos salvá-lo ou deixar que a Natureza tome seu curso? Um dos pontos de vista favorece o animal. Mas há ainda a considerabilidade moral que favorece o ecossistema do parque e outra ainda que favorece a espécie. Isso provoca uma constelação de conceitos. A análise moral do animal leva em conta: dor, inteligência, compreensão da situação, ao passo que o foco no ecossistema considera moralmente a estabilidade, resistência, singularidade e fluxo de energia. São n variáveis a serem levadas em conta na análise moral. Não existe uma única solução. Nós estamos sempre atravessando fronteiras morais de um domínio para o outro; dos animais para organismos vivos, destes para ecossistemas e espécies e ainda destes para a Terra ou a biodiversidade, grupos culturais, gerações futuras, povos indígenas, aquecimento global, etc. Em Educação Ambiental, o Pluralismo Moral pode ser útil no sentido de saber o que estamos valorizando e avaliando, protegendo ou criticando em cada caso.

Já o Monista J.Baird Callicott (2003) se defende das acusações de Stone (2003) dizendo que o Pluralismo leva qualquer teoria ética a um ponto de ruptura e assim somos deixados com apenas duas alternativas: o cinismo moral ou o pluralismo moral. Callicott (2003) não adere a nenhum desses dois caminhos e diz que atualmente existe um número impressionante de teorias éticas bem fundamentadas capazes de ser suficientemente inclusivas para abrigar várias preocupações de cunho ético. Callicott (2003) cita sua própria teoria, o altruísmo presente em Hume e Darwin, para advogar que uma teoria inclusiva é possível. Também faz menção à Ética da Terra de Rolston (1996) e à Ecosofia T. de Arne Naess (1995) como exemplos de teorias que dão conta da diversidade, dos contextos e da variedade de problemas socioambientais.

Callicott (2003) critica o Pluralismo Moral ilustrando como ele seria em nossas vidas diárias. O pluralismo moral nos convidaria a ter uma atitude moral com os amigos, outra com os vizinhos, outra como cidadãos, outra para ajudar nosso filho no dever de casa, ainda outra para com as futuras gerações, outra para as nossas relações com o mundo animal não-humano, outra para as plantas, outra para Gaia e assim ad infinitum. Isso levaria à promiscuidade moral. Ao invés disso, argumenta Callicott (2003), teríamos de insistir nas possibilidades oferecidas por uma abrangente metaética. Essa ética teria que dar conta não só das relações humanas, mas também das relações humanas com as entidades naturais não-humanas e com a Terra como um todo. Uma ética desse tipo fornece possibilidades para a Educação Ambiental compreender os problemas socioambientais de um modo holístico e integrado, não fragmentado como o Pluralismo Moral.

Ética de Parceria com a Natureza
Quando alguém se engaja em um diálogo com a natureza, esse engajamento é determinado não pela vontade individual, mas pela lei da temática em questão. O mesmo ocorre quando o diálogo entre duas pessoas é genuíno. O conhecimento não é determinado pela vontade individual de cada parceiro ou parceira, mas sim pela lei da matéria em questão. Em um mundo incrivelmente técnico é difícil falar em "respeito" pelas coisas. Mas as coisas não são simples material para ser usado e como diz Gadamer, parafraseando Heidegger. No entanto, temos que cuidar o nosso respeito pelas coisas não se constitua em um apelo à metafísica mesmo. Ou seja, contra à unidimensionalidade do Cartesianismo e do Neo poderia surgir um apelo à unidimensionalidade do ser-em-si-mesmo. A solução para esse paradoxo é o caminho para a linguagem. 

Sobre a importância da linguagem ver essa postagem aqui

Gadamer (1976) considera equivocada a pergunta pela natureza das coisas e diz que seria melhor parar de fazer essa pergunta substituí-la por uma pergunta pela "linguagem das coisas" que nós queremos ouvir,  no modo como as coisas trazem a si mesmas para a linguagem.

A linguagem é fundamental para compreender a nossa relação com a natureza. Através da linguagem podemos compreender que não estamos fora na natureza, como apregoava Descartes. Tampouco  estamos totalmente imersos na natureza como implicam algumas leituras da Ecologia Profunda. Uma compreensão  hermenêutica nos leva a perceber o que poderia ser uma relação ecológica entre seres humanos e natureza. Seria uma relação na qual nós participamos na natureza e a natureza participa em nós. Esse tipo de compreensão nos permite estabelecer  "Tecnologias de Aliança" com a natureza para nos aproximarmos dela e ao mesmo tempo, manter sua outridade sempre respeitada. E nesse tipo de encontro saímos ambos modificados, nós e a natureza.


Ao longo dos últimos 300 anos, a Natureza foi transformada em mero objeto de manipulação à disposição da razão humana. A visão das paisagens e dos lugares de modo mecânico e sem vida levaram a uma completa separação entre seres humanos e meio ambiente. Atento a esses problemas, Mauro Grün desenvolve nesta obra uma ética de parceria com a Natureza em educação ambiental, uma simbiose na qual os elementos se combinam num regime de co-participação e integração.

A respiração da Natureza

on sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
A natureza fala? Eis uma questão intrigante.

Em outra postagem sobre  Ética, Estética e Educação Ambiental, (Veja no link: Ética e Estética e Educação Ambiental) já abordei essa questão: 

"Poderíamos nos perguntar agora se a natureza se comunica a si mesmo. Minha resposta é sim, só que não nos aprimoramos ainda na hermenêutica da escuta e ainda não abrimos os devidos canais de comunicação com o mundo não humano."  

Mauro Grün - Filósofo e Escritor.Doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of Western Australia.


A hermenêutica é capaz de trazer uma Natureza alienada para mais perto de nós sem lhe privar de sua outridade. Essa hermenêutica é, então, a da voz, uma vez que o significado surge numa linguagem viva: "Linguagem, para mim, é sempre simplesmente aquela que usamos com os outros e para os outros" (Gadamer 1989c, p. 98). Para compreendermos a hermenêutica como voz precisaremos também compreender as declarações de Sócrates quanto ao status da escrita. No Fedro, Sócrates claramente considera o status da linguagem falada superior ao da palavra escrita. Ademais, é significativo que o próprio Gadamer seja profundamente influenciado pelos pontos de vista de Sócrates. Para Gadamer, no entanto, a escrita em si não deixa de ser uma voz, postura esta que fez Derrida acusar a hermenêutica de fonocentrista.

Derrida argumenta que Platão realmente privilegiava a palavra falada. No Fedro, Platão chega a ponto de dizer que o discurso escrito deveria ser denominado como um tipo de imagem, e que o discurso realmente importante é o da "palavra viva e respirada". Risser (1997) leva a sério a asserção de Platão e faz uma análise da voz na respiração. Respondendo à preferência de Sócrates pelo discurso, o Fedro diz que ele não é um discurso morto, mas a palavra viva e respirada. É uma condição que permite que estejamos vivos. O significado de ser deve ser encontrado na experiência da voz.

A voz da respiração

Risser (1997) observa que, na tradição oral grega, desde os dias de Homero, "dizer uma palavra é respirar, proferi-la para ser ouvida quando os ouvidos da pessoa a respiram. Mas a palavra é em si respiração, isto é, o ser da vida, é de espírito, mente, inteligência" (p. I76). Ele continua: "Para Homero, palavra (ëpos) não significa apenas palavra, aquilo que poderia possivelmente ter margem, mas inclui os significados 'fala', 'conto', ‘canção’ ou poesia 'épica' como um todo" (p. I77). É mais ou menos isso que Gadamer quer dizer quando propõe que urna palavra sempre se refere a uma realidade maior e múltipla.

Para Gadamer ( I 995), a voz é a palavra interior. Nesse ponto, a compreensão só pode ser possível quando emerge a voz interior. A voz interior tem o caráter de um evento. "Isto é a palavra que diz algo além de suas partes gramaticais. É a palavra que ocorre na escrita quando é lida a palavra. É a palavra da respiração que é ouvida pelo ouvido interno" (Risser 1997, p. 176).

A voz ocorre quando a palavra acha seu lugar. Na hermenêutica, a palavra assume seu lugar na investigação dialógica. O fato de a palavra ser da respiração significa que um elemento de continuidade é inevitável em toda a nossa fala. A voz garante que a palavra jamais seja única, pois sempre se refere a uma unidade múltipla. A voz persiste tanto na escrita quanto na fala. Risser (ideM) salienta que, quando Gadamer diz que é necessário separar o significado da palavra de seu sentido gramatical, "ele está se opondo à remoção da voz da escrita. Para Gadamer a situação comunicativa demanda que a gramatologia não exclua a voz" (p. 179).

Derrida (1989) acredita que, nessa tentativa de compreender o estranho — outras culturas, mundos da vida ou a Natureza —, a diferença será assimilada e absorvida pelo ato da compreensão. Mas não é isso que acontece, pois, como enfatiza Gadamer (1995), a hermenêutica luta para se reconhecer no Outro "e encontrar um lar no estrangeiro - é este o movimento básico do espírito cujo ser consiste nesta volta para si mesmo a partir da outridade" (p. 14). Acredito que esse princípio é mais do que suficiente para nos guiar em nossa relação com a Natureza. Em nosso encontro com a outridade da Natureza, estaríamos voltando para nós mesmos como indivíduos modificados, com a disposição de repensar as preconcepções norteadoras de um modo objetificante e antropocêntrico de ser.

Concluindo, poderíamos, portanto, argumentar que Derrida simplesmente não compreendeu a hermenêutica filosófica, pois esta não constitui qualquer tentativa de controle da Natureza. Em vez disso, possibilita que falemos em termos que revelem uma cognição da outridade da Natureza, a outridade do Outro e da diferença.

Trecho do meu livro Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental.

Experiência e Vida

on segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
Ao longo dos últimos séculos, temos destruído a natureza, a nós mesmos e ao outro. A pergunta que devemos nos fazer é se afinal, somos pessoas experientes. Estamos aprendendo algo com nossas experiências? 
Muito pouco, diz o filósofo Mauro Grün.


Na verdade, Bacon caracterizou seu método como experimental. Além disso, tal definição não se refere simplesmente aos procedimentos técnicos adotados pelos cientistas, mas também à forma única na qual a mente científica deve evitar ser distraída em generalizações apressadas. Hoje sabemos, como diz Gadamer, que a metodologia de Bacon era muito vaga e geral, e conhecemos também os resultados negativos que ela produziu em sua aplicação à Natureza.

Entretanto, o objetivo declarado por Bacon de dominar a Natureza para controlá-la era bem mais o lado programático de seu trabalho do que realmente o desenvolvimento de um método científico. Gadamer caracterizou como unilateral a visão de que a experiência deveria ser avaliada apenas teleologicamente e simplesmente a ponto de poder levar ao conhecimento. Pretendo argumentar que não devemos confiar em tais modelos de experiência, pois o caráter fundamental da experiência repousa em sua alteridade, considerando nossas próprias experiências, em vez de simplesmente como forma de garantir que os erros sejam evitados quando corrigidos.

Gadamer propõe, portanto, que é importante compreender o nascimento da experiência enquanto evento sobre o qual ninguém exerce controle. A experiência não é determinada por esta ou aquela observação, mas é coordenada de uma forma que, em última análise, é inteligível. Pensar na experiência como essencialmente ligada à ciência pareceria, então, um erro. Pensar na experiência simplesmente em termos de seus resultados é omitir o fato de que ela é essencialmente um processo. Gadamer propõe que há três modos de compreender a experiência: 1) Primeiro, devemos considerar as experiências como confirmação de nossas próprias expectativas. 2) Segundo, precisamos considerar nossas próprias experiências. Foi Hegel, no entanto, que desenvolveu o elemento dialético da experiência. Em seu trabalho, a experiência ganhou uma dimensão diferente. Para ele, a verdadeira experiência é a experiência da consciência. A consciência emerge transformada do encontro com o fenômeno, precisamente como resultado desse encontro. Esse processo endossa a consciência com novos horizontes para futuras experiências - uma experiência que determinará a natureza de futuras experiências. Por meio da própria conversão em novos horizontes, a consciência aprende algo e o processo é, então, uma forma de educação. Mas, se para Hegel esse novo conhecimento é absoluto, esse não é o caso no trabalho de Gadamer (1995), que defende que a dialética da experiência representa uma oportunidade para novas experiências. O indivíduo experiente, dessa forma, não é o que acumulou experiências, mas o que está sempre aberto para novas experiências. Nesse contexto, esse estar aberto tem a ver com a disposição de receber tudo que nos confronta em sua capacidade de Outro, mas não no avanço dialético articulado por Hegel. A aquisição da experiência pode ser dolorosa, pois nos lembrará que não dominamos nosso próprio destino e que somos submetidos às contingências da existência humana. As experiências com frequência nos confrontarão com os equívocos de nossas próprias expectativas. A verdadeira experiência é desse modo, a experiência de nossa própria finitude. Risser (1997, p. 91) vê aí a versão que Gadamer tem da humildade socrática:

A genuína experiência, assim como a sabedoria socrática, pede-nos que recuperemos o espaço que separa o humano do divino na tentativa de não apenas reconhecer o espaço, mas também preservá-lo. E isto significa que no estar aberto para novas experiências, o dogmatismo alcança suas fronteiras absolutas.

Neste ponto, genuína é a experiência de nossa própria historicidade. Não conseguimos passar pela mesma experiência duas vezes. Uma experiência que é repetida não é mais a mesma experiência. É, então, uma nova experiência, não mais a mesma coisa, mas algo novo e inesperado. "O indivíduo fica ciente de sua experiência; ele é experiente. Ele adquiriu um novo horizonte em que algo pode se tornar uma nova experiência para ele" (Gadamer 1995, p. 354). Hegel afirmou que a verdadeira experiência tem a estrutura de um inverso da consciência e como tal constitui um movimento dialético.

A experiência hermenêutica, no entanto, não é vista como ciência. Ela existe sempre em oposição ao aprendizado e à instrução, que são o resultado de conhecimento teórico e prático. A verdadeira natureza da experiência leva sempre a novas experiências. "É por isso que a pessoa que é chamada experiente é assim não apenas através de experiências, mas também está aberta a novas experiências" (Gadamer 1995, p. 355). A pessoa experiente, portanto, não é aquela que sabe tudo, mas aquela que radicalmente resiste a todos os dogmas.

Vamos, então, examinar como Gadamer concebe nossa experiência com o Tu. O Tu não é objeto, pois existe em relação a nós. "Estar em relação a algo" é, para Gadamer (1995), um fenômeno moral. De modo semelhante, a aquisição de conhecimento através da experiência do encontro com o Outro também é um fenômeno moral. O conhecimento sobre o Outro, em contraste com a probabilidade de levar à crença de que possamos prever suas ações, é puramente conhecimento sobre si mesmo. Qualquer um que compreenda a tradição dessa forma a objetifica, levando o eu a, metodologicamente, excluir tudo o que for subjetivo.

Uma segunda forma através da qual o Tu pode ser compreendido é como pessoa, embora mesmo nesta instância pode ser ainda uma forma de autorrelação. Para todo argumento há um contra-argumento. É por isso que é possível para cada parte de um relacionamento de forma reflexiva sobrepujar o outro. (Gadamer 1995, p. 359)

Embora até certo ponto se busque conhecer o Outro melhor do que a si mesmo, o Tu é compreendido mas simultaneamente cooptado pela posição do primeiro interlocutor. Isso pode, então, levar ao controle e à dominação de um sobre o Outro. Gadamer (idem) enfatiza que, ao alegar que se conhece o Outro, roubam-se suas alegações de legitimidade - conhecemos isso na relação entre professor e aluno, na qual fica clara a dialética do Eu-Tu.

A pessoa experiente sabe que não domina o tempo nem o futuro e que seus planos são necessariamente limitados e contingentes. A pessoa experiente sabe também que todos os planos e expectativas dos seres finitos inevitavelmente também serão finitos e limitados. Essa é nossa experiência mais genuína, pois é também a experiência de nossa própria historicidade. Esse é o terceiro tipo de experiência do qual nos fala Gadamer.

A experiência hermenêutica é tradição, e a tradição não é um processo simples que a experiência nos ensina. Tradição é linguagem e se expressa como um Tu. Isso não é dizer que o que é experienciado na tradição seja a opinião de outra pessoa, mas que a tradição é parte genuína de um diálogo. Portanto, pertencemos à tradição da mesma forma que pertencemos ao Tu. O Tu está numa relação conosco. Essa seria precisamente a estrutura a ser observada numa relação ecologicamente ética entre os seres humanos e a Natureza, uma ética de parceria. Participamos da Natureza e a Natureza participa de nós.

"Na experiência hermenêutica a consciência histórica constitui-se paralela à experiência do Tu, devido ao que ela sabe sobre a outridade do Outro. A consciência histórica conhece a outridade do passado, assim como uma compreensão do Tu conhece o Tu como uma pessoa" (Gadamer 1995, p. 360). O indivíduo que não reconhece que é condicionado pelas preconcepções não verá o que se manifesta através de sua própria luz. Este é o modelo da relação entre o Eu e o Tu. "A pessoa que reflete sobre si fora da mutualidade de tal relação muda esta relação e desfaz seus vínculos morais" (ibidem).

O estar aberto à tradição constitui, desse modo, o mais elevado tipo de experiência hermenêutica. Vimos que, na experiência humana, é importante considerar o Tu verdadeiramente como um tu e permitir que realmente nos conte ou ensine alguma coisa. Sem esse estar aberto de uma pessoa para outra não há vínculo algum entre elas. Esse estar aberto implica o reconhecimento de que aceitaremos algumas coisas que possam não nos ser favoráveis. Esse estar aberto à tradição está crucialmente ligado à experiência que o Eu tenha do Tu. Esse estar aberto deve caracterizar a atitude tanto do falante quanto do que apreende a mensagem falada. Em última análise, a hermenêutica é precisamente o que distingue a pessoa experiente daquela presa a dogmas.

Reconhecer isso para "deixar falar", seja um indivíduo, a Natureza ou a forma mais ampla de tradição, constitui, portanto, uma das lições mais importantes da hermenêutica. Esse processo é semelhante ao escutar socrático ao qual me referi em capítulos anteriores: deixar falar, deixar estar. Ainda na juventude, Gadamer (2000, p. 390) demonstrou a irredutibilidade do Outro numa situação de Amor:

Aquele que ama esquece a si mesmo põe-se de fora da própria existência, vive por assim dizer no outro. Com esta primeira expressão Hegel afronta já o seu tema mais próprio, porque nesta analogia de razão e amor estão intimamente implícitas a coisa, a sua concordância, mas ainda a sua diferenciação. A universalidade do amor não é a universalidade da razão. Hegel não é Kant. No amor há um Eu e um Tu, ainda que estes possam se dar um ao outro com dedicação. O amor é a superação da estranheza entre o Eu e o Tu, uma estranheza que existe sempre e que precisa existir, para que o amor possa estar vivo. Na razão, ao contrário, o Eu e o Tu são intercambiáveis e representam a mesma coisa. E, além disso: exatamente por isto o amor não é uma abstração, mas uma concreta universalidade, isto é, não é isto que todos são (como seres racionais), mas como o que são o Eu e o Tu e, em verdade, de tal modo que isto não é nem o Eu nem o Tu — mas o Deus que aparece, isto é, o espírito comum, que é mais que o saber do Eu e o saber do Tu.

Almeida (apud Almeida, Flickinger e Rohden 2000) argumenta que o amor ocorre nessa passagem como causa universal que viabiliza o encontro entre o Eu e o Tu, mas também como imposição que inviabiliza a redução de um para o outro. Na consciência histórica, ocorre algo muito semelhante: outra vez, o Outro é irredutível ao Eu. Como observa Almeida,

(...) a consciência histórica paralisa a pretensão da filosofia de conhecer "verdades eternas" e de alcançar o olhar que abarca o absoluto. Em vez disso, lembra que filosofar é empreender uma tarefa sem fim e buscar o saber sempre; daí por que é tão produtiva a mística do amor, pois assim como a destruição do outro numa relação amorosa tem como consequência a destruição do próprio amor, do mesmo modo, a destruição da diferença resulta na morte do espírito histórico. (Idem, p. 101)


Até então, tenho enfatizado a forma de a alteridade ou outridade constituir um traço fundamental de todas as experiências hermenêuticas genuínas. É o ouvir socrático sobre o qual tratei em capítulos anteriores: deixar falar, deixar estar, deixar a Natureza ser.

O teólogo e filósofo Martin Buber (1996) compreendeu muito bem que o que estava em jogo cm tal postura era exatamente o respeito pela outridade. Em seu trabalho, Gadamer (1995) seguiu os passos de Buber para desenvolver seu próprio conceito de alteridade. Buber foi o pioneiro de uma longa e fértil linhagem de pensadores do século XX que se preocuparam com a alteridade. Entre outros poderíamos citar Levinas, Gadamer e Derrida. Buber de fato estabeleceu a visão de que, enquanto há urna relação instrumental entre Eu-isso, há uma relação entre Eu e Tu. Apenas esta pode ser definida como uma relação. Eu-isso não pode se constituir cm uma relação. Assim, podemos dizer que pensadores como Bacon, Galileu e Descartes, cujos trabalhos foram tratados nos capítulos 1, 2 e 3, meramente lidaram com uma relação instrumental do tipo Eu-isso. Nos trabalhos desses filósofos, a Natureza é tratada como objeto, como um Isso. Está claro que um Isso desse tipo não falará, pois é mudo. Para ocorrer uma relação, deve haver respeito pela outridade. Ninguém compreendeu essa questão tão bem como Buber. Já em 1923 ele falava na necessidade de respeitar o ser da Natureza. Em Eu e Tu, Buber escreve:

Eu considero uma árvore.
Posso apreendê-la como uma imagem. Coluna rígida sob o impacto da luz, ou o verdor resplandecente repleto de suavidade pelo azul prateado que lhe serve de fundo.
Posso senti-la como movimento; filamento fluente de vasos unidos a um núcleo palpitante, sucção de raízes, respiração das folhas, permuta incessante de terra e ar, e mesmo o próprio desenvolvimento obscuro. Eu posso classificá-la numa espécie e observá-la como exemplar de um tipo de estrutura e vida.
Eu posso dominar tão radicalmente sua presença e sua forma que não reconheço mais nela senão a expressão de uma lei - de leis segundo as quais um contínuo conflito de forças é sempre solucionado ou de leis que regem a composição das substâncias.

Eu posso volatilizá-la e eternizá-la, tomando-a um número, uma mera relação numérica.

A árvore permanece, em todas essas perspectivas, o meu objeto tem seu espaço e seu tempo, mantém sua natureza e sua composição. Entretanto pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em relação com ela; ela já não é mais um ISSO. A força de sua exclusividade apoderou-se de mim. (1996, pp. 7-8)

Script da vida de Mauro Grün

on quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Mauro Grün fez o ensino fundamental e médio em escola pública, Colégio Estadual Presidente Castelo Branco (Castelinho). Lembra de muitas amizades como Luis F. Johan (lingüiça), Paulo Aires e Gavuto (Gabriel Aires) e Tano (Luis Cristiano). Morou em Lajeado até 1984. Na adolescência viveu momentos de grande rebeldia contra o status quo da sociedade Lajeadense e montou uma banda de Rock com Ricardo Arenhaldt (bateria), Vico Marmitt (baixo), Assis Barros (poeta) e guitarra solo; no repertório muito Beatles, Stones e composições próprias. “Éramos ingênuos e rebeldes, pensávamos que poderíamos mudar o mundo através da música”. Participamos do l Musivale (junto com Luis Carlos Barros).

Hoje Mauro declara ter se reconciliado com Lajeado. “A cidade tem uma ótima qualidade de vida”.  Tem o teatro do SESC e o espaço cultural Dr. Dewes. Cita como opções os músicos e amigos Solon Chaves, Alex Lima, Max Lima e a bela voz de Cristiana Pretto, além, é claro, de seu mano Marquinhos Grün, baterista da Orquestra de Teutônia e professor de bateria no CEAT (como atividade curricular).

Assis Barros Filho e Mauro Grün

Com a morte prematura de Assis Barros, companheiro inseparável de poesias, músicas e amizade, Mauro decide se mudar para Porto Alegre para cursar filosofia na UFRGS. No seu primeiro dia em Porto Alegre ganha o livro “Morangos Mofados”  (Caio Fernando Abreu) e a “Metamorfose” (Kafka) de sua namorada Graça Silveira. Devorei. Voltei a Lajeado dizendo “Paris não é uma festa” (conto de Caio).
No curso de filosofia fez muitas amizades; Julio Bernardes, Reginaldo, Antonio Augusto Goulart, Artur (Kantiano de carteirinha), João Cleo (grande poeta) e Renato Sartori, com quem lê Miler. Ficamos impressionados com a força de sua interpretação do gênio de Dostoiévski. Já na aula inaugural no curso de filosofia, proferida pelo professor Cirne Lima, ficou tudo muito claro. “Bem vindos a Europa”, disse ele, “pois esse é o nosso nível de exigência”. Na filosofia se impressiona com a maestria e brilhantismo do professor Balthazar Barbosa Filho com quem estuda Descartes, História da Filosofia, Filosofia Moderna e Filosofia Analítica.

Professor Balthazar Barbosa Filho

Durante quatro anos morei numa República, uma velha casa na Luis Afonso, cidade baixa, com mais trinta e dois estudantes. Todos marxistas stalinistas, menos eu e o sociólogo Yuri Azeredo. Nós cultivávamos algumas formas de anarquismo (Kropotkin). Muitas vezes as assembleias em Casa iam até às cinco da manhã. Eu e o Yuri Azeredo não aceitávamos o estatuto da Casa do Estudante e apregoávamos a vida comunitária sem uma rígida divisão de tarefas. Ou seja, cada um poderia fazer o que quiser. Na José do Patrocínio morava outro anarquista, diretor de teatro e amigo, Paulo Flores, do grupo Oi Nóis aqui Traveis, no final eu e o Yuri acabamos derrubando o estatuto, a vida melhorou e todo mundo começou a se dar bem.

Quando me formei em filosofia me aproximei muito do amigo Luis Gomes, hoje editor da Sulina. Eu e o Luis Gomes passamos por muitas dificuldades financeiras. Nos encontrávamos quase todos dias para criticar à Escola de Oxford. Tenho saudades daquele tempo. Um dia o Luis me aparaceu com livro a Miséria do Cotidiano do Juremir Machado e perguntou “Mauro, ainda existem out-siders? Devorei o livro do Juremir, às páginas pareciam ter grudado em meu peito.

Desde que retornou dos Estados Unidos, Mauro voltou a morar com seus pais, Ilson (pigico) e Marlene. Seus melhores amigos são Sergio Korbes (zebrinha), Lele Bosse e o artista plástico Paulo R. Zart (Passarinho). Hoje Mauro Grün trabalha a ideia de um livro que trata da convivência simultânea de sentimentos como solidão, disciplina filosófica, loucura e razão. É de cunho biográfico, mas contará com citações diretas de Descartes e Samuel Beckett (essa parte do manuscrito será submetida a apreciação dos filósofos Hans-Georg Flickinger e Ernildo Stein. 

Trata de acontecimentos verídicos ocorridos em 1996. Morando sozinho na Oceania (seu flatmate havia viajado para India), Mauro procura o Psiquiatra Rod Brown e afirma estar sofrendo de um fenômeno chamado repressed memory. Os anos oitenta e setenta passam como um filme em sua mente. Envolto em pensamentos delirantes, o filósofo embarca para Los Angeles a procura de seu passado, é encontrado vagando sem destino no Aeroporto, há três meses sem fazer a barba. Um comandante da Varig o reconduz ao guichê de passagens e emite um ticket a Porto Alegre, onde é encontrado por Marquinhos Grün.

De volta a Lajeado encontra aquele que seria o maior amor de sua vida, Fabiana Donadel e se converte ao Cristianismo, de volta a Australia, Mauro é internado no Perth Royal Hospital, onde sofre um surto psicótico. Nessa época fica aos cuidados de médico budista do Sri Lanka e o filósofo Andrew Brennan e Norva tornam-se seus melhores amigos. O livro retrata a profunda dor de um ser humano que perde a coisa mais importante na vida de um filósofo; a razão.

Hoje Mauro se encontra aos cuidados do Dr. Leandro Luz e faz terapia com a Dr. Luisa Isabel D. Gimeno. Divide o seu tempo entre Lajeado, Porto Alegre e a praia dos Ingleses, onde mora sua filha Isabel, a maior alegria de sua vida.


É autor, entre muitos outros artigos, de “Gadamer and the Otherness of Nature: Elements for an Environmental Education”. Human Studies (2005) 28:157-171

Raízes Filosóficas da Crise Ecológica

Gadamer (1995) afirma que a filosofia grega inicia precisamente com a compreensão de que a palavra é simplesmente um nome e como tal não representa um ser real. Gadamer argumenta que, em Crátilo, Platão buscava estabelecer a relação entre a palavra e a coisa. Sócrates, por sua vez, vê o logos como o aparecimento e a manifestação da coisa. Consequentemente, a fala constitui o verdadeiro locus em que a linguagem tem a capacidade de realizar seu pleno potencial. A verdade de alguma coisa reside na fala. Crátilo questiona a relação entre a palavra e o objeto. Contrário à sugestão contida em Crátilo, Sócrates coloca que é impossível saber completamente o significado de um nome contido na linguagem. Crátilo confirma a desvalorização da linguagem que Platão opera através da defesa da Teoria das Formas. Nela, Platão propõe duas teses: "a convencionalista, defendida por Hermógenes, que sustenta a justeza e a correção dos nomes dos objetos como meramente uma convenção e acordo" (384d), e "a naturalista, argumentando que há uma correlação entre os nomes atribuídos às coisas e as coisas em si (383a)" (Paviani 1993, p. 17). Em última análise, essa aporia leva a uma admissão dos aspectos de ambas as hipóteses. Na leitura que faz de Platão, Gadamer (1995) propõe que a questão presente em Crátilo relaciona-se a ser a palavra simplesmente um signo ou ter uma relação significativa com a imagem. A conclusão proposta em Crátilo é de que "o logos representa a esfera da noética na variedade de suas associações, então a Palavra, assim corno o numero, torna-se o mero signo de um ser que é bem definido e daí pré-conhecido" (p. 412).

O signo é desse modo, aquilo que se apresenta em sua própria ausência. Consequentemente, a palavra não é um signo puro nem uma cópia de um objeto.
A linguagem matemática dos signos não pode ser concebida sem a linguagem viva do diálogo para introduzir um conjunto de convenções. Desse modo, Gadamer argumenta que a matemática não é, de modo algum, uma linguagem. O desenvolvimento de uma terminologia científica é uma fase desse processo de introdução de um conjunto de convenções. "Um termo técnico é sempre algo artificial na medida em que a Palavra é formada de modo artificial - como é mais frequentemente; uma palavra já em uso tem a variedade e o alento de seus significados extirpados e lhe é atribuído apenas determinado significado conceitual" (idem, p. 415). O significado vivo das palavras contrasta radicalmente com o significado dos termos técnicos e da linguagem científica (...)

O sonho da modernidade tem sido o de ser o simbolismo da matemática capaz de superar a contingência da linguagem histórica. A linguagem, no entanto, é mais do que um mero sistema de signos que denote a totalidade dos objetos. A linguagem técnica, em contraste, é completamente separada do ser dos objetos aos quais se refere. A esta altura torna-se mero instrumento de subjetividade. Esses níveis abstratos de formulação levam, portanto, à criação de uma linguagem artificial. Gadamer argumenta que esses níveis de abstração na verdade contradizem a própria natureza da linguagem: "A linguagem e o pensamento sobre as coisas estão tão ligados que é uma abstração conceber o sistema de verdades como um sistema anterior de possibilidades do ser para o qual o sujeito significante selecionasse signos correspondentes" (1995, p. 417).

Na realidade, no entanto, buscamos a palavra certa ou a palavra mais capaz de conter a análise de determinado objeto, para garantir que tome a forma na linguagem. O logos está ligado à linguagem. O falado existe apenas na íntima relação entre a palavra e o objeto. Importante: a filosofia grega buscava estabelecer a visão de que a linguagem não possui um ser. Poderíamos argumentar, portanto, que a pretensão de uma correlação de nomes proposta no Crátilo foi, de fato, o primeiro passo no sentido da criação de uma moderna teoria instrumental da linguagem. Gadamer, no entanto, acredita que a história do pensamento ocidental contenha a possibilidade de garantia de que o ser da linguagem não deveria ser completamente esquecido. Ele refere-se aqui à noção cristã de encarnação. Pois a encarnação está intrinsecamente ligada à questão da palavra. O que realmente importa é, então, a relação entre a fala e os pensamentos humanos. Se a palavra torna-se carne, a linguagem tem uma significância e uma dimensão estranhas à filosofia grega. "A unicidade da redenção introduz a essência da história no pensamento ocidental, traz o fenômeno da linguagem de sua emersão na idealidade do significado e apresenta-o à reflexão filosófica. Pois, em contraste com o logos grego, a palavra é puro evento (verbum proprie dicitus personalites tantum)" (Gadamer 1995, p. 429).(...)

Em seu Comentary on John, Whitelaw (1993. p. 4) observa que, com o advento do cristianismo, João não usa mais o logos no "sentido da ratio, razão, pensamento da filosofia grega, mas de oratio, fala, discurso". Todos esses componentes são fundamentais para uma compreensão da noção que Gadamer (1995) desenvolve na Parte III de Verdade e método.  A noção de linguagem enquanto evento. Consequentemente, Gadamer estende tal noção dinâmica de linguagem e compreensão em sua interpretação de Agostinho e Tomás de Aquino. O encontro entre a teologia cristã e a filosofia grega representa, desse modo, a história subsequente do conceito de linguagem no Ocidente. João dá o primeiro passo para a construção de um conceito não-instrumental de linguagem. Emerge uma nova orientação entre Pai e Filho, entre o Espírito Santo e a palavra. Agostinho e a escolástica buscavam explicar o mistério da Trindade. Preocupavam-se especialmente com a palavra secreta e com a relação entre esta e a inteligência. Gadamer (1995) salienta que o que é significativo nesse processo é que a palavra em si não é nada próprio, nem busca ser nada em si mesma; em vez disso, a palavra só pode existir em sua revelação. Isso é singularmente relevante para as concepções contemporâneas de Natureza, pois, para Heidegger, a Natureza só existe em sua revelação. Não estou dizendo que é necessário ser cristão para compreender a Natureza, mas sim que o encontro entre a filosofia grega e a teologia cristã oferece poderosos insights para uma compreensão não-instrumental da Natureza. (...)

Para a escolástica, Agostinho e Tomás de Aquino a palavra temo caráter ontológico de um evento; a palavra retém sua relação intrínseca com o possível enunciado. Supondo-se que um processo do pensar até o final envolva a enunciação, encontra-se um elemento processual na palavra secreta. Na verdade, Platão já descrevera o pensamento como um diálogo da alma consigo mesma. Contudo, no pensamento do neoplatonismo medieval, a ideia de emanação implica mais do que um simples movimento físico de fluência. É no próprio processo de fluência que as coisas emanam. O "Uno de Plotino" não é concebido como privado nem esgotado, e o mesmo pode ser aplicado ao nascimento do Filho do Pai. Na emergência mental que ocorre no processo do pensamento há algo semelhante. Desse modo, Gadamer (1995, p. 424) segue dizendo que "o processo e emergência do pensamento não é um processo de mudança (motos), não é uma transição da potencialidade à ação, mas uma emergência, ela actus ex actus".

Entretanto, se considerada meramente como signo, a linguagem também pode perder seu caráter de função enquanto evento. Consequentemente, a linguagem torna-se instrumental. "Ela pode ser exprimida como princípio fundamental de que cada vez que as palavras assumam una mera função de signo, a conexão original entre falar e pensar, com a qual nos preocupamos se transforma em relação instrumental" (Gadamer 1995, p. 433). Pretendo argumentar que é isso precisamente que ocorreu com a maneira como a ciência moderna tentou explicar a Natureza.(...)

O verdadeiro ser da linguagem só pode estar presente na conversação, unicamente presente no "vir-à interpretação". Essa, então, é a forma mais fundamental de compreender a Natureza em termos não instrumentais, mas como algo que emerge à superfície na nossa hermenêutica do ouvir. O compreender "é um processo vivo em que a comunidade da vida existe" (Gadamer 1995, p. 446). (...)
O evento verbal significa que tanto nós mesmos quanto as coisas são preservados e alterados na linguagem. Nem nossa relação nem a interpretação que fazemos da Natureza são estáticas, como formularam Descartes, Galileu e Newton. (...)

Não devemos buscar sair da Natureza para transformá-la em objeto de compreensão, pois tal objetificação foi precisamente o que Descartes buscou fazer. É assim que ocorre o objetivismo das ciências naturais pós-cartesianas. Pois nossa experiência de mundo é verbal, assim como nossa experiência com a Natureza também é verbal e emerge do diálogo. (...)
Geralmente a ciência tem definido tudo que "supostamente exista em si mesmo" numa tentativa de garantir o controle do homem sobre todas as coisas e especialmente sobre a Natureza. Na verdade, o conhecimento nas ciências naturais é de fato o conhecimento a bem do controle e da dominação. (...)
Dessa forma, pode-se argumentar que, precisamente por essas razões, é equivocado o objetivo do mundo da ciência de conter a totalidade de tudo que existe.


A objetificação da ciência já considera a linguisticidade de uma experiência natural do mundo expresso na linguagem enquanto fonte de pré-concepções. A ciência efetua transgressões com métodos precisos de medição matemática para compensar as pré-concepções da linguagem. Desse modo, a ciência torna-se ferramenta por meio da qual a uniformização das experiências é realizada como passo no sentido do controle e da dominação das coisas e, por sua vez, da transformação da Natureza. Na própria natureza das questões formuladas e no seu processo investigativo, a ciência moderna busca controlar tudo que existe para assim ser vista como práxis e não teoria. Essas teorias são dominadas pela noção de construção de um sistema — isto é, "o conhecimento teórico é em si concebido em termos da vontade de dominar o que existe, é um meio e não um fim" (Gadamer 1995, p. 454).

Trecho do meu livro "Em Busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental"
Mauro Grün - Doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of Western Australia

Pessoas que influenciaram minha trajetória intelectual

on segunda-feira, 22 de setembro de 2014
Mauro Grün nasceu em Lajeado (RS) em 1965. É graduado em Filosofia e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of WesternAustralia. Em 1992 ganhou o prêmio Jovem Pesquisador durante o IV Salão de Iniciação Científica da UFRGS.
Mauro Grün e Marisa V. Costa (Orientadora de Graduação em Filosofia  - UFRGS)

Publicou vários artigos e livros. Entre eles, destacam-se Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária (Editora Papirus). O conceito de holismo em ética ambiental e educação ambiental, que integra a coletânea Educação Ambiental: Pesquisa e desafios, organizado por M. Sato e I.C. M. Carvalho (editora Artmed), e Gadamer and the otherness of nature: Elements to environmental education no periódico Human Studies: A journal for Philosophy and Sociology. Em 2007 publicou o livro Em Busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental (editora papirus). Nesse livro Grün propõe uma ética ambiental de parceria e diálogo com a natureza, uma simbiose na qual os elementos se combinam num regime de co-participação e integração, capaz de superar os limites impostos pelo pensamento cartesiano.

É amigo e admirador do filósofo Hans-Georg Flickinger (Kassel Pucrs) (orientador de mestrado), um dos maiores expoentes da filosofia Hermeneutica no Brasil, autor de “A caminho de uma pedagogia hermenêutica. 
Hans Georg Flickinger ( Orientador de meu Mestrado em Educação na UFRGS)

Na Austrália foi orientado pelo famoso filósofo ambiental Andrew Brennan (http://plato.stanford.edu/entries/ethics-environmental/ ), com quem teve a oportunidade de dialogar durante quatro anos. A tese de doutorado de Mauro Grün intitula-se “Gadamer and the Otherness of Nature: Philosophical foundations for environmental education”
Mauro Grün e Andrew Brennan (Orientador PhD em Filosofia na University of Western Australia)

Foi professor visitante do Center for EnviromentalPhilosophy da University of North Texas, onde contou com a valiosa colaboração d filósofo ambiental Eugene Hargrove, editor do Environmental Ethics, um dos mais prestigiados periódicos de Ética Ambiental do mundo. Participou da Cary Conference em New York, um momento inesquecível de confraternização e amizade por um planeta melhor. Mauro Grün declara-se um apaixonado pela filosofia ambiental e educação ambiental, mas afirma que a maior curtição de sua vida é sua filha Isabel. Atualmente mantém vínculo com o mestrado em educação da Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC), onde desenvolve temas ligados à Ética Ambiental, Educação Ambiental e, mais recentemente Estética Ambiental.

A natureza viva

on quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Gadamer (1995) salienta também que a principal diferença entre o pensamento filosófico e a ciência moderna se dá no contexto de interpretações divergentes da experiência verbal do mundo. A ciência moderna de fato desenvolveu o ideal da linguagem simbólica pura cujo objetivo era precisamente conquistar e dominar essa linguagem viva. Esse processo ocorreu tanto na matematização da ciência do século XVII quanto no pensamento neokantiano que interpretava o ideal platônico em termos de uma lei. No entanto, pode-se salientar que no mundo grego a coisa reteve ainda certa dignidade. A experiência verbalmente constituída ainda não expressa o que Heidegger denominou o pronto para usar que foi calculado e medido.


Experiências verbalmente constituídas como essas expressavam o que os seres humanos consideravam de valor. A compreensão de uma ética ambiental emerge desse modo exatamente por meio desse processo, visto que rejeita a metodologia de objetificação das ciências naturais. Para evitar ficar preso à postura metodológica das ciências naturais que vê a Natureza meramente como objeto a ser conquistado, é crucial que busquemos uma compreensão constituída verbalmente na linguagem viva. Então, é preciso enfatizar uma Natureza "viva", o sonho daqueles que pretendem superar o mecanicismo, o antropocentrismo e o reducionismo da ciência moderna. Assim, uma linguagem "viva" precisa emergir de nosso diálogo com a Natureza. Uma linguagem pura, não ambígua, presa no nível do simbolismo, não pode oferecer um meio de garantia de satisfação desse ideal ambientalista-dialógico.(...)

Ouvindo a Natureza
Assim deve ser enfatizado que os filósofos gregos não baseavam seus estudos sobre a compreensão do conhecimento na distinção entre sujeito e objeto que foi invocada pelos modernos como fonte de análise objetiva. Essa noção só emergiu com o pensamento moderno. Na verdade.
Gadamer (1995) argumenta precisamente que é necessário superar as restrições de tais estruturas de pensamento, caracterizadas como são por uma confiança no pensamento dicotômico cartesiano. Além disso, argumenta que tais erros estão intrinsecamente ligados a uma crença na linguagem como meio através do qual circule o significado. Em contraste com o sujeito/ objeto binário, a experiência hermenêutica baseia-se num diálogo entre a tradição e o intérprete. Especificamente, esse é o diálogo com a Natureza. Nesse contexto, o interrogador torna-se, desse modo, o próprio interrogado. Pois no processo de investigação das questões particulares da Natureza somos surpreendidos pelas respostas que são na verdade novas perguntas, só que agora com a Natureza no papel do pesquisador, colocando perguntas. O ponto é que no processo de fazer perguntas sobre a Natureza, emerge algo novo na linguagem.

Busto de Sócrates - University of Western Australia 

A Natureza reemerge à existência ao mesmo tempo em que se apresenta. Nesse diálogo dá-se forma a um novo espaço dialógico, um espaço em que nenhum participante é diretamente envolvido. Gadamer define essa relação dialética única como ouvir: "Não é que só o que ouve também é endereçado, mas o que é endereçado precisa ouvir quer queira ou não" (1995, p. 462). Para o filósofo alemão, esse fenômeno de escutar é fundamental para a experiência hermenêutica. A essa altura, a escrita torna-se obstáculo para a genuína tarefa de escutar.

A experiência hermenêutica é assim centralmente dependente da linguagem enquanto evento. Essa compreensão é, então, o desafio mais radical para a metodologia científica moderna. Ela supõe que, numa prática crítica mais genuinamente sintonizada com as necessidades do ambiente, esse ouvir dialético conferiria à Natureza uma voz falante. Gadamer define tal processo como a capacidade da "escuta" hermenêutica. Além disso, observa que, para essa hermenêutica emergir, urna consciência de um Outro inteiramente participante precisará ser criada, um Outro que existe como mais do que um simples objeto de pesquisa. Para ele, a linguagem desse diálogo não denota uma fala meramente em termos de gramática e sintaxe, mas um diálogo caracterizado pelas conotações mais ricas de tudo que é dito ou deduzido na tradição. Gadamer (idem) salienta que, na metodologia analítica moderna, a coisa examinada é objetificada. Isso é o contraste direto com a forma corno os gregos pensavam e agiam, pois em seu trabalho a coisa mesma reforça seu ser. Argumentar uma tese da fala como meio de diálogo é atribuir uma visão marcadamente distinta da dialética grega e também da metodologia científica moderna. Isso dito, é importante observar que a hermenêutica filosófica não se preocupa com a eliminação do poder da fala, uma preocupação que era central para a dialética grega. Contudo, mantém algumas semelhanças, especificamente na medida em que continue sustentando a necessidade de compreender algo no contexto de suas ações, como um evento que resulta de um escutar ininterrupto.

A linguagem revela-se em uma natureza dialética e a compreensão de uma Natureza Viva é sempre, desse modo, um vir-à-fala. Consequentemente, nossa experiência com a Natureza é hermenêutica. Na compreensão hermenêutica, a Natureza é expressa sempre de um modo novo na linguagem. A compreensão hermenêutica da Natureza desse modo determina tanto a essência de qualquer diálogo com a Natureza quanto a estrutura lógica de uma questão e a abordagem da resposta. O significado de Natureza é determinado pelo horizonte das questões. Com o propósito de entender a complexidade dessa compreensão, é importante apreendermos também o contexto que origina cada questão. Pois cada questão é já uma resposta à outra questão. Nenhuma compreensão genuína da Natureza é possível sem uma consciência dessa estrutura. Buscar compreender o que está por trás do que é dito é simultaneamente buscar ir além do que tem sido dito.

Coffee break - Western Australia

A compreensão da Natureza é viabilizada apenas quando apreendemos o horizonte de uma questão e, consequentemente, assim fazendo, abrimos o leque de possibilidades de outras respostas. Para Gadamer (1995), a lógica das ciências humanas é de fato a lógica do fazer a pergunta. Ele acredita, também, que essa lógica é perfeitamente adaptada a uma compreensão mais frutífera de nossa relação com a Natureza. A concepção prévia da completude constitui o axioma da hermenêutica. Além disso, tal condição é elementar para toda e qualquer compreensão da Natureza. Ela não é uma compreensão formal. "Assim a interpretação tem a estrutura dialética de todo ser finito, histórico, na medida em que toda interpretação precisa começar em algum lugar e buscar suplantar o unilateralismo que essa inevitavelmente produza" (idem, p. 471). É por essas razões que estou argumentando que a abordagem hermenêutica diante do ambiente é superior à monológica e anônima do ambiente que é típica da ciência moderna que o trata meramente como um objeto. Por meio de uma interpretação hermenêutica, é possível desenvolver uma atitude mais humilde diante da Natureza e reconhecer que nossa compreensão é sempre incompleta. A dialética da abordagem da pergunta e da resposta determina a natureza da interpretação como evento.

Nossas próprias "apropriações" da Natureza são determinadas historicamente. Cada uma dessas "apropriações" é a experiência de um "aspecto" da coisa. Tal abordagem leva, desse modo, a uma interpretação especulativa da Natureza, em vez de uma interpretação prescritiva. Essa interpretação é imediatamente uma entre várias e sempre unicamente diferente, questão que retomarei quando abordar o debate entre Derrida e Gadamer. O ponto é então que um íon de compreensão da Natureza não é uma replicação de algo, mas, em vez disso, a criação de uma nova interpretação. Em suma, qualquer interpretação da Natureza é inseparável de uma linguagem "viva". "Nossa investigação tem sido guiada pela ideia básica de que a linguagem é um meio em que eu e o mundo nos encontramos ou, em vez disso, manifestamos nosso estar junto" (Gadamer 1995, p. 474).

Trecho do meu livro "Em Busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental"
Mauro Grün - Doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of Western Australia