A natureza fala? Eis uma questão intrigante.
Em outra postagem sobre Ética, Estética e Educação Ambiental, (Veja no link: Ética e Estética e Educação Ambiental) já abordei essa questão:
"Poderíamos nos perguntar agora se a natureza se comunica a si mesmo. Minha resposta é sim, só que não nos aprimoramos ainda na hermenêutica da escuta e ainda não abrimos os devidos canais de comunicação com o mundo não humano."
Mauro Grün - Filósofo e Escritor.Doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of Western Australia.
A hermenêutica
é capaz de trazer uma Natureza alienada para mais perto de nós sem lhe privar
de sua outridade. Essa hermenêutica é, então, a da voz, uma vez que o
significado surge numa linguagem viva: "Linguagem, para mim, é sempre
simplesmente aquela que usamos com os outros e para os outros" (Gadamer
1989c, p. 98). Para compreendermos a hermenêutica como voz precisaremos também
compreender as declarações de Sócrates quanto ao status da escrita. No Fedro, Sócrates claramente considera o
status da linguagem falada superior ao da palavra escrita. Ademais, é
significativo que o próprio Gadamer seja profundamente influenciado pelos
pontos de vista de Sócrates. Para Gadamer, no entanto, a escrita em si não
deixa de ser uma voz, postura esta que fez Derrida acusar a hermenêutica de
fonocentrista.
Derrida
argumenta que Platão realmente privilegiava a palavra falada. No Fedro, Platão chega a ponto de dizer que
o discurso escrito deveria ser denominado como um tipo de imagem, e que o
discurso realmente importante é o da "palavra viva e respirada".
Risser (1997) leva a sério a asserção de Platão e faz uma análise da voz na
respiração. Respondendo à preferência de Sócrates pelo discurso, o Fedro diz
que ele não é um discurso morto, mas a palavra viva e respirada. É uma condição
que permite que estejamos vivos. O significado de ser deve ser encontrado na
experiência da voz.
A voz da respiração
Risser (1997)
observa que, na tradição oral grega, desde os dias de Homero, "dizer uma
palavra é respirar, proferi-la para ser ouvida quando os ouvidos da pessoa a
respiram. Mas a palavra é em si respiração, isto é, o ser da vida, é de
espírito, mente, inteligência" (p. I76). Ele continua: "Para Homero,
palavra (ëpos) não significa apenas
palavra, aquilo que poderia possivelmente ter margem, mas inclui os
significados 'fala', 'conto', ‘canção’ ou poesia 'épica' como um todo" (p.
I77). É mais ou menos isso que Gadamer quer dizer quando propõe que urna
palavra sempre se refere a uma realidade maior e múltipla.
Para Gadamer (
I 995), a voz é a palavra interior. Nesse ponto, a compreensão só pode ser
possível quando emerge a voz interior. A voz interior tem o caráter de um
evento. "Isto é a palavra que diz algo além de suas partes gramaticais. É
a palavra que ocorre na escrita quando é lida a palavra. É a palavra da
respiração que é ouvida pelo ouvido interno" (Risser 1997, p. 176).
A voz ocorre
quando a palavra acha seu lugar. Na hermenêutica, a palavra assume seu lugar na
investigação dialógica. O fato de a palavra ser da respiração significa que um
elemento de continuidade é inevitável em toda a nossa fala. A voz garante que a
palavra jamais seja única, pois sempre se refere a uma unidade múltipla. A voz
persiste tanto na escrita quanto na fala. Risser (ideM) salienta que, quando
Gadamer diz que é necessário separar o significado da palavra de seu sentido
gramatical, "ele está se opondo à remoção da voz da escrita. Para Gadamer
a situação comunicativa demanda que a gramatologia não exclua a voz" (p.
179).
Derrida (1989)
acredita que, nessa tentativa de compreender o estranho — outras culturas,
mundos da vida ou a Natureza —, a diferença será assimilada e absorvida pelo
ato da compreensão. Mas não é isso que acontece, pois, como enfatiza Gadamer
(1995), a hermenêutica luta para se reconhecer no Outro "e encontrar um
lar no estrangeiro - é este o movimento básico do espírito cujo ser consiste
nesta volta para si mesmo a partir da outridade" (p. 14). Acredito que
esse princípio é mais do que suficiente para nos guiar em nossa relação com a
Natureza. Em nosso encontro com a outridade da Natureza, estaríamos voltando
para nós mesmos como indivíduos modificados, com a disposição de repensar as preconcepções
norteadoras de um modo objetificante e antropocêntrico de ser.
Concluindo,
poderíamos, portanto, argumentar que Derrida simplesmente não compreendeu a
hermenêutica filosófica, pois esta não constitui qualquer tentativa de controle
da Natureza. Em vez disso, possibilita que falemos em termos que revelem uma
cognição da outridade da Natureza, a outridade do Outro e da diferença.
Trecho do meu livro Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental.
Trecho do meu livro Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental.
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