Raízes Filosóficas da Crise Ecológica

on quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Gadamer (1995) afirma que a filosofia grega inicia precisamente com a compreensão de que a palavra é simplesmente um nome e como tal não representa um ser real. Gadamer argumenta que, em Crátilo, Platão buscava estabelecer a relação entre a palavra e a coisa. Sócrates, por sua vez, vê o logos como o aparecimento e a manifestação da coisa. Consequentemente, a fala constitui o verdadeiro locus em que a linguagem tem a capacidade de realizar seu pleno potencial. A verdade de alguma coisa reside na fala. Crátilo questiona a relação entre a palavra e o objeto. Contrário à sugestão contida em Crátilo, Sócrates coloca que é impossível saber completamente o significado de um nome contido na linguagem. Crátilo confirma a desvalorização da linguagem que Platão opera através da defesa da Teoria das Formas. Nela, Platão propõe duas teses: "a convencionalista, defendida por Hermógenes, que sustenta a justeza e a correção dos nomes dos objetos como meramente uma convenção e acordo" (384d), e "a naturalista, argumentando que há uma correlação entre os nomes atribuídos às coisas e as coisas em si (383a)" (Paviani 1993, p. 17). Em última análise, essa aporia leva a uma admissão dos aspectos de ambas as hipóteses. Na leitura que faz de Platão, Gadamer (1995) propõe que a questão presente em Crátilo relaciona-se a ser a palavra simplesmente um signo ou ter uma relação significativa com a imagem. A conclusão proposta em Crátilo é de que "o logos representa a esfera da noética na variedade de suas associações, então a Palavra, assim corno o numero, torna-se o mero signo de um ser que é bem definido e daí pré-conhecido" (p. 412).

O signo é desse modo, aquilo que se apresenta em sua própria ausência. Consequentemente, a palavra não é um signo puro nem uma cópia de um objeto.
A linguagem matemática dos signos não pode ser concebida sem a linguagem viva do diálogo para introduzir um conjunto de convenções. Desse modo, Gadamer argumenta que a matemática não é, de modo algum, uma linguagem. O desenvolvimento de uma terminologia científica é uma fase desse processo de introdução de um conjunto de convenções. "Um termo técnico é sempre algo artificial na medida em que a Palavra é formada de modo artificial - como é mais frequentemente; uma palavra já em uso tem a variedade e o alento de seus significados extirpados e lhe é atribuído apenas determinado significado conceitual" (idem, p. 415). O significado vivo das palavras contrasta radicalmente com o significado dos termos técnicos e da linguagem científica (...)

O sonho da modernidade tem sido o de ser o simbolismo da matemática capaz de superar a contingência da linguagem histórica. A linguagem, no entanto, é mais do que um mero sistema de signos que denote a totalidade dos objetos. A linguagem técnica, em contraste, é completamente separada do ser dos objetos aos quais se refere. A esta altura torna-se mero instrumento de subjetividade. Esses níveis abstratos de formulação levam, portanto, à criação de uma linguagem artificial. Gadamer argumenta que esses níveis de abstração na verdade contradizem a própria natureza da linguagem: "A linguagem e o pensamento sobre as coisas estão tão ligados que é uma abstração conceber o sistema de verdades como um sistema anterior de possibilidades do ser para o qual o sujeito significante selecionasse signos correspondentes" (1995, p. 417).

Na realidade, no entanto, buscamos a palavra certa ou a palavra mais capaz de conter a análise de determinado objeto, para garantir que tome a forma na linguagem. O logos está ligado à linguagem. O falado existe apenas na íntima relação entre a palavra e o objeto. Importante: a filosofia grega buscava estabelecer a visão de que a linguagem não possui um ser. Poderíamos argumentar, portanto, que a pretensão de uma correlação de nomes proposta no Crátilo foi, de fato, o primeiro passo no sentido da criação de uma moderna teoria instrumental da linguagem. Gadamer, no entanto, acredita que a história do pensamento ocidental contenha a possibilidade de garantia de que o ser da linguagem não deveria ser completamente esquecido. Ele refere-se aqui à noção cristã de encarnação. Pois a encarnação está intrinsecamente ligada à questão da palavra. O que realmente importa é, então, a relação entre a fala e os pensamentos humanos. Se a palavra torna-se carne, a linguagem tem uma significância e uma dimensão estranhas à filosofia grega. "A unicidade da redenção introduz a essência da história no pensamento ocidental, traz o fenômeno da linguagem de sua emersão na idealidade do significado e apresenta-o à reflexão filosófica. Pois, em contraste com o logos grego, a palavra é puro evento (verbum proprie dicitus personalites tantum)" (Gadamer 1995, p. 429).(...)

Em seu Comentary on John, Whitelaw (1993. p. 4) observa que, com o advento do cristianismo, João não usa mais o logos no "sentido da ratio, razão, pensamento da filosofia grega, mas de oratio, fala, discurso". Todos esses componentes são fundamentais para uma compreensão da noção que Gadamer (1995) desenvolve na Parte III de Verdade e método.  A noção de linguagem enquanto evento. Consequentemente, Gadamer estende tal noção dinâmica de linguagem e compreensão em sua interpretação de Agostinho e Tomás de Aquino. O encontro entre a teologia cristã e a filosofia grega representa, desse modo, a história subsequente do conceito de linguagem no Ocidente. João dá o primeiro passo para a construção de um conceito não-instrumental de linguagem. Emerge uma nova orientação entre Pai e Filho, entre o Espírito Santo e a palavra. Agostinho e a escolástica buscavam explicar o mistério da Trindade. Preocupavam-se especialmente com a palavra secreta e com a relação entre esta e a inteligência. Gadamer (1995) salienta que o que é significativo nesse processo é que a palavra em si não é nada próprio, nem busca ser nada em si mesma; em vez disso, a palavra só pode existir em sua revelação. Isso é singularmente relevante para as concepções contemporâneas de Natureza, pois, para Heidegger, a Natureza só existe em sua revelação. Não estou dizendo que é necessário ser cristão para compreender a Natureza, mas sim que o encontro entre a filosofia grega e a teologia cristã oferece poderosos insights para uma compreensão não-instrumental da Natureza. (...)

Para a escolástica, Agostinho e Tomás de Aquino a palavra temo caráter ontológico de um evento; a palavra retém sua relação intrínseca com o possível enunciado. Supondo-se que um processo do pensar até o final envolva a enunciação, encontra-se um elemento processual na palavra secreta. Na verdade, Platão já descrevera o pensamento como um diálogo da alma consigo mesma. Contudo, no pensamento do neoplatonismo medieval, a ideia de emanação implica mais do que um simples movimento físico de fluência. É no próprio processo de fluência que as coisas emanam. O "Uno de Plotino" não é concebido como privado nem esgotado, e o mesmo pode ser aplicado ao nascimento do Filho do Pai. Na emergência mental que ocorre no processo do pensamento há algo semelhante. Desse modo, Gadamer (1995, p. 424) segue dizendo que "o processo e emergência do pensamento não é um processo de mudança (motos), não é uma transição da potencialidade à ação, mas uma emergência, ela actus ex actus".

Entretanto, se considerada meramente como signo, a linguagem também pode perder seu caráter de função enquanto evento. Consequentemente, a linguagem torna-se instrumental. "Ela pode ser exprimida como princípio fundamental de que cada vez que as palavras assumam una mera função de signo, a conexão original entre falar e pensar, com a qual nos preocupamos se transforma em relação instrumental" (Gadamer 1995, p. 433). Pretendo argumentar que é isso precisamente que ocorreu com a maneira como a ciência moderna tentou explicar a Natureza.(...)

O verdadeiro ser da linguagem só pode estar presente na conversação, unicamente presente no "vir-à interpretação". Essa, então, é a forma mais fundamental de compreender a Natureza em termos não instrumentais, mas como algo que emerge à superfície na nossa hermenêutica do ouvir. O compreender "é um processo vivo em que a comunidade da vida existe" (Gadamer 1995, p. 446). (...)
O evento verbal significa que tanto nós mesmos quanto as coisas são preservados e alterados na linguagem. Nem nossa relação nem a interpretação que fazemos da Natureza são estáticas, como formularam Descartes, Galileu e Newton. (...)

Não devemos buscar sair da Natureza para transformá-la em objeto de compreensão, pois tal objetificação foi precisamente o que Descartes buscou fazer. É assim que ocorre o objetivismo das ciências naturais pós-cartesianas. Pois nossa experiência de mundo é verbal, assim como nossa experiência com a Natureza também é verbal e emerge do diálogo. (...)
Geralmente a ciência tem definido tudo que "supostamente exista em si mesmo" numa tentativa de garantir o controle do homem sobre todas as coisas e especialmente sobre a Natureza. Na verdade, o conhecimento nas ciências naturais é de fato o conhecimento a bem do controle e da dominação. (...)
Dessa forma, pode-se argumentar que, precisamente por essas razões, é equivocado o objetivo do mundo da ciência de conter a totalidade de tudo que existe.


A objetificação da ciência já considera a linguisticidade de uma experiência natural do mundo expresso na linguagem enquanto fonte de pré-concepções. A ciência efetua transgressões com métodos precisos de medição matemática para compensar as pré-concepções da linguagem. Desse modo, a ciência torna-se ferramenta por meio da qual a uniformização das experiências é realizada como passo no sentido do controle e da dominação das coisas e, por sua vez, da transformação da Natureza. Na própria natureza das questões formuladas e no seu processo investigativo, a ciência moderna busca controlar tudo que existe para assim ser vista como práxis e não teoria. Essas teorias são dominadas pela noção de construção de um sistema — isto é, "o conhecimento teórico é em si concebido em termos da vontade de dominar o que existe, é um meio e não um fim" (Gadamer 1995, p. 454).

Trecho do meu livro "Em Busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental"
Mauro Grün - Doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of Western Australia

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