ÉTICA, ESTÉTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

on quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Mauro Grün


Analisar a possibilidade de desenvolvimento de uma nova conexão entre ética, estética e Educação Ambiental na qual a Natureza se apresenta como parceira dominante.


JUSTIFICATIVA:
Ainda são poucas as abordagens mais filosóficas dos problemas ambientais no Brasil. Entre os principais podemos encontrar Grün (2007 a, 2007b), Pelizzoli (2004) e Junger (2004). Grün (2007 a) tem se dedicado a criticar a concepção objetivista de ciência moderna e, recentemente à estética (Grün, 2006),utilizando para isto a hermenêutica de Gadamer. Já Pelizzoli (2004) trabalha com a fenomenologia de Husserl, Heidegger e Levinas.
Em outra direção, mas também com abordagens filosóficas situa-se Nalini (2003) que tem preocupações éticas com a qualidade dos ambientes urbanos. E Junger (2004), por sua vez, trabalha o modo através do qual as transformações socioeconômicas afetam ambientes humanos e a saúde coletiva (Griffith, 2009 a,b). Recentemente, o Ministério da Educação, através da Coordenadora de Educação Ambiental no Brasil, Rachel Trajber, encomendou o livro "Pensar o ambiente: as bases filosóficas da Educação Ambiental". Além de ser um dos organizadores da coletânea, tive a oportunidade de escrever dois capítulos, nos quais destaco a necessidade da historicidade como horizonte de nossas formulações das questões ambientais e a importância da linguagem para a compreensão dos problemas e possibilidades envolvidos em elaborar um conceito contemporâneo de Natureza para a Educação Ambiental.
Retomando algumas concepções presentes na dialética grega e na filosofia hermenêutica de Gadamer, destaco que o conhecimento não resultava de uma atividade metodológica da consciência, mas era algo que a coisa fez e o pensamento sofre. O livro com esses comentários teve uma tiragem de 5.000 cópias (com distribuição gratuita nas escolas) e consta também no site do MEC/INPE.

Em meu estágio pós-doutoral, pretendo continuar e ampliar o diálogo da Educação Ambiental com suas bases filosóficas, epistemológicas, éticas e estéticas. Sobre isso Nascimento (2004 apud Griffth, 2009, p.6) nos diz: "que os filósofos brasileiros deveriam se dedicar mais à reflexão e publicar mais sobre a questão ambiental. Segundo ele, muitas das ações ambientais tomadas no Brasil ainda carecem de fundamentos filosóficos, muitas vezes são intelectualmente inconsistentes. A recomendação final desse pesquisador é que os filósofos brasileiros esclareçam melhor sua conceituação do status ontológico da natureza, ou seja, facilitaria o entendimento e a definição de "meio ambiente" no Brasil".
O presente projeto caminha nessa direção, principalmente considerando a valiosa contribuição que o professor colaborador pode dar. O Professor Eugene Hargrove (colaborador) do Departamento de Filosofia da University of North Texas é editor do Environmental Ethics, periódico dedicado à publicações interdisciplinares dos aspectos filosóficos dos problemas ambientais e Presidente do Center for Environmental Philosophy, que é referência internacional no campo da estética ambiental. E isso proporciona uma possibilidade única de contextualizar o Brasil no emergente debate mundial sobre Educação Ambiental, Ética Ambiental e Estética Ambiental.

INTRODUÇÃO
Minha trajetória em Educação Ambiental começou há mais ou menos quinze anos com a publicação de "Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária", hoje na 14ª edição pela Editora Papirus, onde apontei para a impossibilidade de continuarmos presos a uma concepção mecanicista da Natureza. Sucederam-se diversos artigos e capítulos de livros abordando a temática do antropocentrismo e do racionalismo da modernidade Ocidental e suas consequências para a devastação ambiental.
Através da hermenêutica de Gadamer tenho procurado demonstrar como o diálogo com a história, com a arte e a filosofia pode nos levar a uma concepção melhor de qual é o nosso papel em relação à Natureza. Em livro recente (tese de doutorado defendida na University of Western Australia), propus uma ética de parceria com a Natureza onde explicito alguns pressupostos básicos de uma compreensão sustentável de nossas relações com o mundo não-humano.
Em Grün (2007b) propus uma concepção de Educação Ambiental na qual a Natureza fosse vista em sua outridade em relação ao mundo humano. Criticando a concepção antropocêntrica da ciência Cartesiana, observo que precisamos de "uma ciência em que a Natureza não é dominada, mas vista e experienciada como parceira num diálogo mutuamente benéfico" (Grün, 2007, p.166).
"Poderíamos talvez sobreviver como humanidade se fôssemos capazes de aprender que não podemos simplesmente explorar novos meios de poder e efetivas possibilidades, mas precisamos aprender e parar e respeitar o outro como um outro, seja ele (a) a natureza ou as culturas emergentes de pessoas e nações; e se fôssemos capazes de aprender a experienciar o outro e os outros, enquanto outro do nosso eu, para participar" (Gadamer apud Grün, 2007, p.167).
Em meu estágio pós-doutoral nos Estados Unidos, pretendo desenvolver um aspecto complementar de minhas produções anteriores e, ao mesmo tempo, também inovar através de uma nova proposição onde a Natureza já não se apresenta sempre enquanto reciprocidade entre o mundo humano e não humano, mas através de uma postura dominante.

ABORDAGEM TEÓRICA
A abordagem teórica a ser utilizada será a estética ambiental. A estética ambiental é um campo surgido a partir da estética moderna e foi criada como uma reação á redução da apreciação da beleza da Natureza á Filosofia da Arte. Nessa abordagem será necessário uma avaliação preliminar do histórico filosófico de nossa relação com a Natureza. Isso dá continuidade ao trabalho que vem sendo feito por mim e por outros pesquisadores no Brasil e um exemplo concreto disso é o livro do qual sou co-organizador e autor de dois capítulos que saiu recentemente pelo MEC, chamado "Pensar o ambiente: as bases filosóficas da educação ambiental". Procuro, então, reconstruir um pouco da trajetória do conceito de beleza e admiração pela Natureza para contrastar com a perspectiva do racionalismo cartesiano moderno.
Se revisarmos nossas trajetórias em Educação Ambiental muitos de nós encontrarão a beleza da Natureza como uma das principais fontes de inspiração para a proteção ambiental e também para o prazer. A Natureza é bela. Não há quem um dia não viu ou não sonhou com uma bela paisagem. Mesmo aqueles que moram nos grandes centros urbanos alimentam o sonho de encontrar o belo na Natureza seja através de fotografias, viagens ou simplesmente em unia inspirada imaginação. Mas na verdade, a Natureza passou a ser objeto de apreciação estética na filosofia somente recentemente.
É no séc. XVIII com as filosofias do sublime que a beleza da Natureza ganha respeitabilidade dentro da filosofia. A estética ambiental é ainda mais recente como campo de estudos, datando dos últimos trinta e cinco anos. Agora temos que nos perguntar por que algo tão importante quanto à consideração estética da Natureza em uma área tão profunda como é a filosofia tenha ganhado tão pouca atenção. Vamos refletir um pouco sobre isso. Os gregos acreditavam que o Cosmos, o Kalon, a ordem das coisas era bela e se sentiam integrados nesse mundo. Sentiam-se parte desse universo.
Os Medievais, a sua maneira, acreditavam em uma continuidade entre o mundo físico e o mundo não humano a tal ponto que na pintura de paisagens haviam sempre figuras humanas integradas. Na Renascença isso muda um pouco, pois já encontramos em Albertini alguns indícios do que iria acontecer com a frenética busca pela objetividade lançada por Descartes no séc. XVII. Refiro-me a Albertini porque em suas telas encontramos pela primeira vez a paisagem sem figuras humanas. Elas haviam saído da tela e se tornado observadoras externas buscando a objetividade.
Também na Renascença, Leonardo Da Vinci, ao inventar a técnica da perspectiva na pintura anunciava um novo mundo e conseguia geometrizar e matematizar suas obras. A arte anuncia com pelo menos cem anos de antecedência o que viria ocorrer na ciência moderna do séc. XVII. E é justamente nesse momento crucial para o desenvolvimento científico e tecnológico que começam as nossas dificuldades de apreciação estética da Natureza. É justamente na cisão entre sujeito e objeto e Natureza e Cultura anunciada na arte e concretizada na filosofia de Descartes que encontramos dificuldades de apreciação estética, pois essa distinção nos afastou da Natureza e tirou o nosso senso de pertença ao mundo. O processo de objetificação da Natureza apontado por Grün (2006, 2007) desestruturou as possibilidades de uma compreensão não instrumental do mundo não humano. No séc. XIX esse processo de objetificação da Natureza foi acelerado pelo desenvolvimento das ciências empírico-analíticas em conjunção com a Revolução Industrial.
No séc. XVII encontramos o momento chave que desencadeou esse processo de objetificação. Descartes busca discernir uma base sólida e estável para seus conhecimentos e é o criador do que Richard Rorty (1979) chamou de filosofia fundacional. Diz Descartes no séc. XVII

Comprazia-me, sobretudo, com as Matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões; mas não percebia ainda seu verdadeiro uso e, acreditando que serviam somente às artes mecânicas, surpreendia-me que, embora fossem firmes e sólidos seus fundamentos nada de mais elevado se houvesse edificado sobre eles. Do mesmo modo eu comparava os escritos dos antigos pagãos que tratam dos costumes nos palácios imponentes e magníficos, construídos, porém, sobre areia e lama. Erguem muito alto as virtudes e apresentam-nos como as mais apreciáveis de todas as coisas que existem no mundo, mas não ensinam a conhecê-las o bastante, e, com frequência o que denominam com um nome tão belo não revela mais do que uma insensibilidade, ou um orgulho, ou um desespero, ou um parricidio. (Descartes, 1998, p.35).

No Discurso do Método, em 1637, Descartes realiza uma mudança que vai da história, da cultura e da tradição ao "eu", a base de todo conhecer. E a partir desse movimento Descartes estabelece as fundações metafísicas da modernidade. Esse espírito de insatisfação força-o a estabelecer um novo método, no qual possam ser eliminadas tanto a perturbadora diversidade de visões quanto o potencial exagerado para o erro.
Descartes, com seu ataque persistente à cultura, à diversidade e à tradição aniquila a historicidade e com isso dificulta a compreensão das questões sociais, incluindo aí a questão da beleza da Natureza. Outro aspecto importante para compreender a dificuldade de apreciação da beleza da Natureza depois de Descartes reside na primazia do intelecto sobre os sentidos. O método da dúvida propicia o trajeto mais fácil para a mente ser levada para longe dos sentidos. Descartes duvidava de tudo: da existência do corpo, dos sentidos, da Terra, da necessidade de uni lugar para existir. Para Descartes o mundo físico é muito mais difícil de compreender do que a mente. Descartes quis eliminar a Cultura e sem cultura não há apreciação estética porque não há linguagem. Bordo (1987) denomina essa limpeza de "parto" através do qual se afirma a masculinidade do pensamento cartesiano em oposição aos mundos orgânico e feminino da Idade Média e do Renascimento.
Bordo (1987) assinala ainda que a objetividade e posterior objetificação do mundo transformou a Natureza em um objeto idílico de análise, dissecação e controle. As Meditações Cartesianas constituem, então, em um processo de purificação e aperfeiçoamento do intelecto e na Quarta Meditação, Descartes afirma categoricamente que é possível pensar sem o corpo. Já no séc. XVIII temos um período inovador em termos de considerabilidade estética da Natureza.
Os conceitos de "desinteresse" e "pitoresco" foram fundamentais para o desenvolvimento da apreciação estética da Natureza na filosofia. A arte deixa de ser o único crivo através do qual poderíamos apreciar ou compreender a beleza da Natureza. É através de Kant que encontramos uma virada nesse sentido. Na Crítica do Juízo, Kant argumentou que a beleza natural é superior a da arte. O aspecto revolucionário de sua teoria consistiu no desenvolvimento do conceito de "desinteresse" na apreciação da beleza natural, ou seja, a fruição estética descompromissada em vez do engajamento. "A classificação de Natureza em termos do conceito de desinteresse dissociou a apreciação estética dos interesses pessoais, religiosos, econômicos ou utilitários, que poderiam impedir a experiência estética” (Carlson, 2008).
Três conceitualizações fundamentais se dão a partir do conceito de desinteresse. 1) A primeira é a beleza em relação a belos e cultivados jardins e paisagens européias.
2) A segunda é o sublime, em relação a elementos naturais aparentemente ameaçadores, vastos e poderosos como, por exemplo, grandes montanhas.
3) Mas o conceito de maior relevância para o desenvolvimento da teoria estética foi o de pitoresco. Esse conceito realizou algumas conexões importantes entre a beleza da Natureza e a arte. Vale lembrar que a palavra pitoresco em inglês vem de picture-like, ou seja, como uma fotografia.

Ainda hoje essa tendência se faz presente em muitas atividades de turismo. Já no séc. XX, talvez já indicando os caminhos que a nossa civilização tomou, ocorreu um grande declínio do interesse da filosofia na apreciação estética da Natureza e esta ficou mais restrita as suas conexões com a arte. Esse foi basicamente um resultado da hegemonia e redução da Arte à Analítica Estética. O ponto básico da Analítica Estética é que a apreciação da Natureza seria totalmente parasitária da Arte. Somente nos últimos trinta anos é que a considerabilidade estética da Natureza foi retomada pela filosofia em grande medida devido à devastação ambiental e a emergência dos movimentos ambientalistas.
A obra Verdade e Método de Gadamer publicada em 1960, embora não considere a possibilidade de uma estética da Natureza abre novas possibilidades de compreensão da Natureza em termos não instrumentais. Podemos fazer analogias interessantes entre a compreensão de uma obra de Arte a as possibilidades de apreciação da beleza da Natureza. Ao apontar o jogo como o modo de ser da arte, Gadamer abre a possibilidade de um engajamento com a obra de Arte em clara oposição a noção de fruição estética desinteressada. Além disso, Gadamer nos mostra através do jogo como a dicotomia "entre sujeito e objeto não é a única nem a maneira mais fundamental de compreender a existência humana" (Carvalho et al., 2009, p. 101). "A preocupação quase obsessiva do Iluminismo com a autoconsciência acabou por nos afastar de experiências que nos permitam compreender melhor nossa existência. Johnson (2000) observa que "o projeto de uma autoconsciência separou o sujeito e o objeto e restringiu a verdade ao domínio exclusivamente cientifico" (Carvalho et al., 2009, p. 102).
Gadamer é um crítico severo dessa tradição, pois ela nos alienou de verdades extracientíficas como a história e a arte. Gadamer acredita que estamos envoltos em um tipo de alienação estética. Kant, por exemplo, não concedia a experiência da arte o estatuto de verdade. A arte proporcionaria um prazer desinteressado, mas não um novo conhecimento. Mas se a ciência pode reservar o conceito de Verdade para si porque a arte não pode, pergunta Gadamer?
Se nos deslocarmos para além do exclusivismo do método que atribuía o estatuto de verdade à ciência, encontramos na Dialética Grega um exemplo útil para a reflexão sobre a alteridade da Natureza, pois o conhecimento de uma coisa não resultava de uma atividade metódica da consciência, mas sim de algo que a coisa mesma fez e que o pensamento sofre. Sobre isso, Gadamer (1995) nos diz que:
"Nós podemos ver agora que esta atividade da coisa consigo mesma no vir à fala do significado, aponta para a estrutura universal, nomeadamente para a natureza básica de tudo através do qual a compreensão pode ser dirigida. Ser que pode ser compreendido é linguagem" (p.474).
Desse modo, podemos afirmar que existe urna linguagem da Natureza e é isso que a toma inteligível para nós. Gadamer (1995) lamenta o fato de as ciências modernas não terem percebido isso.
“as ciências modernas não vêem a natureza como um todo inteligível, mas como um processo que não tem nada a ver com os seres humanos, um processo no qual a pesquisa cientifica lança uma limitada, mas confiável luz, tomando então possível controlar a natureza. Assim, a mente humana, procurando certeza e proteção encontra o conhecimento científico contra a incompreensibilidade da vida, esta temível instância" (1995, p. 475).
A interpretação da Natureza pode ser melhor compreendida com referência a um certo número de analogias relativas á experiência da arte e da história. Os procedimentos objetificadores das ciências naturais procuram conhecer sem reconhecer a dimensão linguística do conhecimento de nossa experiência, dirigindo simplesmente para a certeza, e para uma crescente dominação do ser (Grün, 2005).
Uma das melhores analogias para se compreender a beleza da Natureza é o conceito de jogo. Através desse conceito podemos compreender que para que a apreciação estética da Natureza se efetue é necessário um engajamento que desestruture a distinção entre sujeito e objeto. Assim, a Natureza poderia se apresentar em seu verdadeiro modo de ser que é o de auto-apresentação e não da determinação objetivista ou da construtibilidade mecânica da mente. A compreensão da Natureza envolve respeito pela sua outridade. A Natureza nos interpela. A compreensão só é possível quando nós retemos o respeito pela alteridade daquilo que queremos compreender. E isso só ocorre quando nos engajamos em um diálogo, em uma genuína troca de experiências. Caminhando nessa direção, recentemente esbocei uma ética de parceria com a Natureza em Educação Ambiental, baseada na humildade e no diálogo com a Natureza (Grün, 2007).
A ética de parceria com a Natureza é possível em termos linguísticos e não dicotômicos porque como nos diz Gadamer "a fala não pertence à esfera do eu, mas á esfera do nós". Isso ocorre se considerarmos a Natureza como um Tu e nos dermos conta que a realidade da linguagem viva é o diálogo e quando o diálogo "termina", emergimos "saciados" e transformados. Esse é um processo que envolve transformação e, por isso, é importante para a Educação Ambiental. A diferença básica para a postura de Descartes e das ciências que o sucederam é que a linguagem era vista como uma produção do mundo da subjetividade. Hoje, corno sabemos, a linguagem transcende a consciência individual. Gadamer vê uma harmonia, não na natureza das coisas (essencialismo), mas na linguagem das coisas "que querem ser ouvidas da forma em que as coisas trazem-se para a expressão na linguagem".
Quando Ficamos mais cientes de que a nossa experiência de mundo é linguística, começamos a compreender a outridade da Natureza. O entrar na linguagem ocorre precisamente no momento em que o elemento da aplicação apresenta-se, como sugere Gadamer (1998) em sua leitura de Aristóteles. Precisamos estar em relação com a Natureza e "estar em relação a algo" é, para Gadamer (1995), um fenômeno moral. Nós participamos da Natureza e a Natureza participa de nós. É uma relação Eu-Tu. Já a relação eu-isso não pode ser defendida como relação. Assim, podemos dizer que pensadores como Francis Bacon, Galileu e Descartes, tiveram uma relação eu-isso com a Natureza, pois esta foi tratada como mero objeto à disposição da razão.
Para descrever a nossa relação com a Natureza, Martin Buber usou termos como majestosa, fascinante, e amedrontadora, mas salientou também que nenhum adjetivo é capaz de descrever inteiramente essa relação. Ele criticou a nossa separação da Natureza e disse acertadamente, que estamos entrelaçados no tecido da Natureza, ela é uma parte de nós e nós somos uma parte dela. Tanto Gadamer (1995) como Buber (1996) entendem que a relação entre seres humanos e Natureza deveria ser mutuamente benéfica.
Já o filósofo ambiental e alpinista Peter Reed (1989), embora reserve também um espaço para alteridade da Natureza, vê esta sempre como dominante, Isso tem consequências tanto éticas quanto estéticas. Em termos de estética podemos destacar a possibilidade de auto-representação da Natureza, seu poder de sedução e convite ao engajamento, rompendo, assim, com a frieza epistemológica cartesiana e despertando a sensibilidade perdida pelo mundo mecânico. Mas quero ressaltar também que a ética de parceria proposta por Reed (1989) que vê a Natureza quase sempre como parceira dominante também tem implicações estéticas.
Atualmente, perdemos um precioso senso de nossa insignificância diante da vastidão infinita do Cosmos. Muitas vezes a Natureza nos convoca a lembrarmo-nos disso. Para Peter Reed, os desastres "naturais" corno são chamados, têm o potencial de servir de uma espécie de aprendizagem a partir da qual podemos mudar nossas atitudes, por mais vagaroso que possa parecer esse processo. Eu descrevo essa possível estética como uma espécie de respeito combinado com medo e desejo. E as considerações de Gadamer sobre a capacidade da obra de arte de comunicar a si mesma podem ser bastante úteis para compreender a minha proposição estética da Natureza como parceira dominante.
Gadamer (2000) diz que "Quer nós chamemos o trabalho de arte uma criação inconsciente do gênio, ou consideremos a inexaustabilidade de cada criação artística do ponto de vista do observador, a consciência estética pode apelar para o fato de o trabalho de arte comunicar a si mesmo" (p.181). Poderíamos nos perguntar agora se a Natureza comunica a si mesma. Minha resposta é sim, só que nós não nos aprimoramos ainda na hermenêutica da escuta e ainda não abrimos os devidos canais de comunicação com o mundo não-humano.
Para Gadamer (2000) a questão fundamental de uma obra de Arte é se ela tem algo a nos dizer.
"A intimidade com que o trabalho de arte nos toca é ao mesmo tempo, uma moda enigmática, um devaneio e uma demolição do familiar. Não é apenas a tua arte revelada em um alegre e assustador choque, mas também diz para nós: Tu precisas alterar a tua vida" (Gadamer, 2000, p.186).
E isso é fundamental para a Educação Ambiental. Por isso podemos dizer que a Natureza é o outro que nos convoca em todo seu poder de sedução e beleza, mas que tudo isso hoje é mesclado com um profundo sentimento de respeito, medo e desejo. O medo e o desejo não são mais elementos separados de nossa admiração pela Natureza.
A nossa relação ideal com a Natureza é de reciprocidade como assinalam Gadamer, Buber e Grün (2007), mas a Natureza tem se apresentado também como dominante. Com a força, o vigor e o impulso extraordinário que ela tem. Já longe do rigor analítico que a derrubou. Esse poder e força podem ter um papel educativo-ético-estético importante, pois nos descentra do desconcertante antropocentrismo em que nos encontramos e nos faz cientes diante de nossa insignificância. Não se trata da insignificância das pessoas. As pessoas são importantes. É sim, a nossa insignificância diante da Natureza, da Terra em sua jornada de formação desde os tempos imemoráveis antes da presença da vida no planeta.
É nesse sentido que precisamos respeitar profundamente o que existe, pois isso não foi feito por nós e precisamos nos lembrar disso, ainda que isso nos leve muitas vezes a sentir medo. Mas não quero dizer com isso que as catástrofes naturais são bonitas. Nem mesmo que os terremotos são belos como apregoava John Muir. Mas que o reconhecimento de nossa insignificância perante o Cosmos e a força da Natureza é talvez o mais belo caminho que uma estética da Educação Ambiental possa tornar para que sejamos reconduzidos a uma hermenêutica da escuta da Natureza na qual possamos alcançar um mundo melhor onde o Kalon, a ordem das coisas belas, como chamavam os gregos, seja mais respeitada.

METODOLOGIA
A metodologia a ser utilizada é a hermenêutica. A hermenêutica é quase tão antiga quanto a filosofia e tem como marco referencial no séc. XX o trabalho de Gadamer. Mas para compreendermos porque essa metodologia é a mais apropriada para o bom andamento da pesquisa é necessário que nos remetamos aos antecedentes históricos da hermenêutica filosófica. É através da exploração do que significa a circularidade da compreensão que podemos fazer isso. Vejamos isso mais de perto. Para Gadamer (1988) o movimento da compreensão sempre vai do todo para as partes e das partes para o todo. A ausência desse círculo determina uma falha da compreensão. A regra hermenêutica segundo a qual a compreensão se move do todo para as partes e das partes para o todo, na verdade, já se faz presente na retórica grega antiga. Mas para compreendermos essa ideia em termos do que ela representa enquanto abordagem metodológica podemos começar nossa discussão com Schleiermacher no séc. XIX.
Schleiermacher (1768-1834) acreditava que a hermenêutica fosse urna arte de mover-se dentro do pensamento de outra pessoa e compreender aquele pensamento a partir da perspectiva de outra pessoa (Johnson, 2000). Tratava-se de compreender a intenção do autor. Schleiermacher já percebia a impossibilidade de um ponto arquimédico da consciência para nos interpretarmos c isso já representava urna derrocada das pretensões últimas de fundamentação metafísica. O que é para ser compreendido a partir de Schleiermacher já ao são as palavras exatas ou objetos, mas a individualidade (interioridade) do autor. E essa individualidade é uma pequena parte de uma manifestação da vida universal. Assim, todos nós carregaríamos urna parte de cada um de nós em si mesmo.
O método é comparativo e divinatório. Ou seja, ele compara o que é comum entre os interlocutores e faz uso do método divinatório (teológico) com o qual tenta subsumir a individualidade do conjunto da humanidade. "Compreender é uma operação essencialmente referencial; compreendemos algo quando o comparamos com algo que já conhecemos" (Palmer, s.d., p.93). Seu método foi extremamente ousado para sua época, mas logo foi superado por apresentar uma concepção de ciências humanas por demais presa à teologia. Schleiermacher costumava dizer que seu objetivo com a hermenêutica era compreender o autor melhor do que ele compreendeu a si mesmo com isso, Schleiermacher entende a compreensão como um movimento circular.
Dilthey (1833-1911) aperfeiçoa e retoma de Sehleiermacher a noção de circularidade da compreensão. Ele também nutria um grande otimismo em relação ao progresso da cultura científica. A escola histórica de Dilthey reclamava para si o conceito de ciência e, sobretudo, reivindicava desse conceito os conceitos de método e objetividade, pertencentes à ciência moderna. Ele queria pensar esses conceitos de objetividade e método para a vida histórica. Gadamer situa Dilthey não como um positivista, mas como um filósofo que ocupa um lugar entre a teoria do conhecimento e o legado da filosofia romântico-idealista que buscava a aproximação entre vida e história (Gadamer, 1995). Essas eram exigências metodológicas do historicismo. Tratava-se de legitimar as ciências do espírito (históricas). Dilthey queria proteger a compreensão histórica da arbitrariedade do subjetivismo. Ele parece tentar conjugar a ciência com a vida histórica, acreditando que a hermenêutica nos dá a possibilidade de estabelecer uma ciência da compreensão que pode fornecer uma fundamentação metodológica para as ciências humanas, discernindo explicação de compreensão. A explicação seria o procedimento análogo ao das ciências naturais, ao passo que a compreensão contemplaria o indivíduo em sua interioridade. Dilthey, tal como Schleiermacher, entende a compreensão como um movimento circular. Mas Dilthey ainda mantém a estrutura circular da compreensão confinada dentro de uma relação formal entre o todo e as partes.
É somente com o jovem Heidegger (1915-1923) que o circulo da compreensão deixa de ser um círculo formal e vicioso. Seguindo Heidegger, Gadamer (1983) buscará se desviar do conceito de “circulo vicioso”. Ele mostrará que o círculo hermenêutico não é um círculo formal, mas um círculo que descreve a compreensão como um jogo interno entre a tradição e o intérprete" (Grün, 2007, p.100-101)-Seguindo em sua reflexão, Grün (2007) afirma que "compreender não mais significa
compreender uma causa, pois, "após Heidegger (1999) emerge uma valorização ontológica do conhecimento histórico na estrutura da compreensão histórica da existência humana" (p.101).
Para Gadamer (1998), (...) essa nova estrutura projetiva do estar ai endossa o conhecimento histórico com um novo status e permite que os preconceitos agora tenham um papel relevante referente à noção de ciência. Esses desenvolvimentos da hermenêutica proporcionaram uma nova compreensão da ciência, na qual esta estaria sempre sujeita a novas redefinições. "Se não me equivoco, a solidariedade da ciência se baseia em primeiro lugar na correspondente limitação do conhecido e na renovabilidade de todo conhecimento científico" (Gadamer, 1990, p.97). Heidegger (1999) nos mostra que o circulo da compreensão tem uma significância ontológica positiva. E o resultado disso é que a interpretação não pode ser arbitrária, pois qualquer compreensão será sempre uma projeção que poderá ser corrigida pelo contato com o outro. Nós sempre temos expectativas na leitura de um texto e projetamos significado em um todo. "Por outro lado é apenas porque alguém de inicio lê o texto com certas expectativas de um significado definido que o significado inicial se torna aparente" (Gadamer, 1988, p.71). É através dessas constantes projeções que vamos fazendo as nossas revisões de significado na ciência. Para que estas constantes revisões ocorram é necessária uma abertura ao que o outro, a Natureza, quer dizer e a eliminação de todo pressuposto de neutralidade.
A questão da cientificidade na hermenêutica filosófica ganha urna outra dimensão ao nos darmos conta que a consciência histórica não aceita autoridades inquestionáveis no que se refere ao status calo do fazer científico. A tarefa da hermenêutica filosófica é não só explicitar os preconceitos e pré-concepções que originam o fazer cientifico. Mas sua tarefa última, através da consciência histórica, é saber discernir os falsos preconceitos daqueles verdadeiros. É justamente nessa humildade filosófica — saber reconhecer que o outro, a Natureza, pode estar correto e nos modificarmos a partir disso — é que consiste a metodologia adequada para a transformação do eu antropocêntrico cartesiano que ainda nos leva a uma postura objetificadora e nos impede de apreciar a beleza da Natureza



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