A respiração da Natureza

on sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
A natureza fala? Eis uma questão intrigante.

Em outra postagem sobre  Ética, Estética e Educação Ambiental, (Veja no link: Ética e Estética e Educação Ambiental) já abordei essa questão: 

"Poderíamos nos perguntar agora se a natureza se comunica a si mesmo. Minha resposta é sim, só que não nos aprimoramos ainda na hermenêutica da escuta e ainda não abrimos os devidos canais de comunicação com o mundo não humano."  

Mauro Grün - Filósofo e Escritor.Doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of Western Australia.


A hermenêutica é capaz de trazer uma Natureza alienada para mais perto de nós sem lhe privar de sua outridade. Essa hermenêutica é, então, a da voz, uma vez que o significado surge numa linguagem viva: "Linguagem, para mim, é sempre simplesmente aquela que usamos com os outros e para os outros" (Gadamer 1989c, p. 98). Para compreendermos a hermenêutica como voz precisaremos também compreender as declarações de Sócrates quanto ao status da escrita. No Fedro, Sócrates claramente considera o status da linguagem falada superior ao da palavra escrita. Ademais, é significativo que o próprio Gadamer seja profundamente influenciado pelos pontos de vista de Sócrates. Para Gadamer, no entanto, a escrita em si não deixa de ser uma voz, postura esta que fez Derrida acusar a hermenêutica de fonocentrista.

Derrida argumenta que Platão realmente privilegiava a palavra falada. No Fedro, Platão chega a ponto de dizer que o discurso escrito deveria ser denominado como um tipo de imagem, e que o discurso realmente importante é o da "palavra viva e respirada". Risser (1997) leva a sério a asserção de Platão e faz uma análise da voz na respiração. Respondendo à preferência de Sócrates pelo discurso, o Fedro diz que ele não é um discurso morto, mas a palavra viva e respirada. É uma condição que permite que estejamos vivos. O significado de ser deve ser encontrado na experiência da voz.

A voz da respiração

Risser (1997) observa que, na tradição oral grega, desde os dias de Homero, "dizer uma palavra é respirar, proferi-la para ser ouvida quando os ouvidos da pessoa a respiram. Mas a palavra é em si respiração, isto é, o ser da vida, é de espírito, mente, inteligência" (p. I76). Ele continua: "Para Homero, palavra (ëpos) não significa apenas palavra, aquilo que poderia possivelmente ter margem, mas inclui os significados 'fala', 'conto', ‘canção’ ou poesia 'épica' como um todo" (p. I77). É mais ou menos isso que Gadamer quer dizer quando propõe que urna palavra sempre se refere a uma realidade maior e múltipla.

Para Gadamer ( I 995), a voz é a palavra interior. Nesse ponto, a compreensão só pode ser possível quando emerge a voz interior. A voz interior tem o caráter de um evento. "Isto é a palavra que diz algo além de suas partes gramaticais. É a palavra que ocorre na escrita quando é lida a palavra. É a palavra da respiração que é ouvida pelo ouvido interno" (Risser 1997, p. 176).

A voz ocorre quando a palavra acha seu lugar. Na hermenêutica, a palavra assume seu lugar na investigação dialógica. O fato de a palavra ser da respiração significa que um elemento de continuidade é inevitável em toda a nossa fala. A voz garante que a palavra jamais seja única, pois sempre se refere a uma unidade múltipla. A voz persiste tanto na escrita quanto na fala. Risser (ideM) salienta que, quando Gadamer diz que é necessário separar o significado da palavra de seu sentido gramatical, "ele está se opondo à remoção da voz da escrita. Para Gadamer a situação comunicativa demanda que a gramatologia não exclua a voz" (p. 179).

Derrida (1989) acredita que, nessa tentativa de compreender o estranho — outras culturas, mundos da vida ou a Natureza —, a diferença será assimilada e absorvida pelo ato da compreensão. Mas não é isso que acontece, pois, como enfatiza Gadamer (1995), a hermenêutica luta para se reconhecer no Outro "e encontrar um lar no estrangeiro - é este o movimento básico do espírito cujo ser consiste nesta volta para si mesmo a partir da outridade" (p. 14). Acredito que esse princípio é mais do que suficiente para nos guiar em nossa relação com a Natureza. Em nosso encontro com a outridade da Natureza, estaríamos voltando para nós mesmos como indivíduos modificados, com a disposição de repensar as preconcepções norteadoras de um modo objetificante e antropocêntrico de ser.

Concluindo, poderíamos, portanto, argumentar que Derrida simplesmente não compreendeu a hermenêutica filosófica, pois esta não constitui qualquer tentativa de controle da Natureza. Em vez disso, possibilita que falemos em termos que revelem uma cognição da outridade da Natureza, a outridade do Outro e da diferença.

Trecho do meu livro Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental.

Experiência e Vida

on segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
Ao longo dos últimos séculos, temos destruído a natureza, a nós mesmos e ao outro. A pergunta que devemos nos fazer é se afinal, somos pessoas experientes. Estamos aprendendo algo com nossas experiências? 
Muito pouco, diz o filósofo Mauro Grün.


Na verdade, Bacon caracterizou seu método como experimental. Além disso, tal definição não se refere simplesmente aos procedimentos técnicos adotados pelos cientistas, mas também à forma única na qual a mente científica deve evitar ser distraída em generalizações apressadas. Hoje sabemos, como diz Gadamer, que a metodologia de Bacon era muito vaga e geral, e conhecemos também os resultados negativos que ela produziu em sua aplicação à Natureza.

Entretanto, o objetivo declarado por Bacon de dominar a Natureza para controlá-la era bem mais o lado programático de seu trabalho do que realmente o desenvolvimento de um método científico. Gadamer caracterizou como unilateral a visão de que a experiência deveria ser avaliada apenas teleologicamente e simplesmente a ponto de poder levar ao conhecimento. Pretendo argumentar que não devemos confiar em tais modelos de experiência, pois o caráter fundamental da experiência repousa em sua alteridade, considerando nossas próprias experiências, em vez de simplesmente como forma de garantir que os erros sejam evitados quando corrigidos.

Gadamer propõe, portanto, que é importante compreender o nascimento da experiência enquanto evento sobre o qual ninguém exerce controle. A experiência não é determinada por esta ou aquela observação, mas é coordenada de uma forma que, em última análise, é inteligível. Pensar na experiência como essencialmente ligada à ciência pareceria, então, um erro. Pensar na experiência simplesmente em termos de seus resultados é omitir o fato de que ela é essencialmente um processo. Gadamer propõe que há três modos de compreender a experiência: 1) Primeiro, devemos considerar as experiências como confirmação de nossas próprias expectativas. 2) Segundo, precisamos considerar nossas próprias experiências. Foi Hegel, no entanto, que desenvolveu o elemento dialético da experiência. Em seu trabalho, a experiência ganhou uma dimensão diferente. Para ele, a verdadeira experiência é a experiência da consciência. A consciência emerge transformada do encontro com o fenômeno, precisamente como resultado desse encontro. Esse processo endossa a consciência com novos horizontes para futuras experiências - uma experiência que determinará a natureza de futuras experiências. Por meio da própria conversão em novos horizontes, a consciência aprende algo e o processo é, então, uma forma de educação. Mas, se para Hegel esse novo conhecimento é absoluto, esse não é o caso no trabalho de Gadamer (1995), que defende que a dialética da experiência representa uma oportunidade para novas experiências. O indivíduo experiente, dessa forma, não é o que acumulou experiências, mas o que está sempre aberto para novas experiências. Nesse contexto, esse estar aberto tem a ver com a disposição de receber tudo que nos confronta em sua capacidade de Outro, mas não no avanço dialético articulado por Hegel. A aquisição da experiência pode ser dolorosa, pois nos lembrará que não dominamos nosso próprio destino e que somos submetidos às contingências da existência humana. As experiências com frequência nos confrontarão com os equívocos de nossas próprias expectativas. A verdadeira experiência é desse modo, a experiência de nossa própria finitude. Risser (1997, p. 91) vê aí a versão que Gadamer tem da humildade socrática:

A genuína experiência, assim como a sabedoria socrática, pede-nos que recuperemos o espaço que separa o humano do divino na tentativa de não apenas reconhecer o espaço, mas também preservá-lo. E isto significa que no estar aberto para novas experiências, o dogmatismo alcança suas fronteiras absolutas.

Neste ponto, genuína é a experiência de nossa própria historicidade. Não conseguimos passar pela mesma experiência duas vezes. Uma experiência que é repetida não é mais a mesma experiência. É, então, uma nova experiência, não mais a mesma coisa, mas algo novo e inesperado. "O indivíduo fica ciente de sua experiência; ele é experiente. Ele adquiriu um novo horizonte em que algo pode se tornar uma nova experiência para ele" (Gadamer 1995, p. 354). Hegel afirmou que a verdadeira experiência tem a estrutura de um inverso da consciência e como tal constitui um movimento dialético.

A experiência hermenêutica, no entanto, não é vista como ciência. Ela existe sempre em oposição ao aprendizado e à instrução, que são o resultado de conhecimento teórico e prático. A verdadeira natureza da experiência leva sempre a novas experiências. "É por isso que a pessoa que é chamada experiente é assim não apenas através de experiências, mas também está aberta a novas experiências" (Gadamer 1995, p. 355). A pessoa experiente, portanto, não é aquela que sabe tudo, mas aquela que radicalmente resiste a todos os dogmas.

Vamos, então, examinar como Gadamer concebe nossa experiência com o Tu. O Tu não é objeto, pois existe em relação a nós. "Estar em relação a algo" é, para Gadamer (1995), um fenômeno moral. De modo semelhante, a aquisição de conhecimento através da experiência do encontro com o Outro também é um fenômeno moral. O conhecimento sobre o Outro, em contraste com a probabilidade de levar à crença de que possamos prever suas ações, é puramente conhecimento sobre si mesmo. Qualquer um que compreenda a tradição dessa forma a objetifica, levando o eu a, metodologicamente, excluir tudo o que for subjetivo.

Uma segunda forma através da qual o Tu pode ser compreendido é como pessoa, embora mesmo nesta instância pode ser ainda uma forma de autorrelação. Para todo argumento há um contra-argumento. É por isso que é possível para cada parte de um relacionamento de forma reflexiva sobrepujar o outro. (Gadamer 1995, p. 359)

Embora até certo ponto se busque conhecer o Outro melhor do que a si mesmo, o Tu é compreendido mas simultaneamente cooptado pela posição do primeiro interlocutor. Isso pode, então, levar ao controle e à dominação de um sobre o Outro. Gadamer (idem) enfatiza que, ao alegar que se conhece o Outro, roubam-se suas alegações de legitimidade - conhecemos isso na relação entre professor e aluno, na qual fica clara a dialética do Eu-Tu.

A pessoa experiente sabe que não domina o tempo nem o futuro e que seus planos são necessariamente limitados e contingentes. A pessoa experiente sabe também que todos os planos e expectativas dos seres finitos inevitavelmente também serão finitos e limitados. Essa é nossa experiência mais genuína, pois é também a experiência de nossa própria historicidade. Esse é o terceiro tipo de experiência do qual nos fala Gadamer.

A experiência hermenêutica é tradição, e a tradição não é um processo simples que a experiência nos ensina. Tradição é linguagem e se expressa como um Tu. Isso não é dizer que o que é experienciado na tradição seja a opinião de outra pessoa, mas que a tradição é parte genuína de um diálogo. Portanto, pertencemos à tradição da mesma forma que pertencemos ao Tu. O Tu está numa relação conosco. Essa seria precisamente a estrutura a ser observada numa relação ecologicamente ética entre os seres humanos e a Natureza, uma ética de parceria. Participamos da Natureza e a Natureza participa de nós.

"Na experiência hermenêutica a consciência histórica constitui-se paralela à experiência do Tu, devido ao que ela sabe sobre a outridade do Outro. A consciência histórica conhece a outridade do passado, assim como uma compreensão do Tu conhece o Tu como uma pessoa" (Gadamer 1995, p. 360). O indivíduo que não reconhece que é condicionado pelas preconcepções não verá o que se manifesta através de sua própria luz. Este é o modelo da relação entre o Eu e o Tu. "A pessoa que reflete sobre si fora da mutualidade de tal relação muda esta relação e desfaz seus vínculos morais" (ibidem).

O estar aberto à tradição constitui, desse modo, o mais elevado tipo de experiência hermenêutica. Vimos que, na experiência humana, é importante considerar o Tu verdadeiramente como um tu e permitir que realmente nos conte ou ensine alguma coisa. Sem esse estar aberto de uma pessoa para outra não há vínculo algum entre elas. Esse estar aberto implica o reconhecimento de que aceitaremos algumas coisas que possam não nos ser favoráveis. Esse estar aberto à tradição está crucialmente ligado à experiência que o Eu tenha do Tu. Esse estar aberto deve caracterizar a atitude tanto do falante quanto do que apreende a mensagem falada. Em última análise, a hermenêutica é precisamente o que distingue a pessoa experiente daquela presa a dogmas.

Reconhecer isso para "deixar falar", seja um indivíduo, a Natureza ou a forma mais ampla de tradição, constitui, portanto, uma das lições mais importantes da hermenêutica. Esse processo é semelhante ao escutar socrático ao qual me referi em capítulos anteriores: deixar falar, deixar estar. Ainda na juventude, Gadamer (2000, p. 390) demonstrou a irredutibilidade do Outro numa situação de Amor:

Aquele que ama esquece a si mesmo põe-se de fora da própria existência, vive por assim dizer no outro. Com esta primeira expressão Hegel afronta já o seu tema mais próprio, porque nesta analogia de razão e amor estão intimamente implícitas a coisa, a sua concordância, mas ainda a sua diferenciação. A universalidade do amor não é a universalidade da razão. Hegel não é Kant. No amor há um Eu e um Tu, ainda que estes possam se dar um ao outro com dedicação. O amor é a superação da estranheza entre o Eu e o Tu, uma estranheza que existe sempre e que precisa existir, para que o amor possa estar vivo. Na razão, ao contrário, o Eu e o Tu são intercambiáveis e representam a mesma coisa. E, além disso: exatamente por isto o amor não é uma abstração, mas uma concreta universalidade, isto é, não é isto que todos são (como seres racionais), mas como o que são o Eu e o Tu e, em verdade, de tal modo que isto não é nem o Eu nem o Tu — mas o Deus que aparece, isto é, o espírito comum, que é mais que o saber do Eu e o saber do Tu.

Almeida (apud Almeida, Flickinger e Rohden 2000) argumenta que o amor ocorre nessa passagem como causa universal que viabiliza o encontro entre o Eu e o Tu, mas também como imposição que inviabiliza a redução de um para o outro. Na consciência histórica, ocorre algo muito semelhante: outra vez, o Outro é irredutível ao Eu. Como observa Almeida,

(...) a consciência histórica paralisa a pretensão da filosofia de conhecer "verdades eternas" e de alcançar o olhar que abarca o absoluto. Em vez disso, lembra que filosofar é empreender uma tarefa sem fim e buscar o saber sempre; daí por que é tão produtiva a mística do amor, pois assim como a destruição do outro numa relação amorosa tem como consequência a destruição do próprio amor, do mesmo modo, a destruição da diferença resulta na morte do espírito histórico. (Idem, p. 101)


Até então, tenho enfatizado a forma de a alteridade ou outridade constituir um traço fundamental de todas as experiências hermenêuticas genuínas. É o ouvir socrático sobre o qual tratei em capítulos anteriores: deixar falar, deixar estar, deixar a Natureza ser.

O teólogo e filósofo Martin Buber (1996) compreendeu muito bem que o que estava em jogo cm tal postura era exatamente o respeito pela outridade. Em seu trabalho, Gadamer (1995) seguiu os passos de Buber para desenvolver seu próprio conceito de alteridade. Buber foi o pioneiro de uma longa e fértil linhagem de pensadores do século XX que se preocuparam com a alteridade. Entre outros poderíamos citar Levinas, Gadamer e Derrida. Buber de fato estabeleceu a visão de que, enquanto há urna relação instrumental entre Eu-isso, há uma relação entre Eu e Tu. Apenas esta pode ser definida como uma relação. Eu-isso não pode se constituir cm uma relação. Assim, podemos dizer que pensadores como Bacon, Galileu e Descartes, cujos trabalhos foram tratados nos capítulos 1, 2 e 3, meramente lidaram com uma relação instrumental do tipo Eu-isso. Nos trabalhos desses filósofos, a Natureza é tratada como objeto, como um Isso. Está claro que um Isso desse tipo não falará, pois é mudo. Para ocorrer uma relação, deve haver respeito pela outridade. Ninguém compreendeu essa questão tão bem como Buber. Já em 1923 ele falava na necessidade de respeitar o ser da Natureza. Em Eu e Tu, Buber escreve:

Eu considero uma árvore.
Posso apreendê-la como uma imagem. Coluna rígida sob o impacto da luz, ou o verdor resplandecente repleto de suavidade pelo azul prateado que lhe serve de fundo.
Posso senti-la como movimento; filamento fluente de vasos unidos a um núcleo palpitante, sucção de raízes, respiração das folhas, permuta incessante de terra e ar, e mesmo o próprio desenvolvimento obscuro. Eu posso classificá-la numa espécie e observá-la como exemplar de um tipo de estrutura e vida.
Eu posso dominar tão radicalmente sua presença e sua forma que não reconheço mais nela senão a expressão de uma lei - de leis segundo as quais um contínuo conflito de forças é sempre solucionado ou de leis que regem a composição das substâncias.

Eu posso volatilizá-la e eternizá-la, tomando-a um número, uma mera relação numérica.

A árvore permanece, em todas essas perspectivas, o meu objeto tem seu espaço e seu tempo, mantém sua natureza e sua composição. Entretanto pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em relação com ela; ela já não é mais um ISSO. A força de sua exclusividade apoderou-se de mim. (1996, pp. 7-8)

Porque não sou mais homem

on sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
“O homem está há muito tempo na administração do planeta. As coisas não estão bem. Falhamos”, diz o filósofo Mauro Grün.

Ecofeminismo
Mauro Grun

Santos (2005) observa que o ambientalismo e o feminismo são os maiores e mais fortes movimentos sociais globalizados Desde o início dos anos de 1970, Rosemary Radford Ruether tem defendido que o ambiente é um assunto feminista. A asserção básica do ecofeminismo é a de que existem visões de mundo e práticas que são baseadas nos modelos de dominação dos homens sobre as mulheres. O argumento de Ruether (1975) é o de que não existirão práticas ecológicas enquanto persistirem outras formas de dominação na sociedade como, por exemplo, a dominação masculina. Argumento que o movimento ambientalista deveria se unir ao feminismo, formando, assim, o ecofeminismo. Karen Warren (1993) afirma que o ecofeminismo se propõe a revelar conexões existentes entre a dominação masculina e a devastação ambiental. Ela enumera oito conexões:

1 - As Conexões Históricas;
2 - Conexões Conceituais;
3 - Conexões Empíricas e Experienciais;
4 - Conexões Simbólicas;
5 - Conexões Epistemológicas;
6 - Conexões Políticas (Práxis);
7 - Conexões Éticas;
8 - Conexões Teóricas.

Warren (1993) conclui sua introdução do ecofeminismo enfatizando as questões teóricas. As principais conexões teóricas entre dominação masculina e devastação ambiental encontram-se no domínio da Ética Ambiental. Existem conexões entre mulheres e natureza tanto no âmbito da filosofia tradicional Ocidental como em Aristóteles e Kant, por exemplo, quanto nas abordagens não tradicionais como as feministas, afrocêntricas e não-Ocidentais, holistas, da Ecologia Profunda e do feminismo ecológico. Assim, Warren (1993, p. 262), define o ecofeminismo como sendo "um nome para uma variedade de posições que torna visível os diferentes tipos de conexões mulher-natureza". A apresentação e caracterização introdutória de Warren (1993) nos permite agora explicitar e problematizar com mais detalhes algumas das principais correntes do ecofeminismo.

Conexões do Ecofeminismo com a Revolução Industrial e Cientifica
A historiadora Carolyn Merchant é autora do clássico ecofeminista The Death of Nature: Women, Ecology and the Scientific Revolution (A Morte da Natureza: Mulheres, Ecologia e Revolução Científica). Neste livro, Merchant (1990) explora as conexões entre a opressão promovida por uma ciência masculinista sobre as mulheres e a devastação ambiental. "Ao investigar as raízes de nosso atual dilema ambiental e suas conexões com a ciência, tecnologia e economia, nós precisamos reexaminar a formação de uma visão de mundo e uma ciência que, ao reconceitualizar a realidade como uma máquina ao invés de um organismo vivo, sancionou a dominação de ambos, mulheres e natureza" (MERCHANT In: WARREN, 1993, p. 269).

A imagem da terra como a Mãe que nos alimenta e provê as nossas necessidades serviu como um empecilho para a devastação durante muito tempo. Afinal, ninguém iria tentar arruinar ou fazer mal à própria Mãe. Até mais ou menos 1500, diz Merchant (1990), esta era a visão predominante da natureza. A partir de 1600, a Europa passou por uma intensa mecanização e gradualmente aquela imagem e espírito feminino começaram a desaparecer. A industrialização era inseparável de atividades como a mineração e o desflorestamento. Na mineração a metáfora de que a terra deveria ser "penetrada" tornou-se comum entre empreendedores e pensadores do período. Novas imagens de dominação surgiram. Aos poucos começa a desaparecer a imagem de natureza orgânica e aparecer em seu lugar a imagem da dominação tecnológica. Ocorreu, então, uma aceleração no impacto das atividades humanas no ambiente natural. Merchant (1990) observa que a ideologia da dominação industrial-científica sobre a natureza pode ser encontrada na arte, na literatura, na filosofia e na ciência do séc. XVI e XVII.

Antes disso, no entanto, "Não apenas a imagem da natureza como uma mãe que alimenta continha implicações éticas, mas, a própria estrutura orgânica, como um sistema conceitual, também carregava a ela um sistema de valor" (MERCHANT, 1990, p.5). Mas durante os séc. XVI e XVII a Europa promoveu uma desvalorização da imagem da unidade orgânica do cosmos e da sociedade. Podemos encontrar relatos e imagens da natureza orgânica antes da Revolução Científica masculinista, tanto nas culturas "tradicionais" como na filosofia Grega, Medieval e Renascentista. No Timeu de Platão, por exemplo, no séc. IV a.C., a totalidade do mundo era estruturada dentro de uma alma-animal "viva" Essa alma era fêmea e permeava a todos os seres do universo. Durante o Neoplatonismo Medieval no séc. XVII, diz Merchant (1990), o Timeu
foi interpretado junto com a Bíblia e a natureza foi comparada a uma parteira que traduzia as ideias (masculinas) em matéria e o que surgia desse parto era uma espécie de criança. Assim, tanto no Platonismo como no Neoplatonismo medieval, a natureza era feminina e estava subordinada a Deus e não ao homem.

O Neoplatonismo Renascentista dos séc. XV e XVI também cultivava a imagem do macrocosmo como sendo uma alma fêmea. No entanto, com os primeiros modos de produção capitalista, o impacto humano sobre as florestas cresceu.
Enquanto que a economia medieval tinha sido baseada em fontes renováveis de energia - madeira, água e vento- a emergente economia capitalista que estava se formando na maior parte da Europa ocidental foi baseada não apenas em fontes de energia não renováveis - carvão- mas em uma economia inorgânica  em seu núcleo - metais ferro: chumbo, prata, ouro, estanho e mercúrio — e o processo de refinação para os quais em última análise dependia da depleção das florestas (MERCHANT, 1990, p. 63).

Desse modo, argumenta Merchant (1990), os problemas ambientais não são novos, eles apenas estão em outro grau. A base da crise ecológica estaria situada na virada de uma cosmovisão orgânica e feminina da Europa pré-industrial para uma ciência masculinista — Francis Bacon e René Descartes entre outros. Bacon usava a linguagem dos tribunais da Inquisição, propondo que a natureza, tal como as mulheres condenadas, deveria ser "torturada" até que nos revelasse seus mais íntimos segredos. A estrutura orgânica e feminina do Cosmos foi substituída por Copérnico que colocou no lugar da Terra fêmea o Sol masculino como sendo o centro.

Mas Merchant (1990) destaca que ao final do séc. XVII surgirão várias reações ao mecanicismo masculino e dominante de Descartes, Gassendi, Hobbes e Boyle. Os críticos da ordem mecanicista eram em sua maioria vitalistas e reafirmavam a unidade da natureza. Entre eles/as encontrava-se Anne Conway para quem não havia a distinção Cartesiana entre espírito e corpo. Existia uma unidade orgânica entre os dois. Apesar de ter seu trabalho reconhecido por Leibniz, Anne Conway foi ignorada pela história da filosofia oficial. Baseando-se nisso Merchant (1990) nos pergunta se já não é hora de começarmos a reconhecer o trabalho e a contribuição de mulheres filósofas para o desenvolvimento cultural dos séc. XVII e XVIII e menciona os importantes nomes de Eletress de Hanover; sua filha Sophia Charlotte, rainha da Prússia; Caroline (1683 —1730) subsequente rainha da Grã-Bretanha; Damaris Mashan (1658 —1708) e Madame Gabrielle Émelie du Châtelet (1706 - 1749) que foi a principal expositora do sistema Leibniz. Essas mulheres em plena Revolução Científica dos séc. XVI, XVII e XVIII já se constituíam uma forte força de oposição aos rumos materialistas e mecanicistas que a filosofia e as ciências haviam tomado.

Outra filósofa ecofeminista que tem sido bem recebida pela crítica internacional em Ética Ambiental é a australiana VaI Plumwood, que recentemente publicou Feminism and Mastery of Nature (Feminismo e Dominação da Natureza) (1993a) e Environmental Culture: The ecological crises of reason (Cultura Ambiental: a crise ecológica da razão) (2002). Plumwood (1993) tem criticado o fato de grande parte das Éticas Ambientais atuais possuírem um viés masculino. A autora se define como uma ativista da floresta, uma caminhante do mato e uma sobrevivente de um ataque de crocodilo. Ela critica o fato de as filosofias ambientais ainda serem marcadamente formadas pela tradição racionalista que historicamente tem sido tanto contra a mulher como contra a natureza. Plumwood (1993) começa seu trabalho Nature, Self and Gender: Feminism, Environmental Philosophy and the Critique of Rationalism (Natureza, Self e Gênero: Feminismo, Filosofia Ambiental e Crítica do Racionalismo) com uma crítica à universalização da Ética Ambiental como sendo uma mera extensão da Ética humana universal. Ou seja, pega-se um princípio da Ética Humana e se aplica este princípio ao mundo natural.

Plumwood cita dois casos clássicos de extensionismo. 1) O primeiro é de Paul Taylor e seu livro Respect for Nature (Respeito pela Natureza). Taylor (1986) rejeita a tradição ocidental dominante que não considera o valor não-instrumental da natureza. Ele considera os seres vivos como centros teleológicos, centros de vida, defendendo um tipo de biocentrismo centrado na vida. Em sua teoria, o self humano inclui, também, uma natureza biológica. Por que esta Ética Ambiental é extensionista? Ela é extensionista pois se baseia numa Ética Kantiana estendida ao mundo natural. A razão pela qual Plumwood (1998) critica Taylor (1986) deve-se ao fato de ele utilizar a estrutura conceitual Kantiana que utiliza a dicotomia razão/emoção, que resulta na asserção de que a razão é superior, pois ela predomina na escolha do agente moral sobre o que é valoroso (plantas e animais). Dito de outro modo, é o ser humano, através da razão, quem define os fins e projetos que devem ser valorizados.

Taylor (1986) diz que se alguém cuida da natureza por afeição ou amor; isso não é respeito moral. Se alguém, por exemplo, cuida da natureza por gentileza para com ela, isso também não denota respeito moral, ou seja, os sentimentos são excluídos do biocentrismo de Paul Taylor. Ele vê o amor, a afeição e o cuidado como "inclinações" não racionais. Mais do que isso, diz Plumwood (1993a), essas "inclinações" são vistas como femininas e, portanto, não confiáveis e moralmente irrelevantes. Para Taylor (1986), uma Ética Biocêntrica fundada na razão Kantiana não permite "Inclinações", mas somente a legislação da Razão.

Assim, o problema principal da Ética Ambiental seria o fato de derivar seus princípios de uma noção masculinista de self. Todo projeto ambiental extensionista sofreria desse problema, diz Plumwood. O self das Éticas Ambientais extensionistas, na verdade, endossa o antropocentrismo da tradição Ocidental.

Outro exemplo de extensionismo e de racionalismo dado por Plumwood (1993a) é o da conhecida Ética Ambiental de Tom Regan. Em seu famoso livro The Case for Animal Rights (O Caso para os Direitos Animais), o conceito básico evocado por Regan (2004) para a defesa e o bem estar animal é o de "direitos". Este conceito é "estendido" da comunidade humana para os animais. Plumwood (1993) argumenta que o conceito de "direitos" para animais colapsa quando aplicado no contexto de predadores em um ecossistema. O conceito de direitos parece funcionar bem apenas para animais domésticos. E ainda mais, o conceito de direitos, diz Plumwood (1993), foi criado na esfera pública masculina do sujeito autónomo. Seria melhor para a proteção dos animais se usássemos conceitos como respeito, afinidade, cuidado, preocupação, compaixão, gratidão, amizade e responsabilidade. Estes conceitos fariam parte da esfera privada, vista sempre pelos homens como emocional e, portanto, periférica para as questões da esfera pública. Os conceitos da chamada esfera privada teriam muito mais chance de oferecer uma abordagem não-instrumental da natureza do que os da esfera pública.  Seria necessário abandonarmos o dualismo razão/emoção que caracteriza a tradição racionalista Ocidental.

Ecofeminismo, Ecologia Profunda e Racionalismo
Aparentemente a Ecologia Profunda (Deep Ecology) rompe com a corrente principal do dualismo que separa os humanos da natureza na tradição racionalista Cartesiana. A Ecologia Profunda oferece uma solução para esse problema em termos de uma "identificação" do self com a natureza. Uma das teses defendidas pela Ecologia Transpessoal é a da indistinção entre self e natureza. Em outro trabalho (GRON, 2005) eu argumento que esta tese pode levar à dissolução do self na natureza. Grimshaw apud Plumwood (1993), diz que para cuidar do outro eu tenho que me distinguir do outro. Eu alertaria ainda para a impossibilidade de uma política ambiental nessas condições de indistinção entre self e natureza. Tendo isso em vista, Plumwood (1993) defende uma abordagem do self relacional não-holístico. Ela acredita que essa abordagem do self tem mais a ver com uma filosofia feminista e é capaz de vencer a abordagem do viés egoísta liberal da tradição masculinista. Já a hipótese expansionista da Ecologia Profunda proposta por Ame Naess (1995) também não escapa de certos elementos racionalistas. Em Grün (2005) argumento que ao expandir o self ilimitadamente na natureza e até mesmo no Cosmos, a Ecologia Profunda acaba por "humanizar" o Cosmos, enquadrando-se, assim, na tradição racionalista antropocêntrica.

O australiano Warwick Fox (1993), no entanto, vê paralelos entre o ecofeminismo e a Ecologia Profunda e acredita que, em alguns sentidos, ambos têm uma plataforma comum. Ele começa enfatizando o caráter bio-igualitário dos humanos com as outras entidades da ecosfera, como, por exemplo, rios, paisagens e ecossistemas. O termo "vida" é empregado de maneira ampla. O igualitarismo tanto pode ser entendido como válido para as entidades vivas do planeta como ser estendido para entidades não vivas, como rochas.
O objetivo com isso é escapar de toda e qualquer forma de dominação humana. Ame Naess (1995) fala de um igualitarismo biocêntrico. Fox (1993) prefere o termo ecocêntrico, pois biocêntrico, devido ao prefixo bio, pode dar a entender que apenas entidades vivas são foco de atitudes igualitárias. Outra razão para usar o termo ecocentrismo é que esse termo é próximo de Oikos — lar. Fox (1993) acredita que outras formas de igualitarismo como os movimentos anti-racistas, anti-imperialistas e feministas podem partilhar de uma mesma agenda ecocêntrica para vencer o legado antropocêntrico. Mas sua proposta tem sido muito criticada por alguns ecofeministas de destaque como Jim Cheney (1993) que advoga que a compreensão entre homens e mulheres sobre a natureza é "essencialmente" diferente.

Seguindo uma outra linha, Plumwood (1993a) critica a Ecologia Profunda, nos seus primórdios, por esta eliminar a diferença. Baseando-se no famoso estudo de Gilligan (1982) In a Different Voice, diz que cada voz de cada mulher é única. Gilligan (1982) é uma das fundadoras da chamada Standpoint teoria (HARDING, 2004), ou seja, uma teoria feminista que depende do ponto de vista do ator social e, consequentemente, do lugar ocupado pela mulher na sociedade. Cada mulher tem uma voz que é única. Isso levou Callicott a desacreditar o ecofeminismo dizendo que trata-se de unia postura anti-teórica, "um projeto cacofônico de coleções de estórias baseadas no que ele supõe ser uma rejeição do "essencialismo masculinista" e de práticas como a construção de uma teoria" (CALLICOTT apud CUOMO, 1998, p.21).

Plumwood (1993a) contrariando Callicott sugere que os novos avanços pluralistas da filosofia da Ecologia Profunda trouxeram uma política de incorporação (não no sentido de absorver e eliminar) da diferença em sua abordagem igualitária. Os Ecologistas Profundos passaram a dizer que não há nenhum problema em reconhecer que os grandes opressores do mundo de hoje são homens, brancos, capitalistas e Ocidentais, mas seria necessário aliar essa crítica a uma crítica à ideologia humanocêntrica que estaria por trás de muitas outras formas de dominação.

Os Ecologistas Profundos problematizam tanto os humanos como o conceito de humanidade. Ambos são vistos como quase malignos em seu exacerbado antropocentrismo. Ao final de suas considerações, Plumwood (1993a) assegura que são possíveis abordagens conciliatórias entre aqueles grupos que lutam pela distribuição do poder na sociedade (feminismo, marxismo, antiracismo e anti-imperialismo) e a abordagem igualitária da Ecologia Profunda e sua crítica daquela que é considerada a legitimação "que tem habitualmente sido empregada por aqueles que são os maiores responsáveis pela dominação social e pela destruição ecológica" (PWMWOOD, 1993a, p.228).

Ecoferninsmo em urna voz diferente
A australiana Salleh (1993) também baseia seus argumentos no livro de Gilligan (1982) In a Different Voice (Em uma Voz Diferente) e diz que as "vozes diferentes" das mulheres são raramente ouvidas, mas que tais vozes em diferentes culturas apresentam modelos alternativos para uma Ética Ambiental. A autora parte de dados preocupantes, apontando o fato de que atualmente, apesar de representarem mais ou menos metade da população humana, as mulheres ocupam cerca de 65% da força de trabalho e recebem menos de 10% da renda global. Salleh (1993) diz que as análises ecofeministas do patriarcado é que tem revelado isso. Ela parte de iniciativas práticas para provar que as mulheres, em muitos lugares, principalmente no chamado Terceiro Mundo, têm se relacionado com a natureza com reciprocidade, ao passo que os homens brancos, capitalistas e ocidentais se "relacionam" através do controle.

Para provar sua tese, Salleh (1993) cita diversos programas ambientais das Nações Unidas e de Organizações Não-Governamentais (ONGs) que focalizam suas atenções nas mulheres como agentes frente aos desafios da sustentabilidade, mostrando como elas obtiveram sucesso em seus empreendimentos. Salleh (1993) cita, ainda, as inúmeras organizações internacionais que procuram dar voz às mulheres no enfrentamento das crises ambientais como a World Wide Women in Defense of Enuironment — Washington D.C., que procura superar os esquemas superficiais de desenvolvimento e dar voz àquelas que Gilligan (1982) considera portadoras de "urna voz diferente".

Ecofeminismo e Essencialismo
O ecofeminismo em muitas de suas vertentes defende que a mulher teria uma relação "mais natural" com o ambiente. Isso é particularmente percebido nos enfoques ecofeministas dados às mulheres do que Santos (2005) chama de Sul Globalizado. Essas tendências mais naturalizantes, muitas vezes, apregoam o desenvolvimento de uma certa espiritualidade na relação das mulheres com a natureza. As mulheres seriam portadoras de um caráter sagrado. Santos (2005) faz uma crítica dessas pretensões do ecofeminismo dizendo que trata-se muito mais de uma visão do Norte Imperial sobre o Sul do que uma característica das relações das mulheres com o ambiente no Sul Globalizado.

O estereótipo predominante nesse tipo de abordagem é o da mulher rural que é obrigada a caminhar longas distâncias em busca de água, lenha e outros recursos para assegurar a manutenção da sua casa. Essa abordagem, ao gerar apenas uma imagem essencialista das mulheres subalternizadas, torna invisível toda uma extensa franja de mulheres que, por exemplo, vivem em ambiente urbano ou perturbaria nos países do Terceiro Mundo" (SANTOS, 2005, p.51),
Para o autor, o ecofeminismo romantiza as mulheres do Sul em seu papel de guardiãs originais e naturais da natureza Essas críticas são realmente um alerta necessário. No entanto, Santos (2005) se equivoca ao afirmar que o ecofeminismo como um todo não articula diferenças de classe, étnicas, raciais e geográficas.

O ecofeminismo socialista igualitário dá conta perfeitamente de tematizar as diferenças de classe. O bioregionalismo ecofeminista articula as diferenças geográficas, Inclusive as diferenças entre o Norte e o Sul, denunciando o eurocentrismo. Já as diferenças étnicas e raciais são trabalhadas por Cuomo (1998) em Feminism and Ecological Communities: an ethic of flourishing (Feminismo e Comunidades Ecológicas: uma ética do florescer). Apesar de corretas, as críticas de Santos (2005) ainda vêem o ecofeminismo como um movimento homogêneo, coisa que como vimos, não ocorre. Além disso, ele esquece de citar as duas maiores expoentes do chamado ecofeminismo cultural: Karen Warren e Val Plumwood. O termo "cultural" é obviamente um eufemismo. Na verdade, aponta para o fato de serem críticas do caráter essencialista que acompanha muitas das posturas do ecofeminismo. Warren (1993) defende a narrativa como constitutiva do ecofeminismo, pois expressam atitudes que emergem em situações particulares e Plumwood (1993, 2002) defende o self-relacional.

Karen Warren: O poder e a promessa do ecofeminismo
O que conta como abordagem ecofeminista depende muito do contexto particular das vidas das mulheres. Warren (1993, p.435, ênfase da autora) diz que "uma estrutura conceitual opressiva é aquela que explica, justifica e mantém relações de dominação e subordinação". Ela argumenta que a estrutura conceitual opressiva mais importante é a "lógica da dominação". Warren (1993) diz que não existe nada particularmente errado com o pensamento hierárquico ou com o pensamento hierárquico sobre valores. O pensamento hierárquico pode ser muito útil para comparar dados e organizar materiais. Mas quando o pensamento hierárquico sobre valor ocorre dentro de uma estrutura conceitual opressiva ele se torna problemático, pois estabelece a inferioridade. Muitas vezes, a diferença é tratada em termos de superioridade. Vejamos com funciona o argumento de Warren (1993, p. 436): "Humanos são diferentes de plantas e rochas porque os humanos podem (e plantas e rochas não podem) conscientemente e radicalmente modificar as comunidades nas quais eles/elas vivem; humanos são similares a plantas e rochas no fato de serem ambos membros de uma comunidade ecológica". Aparentemente esse argumento não é opressor. Mas se adicionarmos a esse argumento mais duas conclusões, a configuração muda: 1) humanos são moralmente superiores a (pelo menos) alguns não-humanos; 2) e essa superioridade justifica a subordinação. Assim, a lógica da dominação se conclui. Essa lógica da dominação, diz Warren (1993), deveria estar no topo de uma agenda ecofeminista.

Na cultura Ocidental dominante as estruturas conceituais patriarcais têm advogado que o domínio do mental pertence aos homens, ao passo que o domínio da natureza seria identificado com a mulher. O argumento é dado em termos de diferença. Mas o pensamento hierárquico sobre o valor permite que Warren (1993) extraia mais conclusões: 1) O argumento estabelece o patriarcado. 2) A dominação sistemática das mulheres pelos homens é justificada. Muitos (as) ecofeministas têm afirmado que as premissas do argumento de que as mulheres podem ser identificadas com a natureza enquanto os homens se caracterizam pelo domínio mental e abstrato é falsa. Afinal, baseia-se em uma indevida sanção ética construída historicamente. Estas asserções de diferença são problemáticas porque "têm funcionado historicamente em uma estrutura conceituai patriarcal e cultural que sanciona a dominação da mulher e da natureza" (WARREN, 1993, p.437).

Esse argumento é denominado por muitos ecofeministas de dominação gêmea". Assim concebido, o ecofeminismo seria necessário a qualquer forma de feminismo, pois clarifica a lógica da dominação. A clarificação dessa lógica pode vir a construir uma noção mais significativa de diferença onde esta funcione como um movimento de solidariedade entre diferentes mulheres de diferentes raças, classes, idades, orientação afetiva etc. "Ecofeministas insistem que o tipo de lógica da dominação usada para justificar a dominação de humanos por gênero, raça ou etnia, ou status de classe é também usada para justificar a dominação da natureza" (WARREN, 1993, p. 438).

Tal como Plumwood (1993a, 2002), Warren (1993) defende um self-relacional e, por isso, defende, também, as narrativas éticas feministas na primeira pessoa, pois isso mostra que o eu está¬em-relação sempre. Esta condição, por sua vez, pode fazer com que emerjam narrativas éticas não-patriarcais. Cheney (1993) também defende o uso de narrativas éticas tanto no feminismo como no ecofeminismo. Para Cheney (1993) e Warren (1993) uma narrativa é ética quando não leva à dominação e à conquista, e sim coloca o eu-em-relação e não em subordinação. Warren (1993, p. 441) cita o caso de um alpinista que não escala a montanha para dominá-la, mas para estar-em-relação com as rochas. "Como alguém narra a experiência de escalar uma montanha e como este alguém a escala é algo que importa eticamente". O ecofeminismo é contra todas as formas de dominação: anti-sexista, anti-racista, anti-classista etc. O feminismo teria que acolher o feminismo ecológico, uma vez que a dominação da mulher está historicamente conectada com a dominação da natureza. É a chamada dominação gêmea. Para Warren (1993) um mundo mais desejável seria aquele onde a diferença não alimentasse mais a dominação, mas sim a diversidade.

Conexões do Ecofeminismo com trabalhadores e animais
Cuomo (1998) oferece uma crítica aos sistemas masculinistas de dominação e explora, também, ambientalismos não feministas. Ela menciona o exemplo de como a opressão de animais, principalmente fêmeas, reforça a opressão da mulher. Citando Gaard e Gruen (2003), Cuomo (1998, p. 19-20) observa que:

Com o objetivo de manter vacas leiteiras em um constante estado de lactação, elas precisam ficar grávidas anualmente. Após seu primeiro filhote ser tornado dela no nascimento, ela é ordenhada por máquinas duas vezes, em algumas ocasiões três vezes ao dia por dez meses. Após o terceiro mês ela será engravidada novamente. Ela vai dar à luz apenas seis ou oito semanas após secar o leite. Esse intenso ciclo de gravidez e superlactação pode durar cerca de cinco anos e então a vaca "gasta" é mandada para o abate.
Um terço das vacas leiteiras sofrem de mastitis, uma doença que infecta as mamas. A causa mais comum de mastitis são agentes patogênicos que resultam de sórdidas condições de moradia, particularmente por contaminação fecal... O resultado para a vaca é sangramento e dor aguda, particularmente durante a ordenha (que é sempre feita pela máquina).
Vacas leiteiras são sempre artificialmente inseminadas. De acordo com fazendeiros este método é mais rápido, mais eficiente e mais barato que manter touros. Com o uso de injeção de hormônios as vacas irão produzir dúzias de ovos a qualquer época. Após a inseminação artificial, os embriões serão descarregados no útero e transplantados para a mãe portadora através de incisões em seus flancos. O Hormônio do Crescimento Bovino (BGH) está sendo vendido como um revolucionário meio de aumentar a produção sem acréscimo nos custos de alimentação. As vacas estão produzindo mais leite do que seus corpos podem e mais do que a demanda do mercado. Com o advento da BGH, a já curta e dolorosa vida da vaca leiteira tornou-se ainda mais curta e dolorosa.

Assim, como podemos observar, as fazendas também são foco de atenção das ecofeministas, não só pelo que diz respeito às condições de vida dos animais, mas também às condições de trabalho de empregados, e nos trazem dados surpreendentes. Wright citado em Cuomo (1998), argumenta que de 80% a 90% dos empregados das fazendas dos Estados Unidos são latinos ou afrodescententes. A cada ano 313.000 trabalhadores adoecem devido à contaminação dos pesticidas e, geralmente, mulheres hispânicas mostram índices muito mais altos de pesticida em seu leite do que mulheres brancas. Além disso, Cuomo (1998) observa que os mais atingidos são justamente os trabalhadores mais pobres e não-brancos que não têm plano de saúde.

Ecofeminismo, justiça global e Educação Ambiental
Enquanto muitas pessoas estão conscientes da forte injustiça na distribuição da riqueza globalmente, poucos percebem sua magnitude — 85% da renda do mundo vai para 23% das pessoas. Com efeito, os países industrializados (o Norte) estão drenando os recursos do Terceiro Mundo (o Sul). Uma pessoa no Norte consome 52 vezes mais carne, 115 vezes mais papel e 35 vezes mais energia que um Latino-americano de acordo com Margarita Mas da Costa Rica. Com apenas 5% das pessoas do mundo, os Estados Unidos usam um terço dos recursos não renováveis do mundo e um quarto dos produtos do planeta; em média um cidadão dos Estados Unidos usa 300 vezes mais energia que um cidadão do Terceiro Mundo ( GAARD; GRUEN, 2003, p. 276).

As ecofeministas Greta Gaard e Lori Gruen (2003) observam que à primeira vista o quadro acima descrito e muitos outros em nossa conjuntura de injustiça interpessoal e internacional parecem não ter nada a ver com o ecofeminismo e a Educação Ambiental. Contudo, dizem as autoras, se for possível identificar práticas de subordinação das mulheres na conjuntura acima expressa, então, necessariamente, trata-se de um assunto feminista. O argumento básico das ecofeministas é de que as crianças, as mulheres e os negros são os primeiros a serem atingidos pela devastação ambiental.

Tecendo Conexões entre Educação Ambiental e justiça global
A maioria das socialistas feministas nos Estados Unidos tinha em sua agenda política no início dos anos de 1970 a opressão das mulheres não só pelo patriarcado, mas também pelo capitalismo (GAARD; GRUEN, 2003). As ecofeministas, por sua vez, estão desenvolvendo uma abordagem "multisistema". Essa abordagem trata das "interconexões entre as forças que operam para oprimir as mulheres e a natureza" (op. cit., 2003). Trata-se de um cruzamento de diversos campos de força que criam sistemas complexos de opressão. A injustiça global seria o resultado de ideologias que se reforçam mutuamente: racismo, sexismo, classismo, imperialismo etc. Para ilustrar melhor como operam esses campos de forças opressoras e como o ecofeminismo responde a esse complexo fenômeno, Gaard e Gruen (2003) citam o exemplo da criação intensiva de animais em um ambiente altamente regulado para extrair o máximo de lucro desses animais. Elas alertam: são diferentes teóricos com diferentes argumentos que não são necessariamente incompatíveis entre si. Por exemplo, o feminismo liberal argumentaria a partir da distinção Ocidental racional entre natureza e cultura, e sendo os animais pertencentes ao domínio do natural, elas não teriam nada a dizer.

No entanto, as feministas liberais se consideram indivíduos autônomos que podem escolher o que comer e isso poderia levá-las a uma luta por uma distribuição mais justa da proteína animal no mundo, apontando para as consequências que isso teria na vida das mulheres. As feministas socialistas focariam no caráter patriarcal e capitalista da exploração de animais até a exaustão. "Elas poderiam salientar, por exemplo, que nos estados Unidos, oito corporações responsáveis pela morte de 5.3 milhões de aves anualmente, controlam 50% do mercado de frangos". Argumentariam, ainda, que 95% dos trabalhadores de aviários são mulheres negras.
A maior parte dos teóricos ambientais não se preocupam muito com o fato de comer carne. São poucos em Ética Ambiental que defendem o vegetarianismo como solução para a crise ecológica, entretanto, uma variedade enorme de teóricos estão preocupados com os animais industrializados, entre eles vários biocentristas e holistas. Já uma análise com um enfoque vindo de um país do Sul poderia situar essa instituição — a fazenda-fábrica — no marco daquelas que contribuem para o superconsumo. Ainda na esteira de uma análise do Sul ou do chamado Terceiro Mundo poderia se estabelecer conexões com o Agrobussines, pesticidas e monoculturas em seus países. A perspectiva crítica do Animal liberation também pode ser útil para a análise ecofeminista "multisistemas". Para esses filósofos a exploração cruel dos animais é imoral. A falha em reconhecer essa imoralidade é denominada por Singer (1995) de especismo, ou seja, controle, exploração e preconceito de uma espécie — humana — sobre outra animal. Assim, na interseção dos diversos campos de força que analisam o fenômeno da industrialização dos animais, as ecofeministas expõem como a lógica da dominação sustenta essa instituição (fazenda-fábrica) e como isso afeta os animais, os trabalhadores e a natureza.

Como vimos, o ecofeminismo quer um mundo melhor. Mas como vai ser esse mundo depende das diversas vozes e experiências que dele participam. O ecofeminismo é inclusivo, flexível e reflexivo, seu enfoque é o da comunalidade de pontos de vista, respeitando as diferenças. É importante construir coalizões para lutar contra as mais diversas formas de opressão. "Nada menos que o futuro da terra e de todos seus habitantes pode depender de como efetivamente nós podemos trabalhar juntos para realizar a justiça global e a saúde planetária" (GAARD; GRUEN, 2003, p. 287).

Referências
CHENEY, Jim. Postmodern Environment Ethics: Ethics as Bioregional Narrative. In: OELSCHLAEGER, Max (Ed.). Postmodern Environmental Ethics. Albany: Suny Press, 1993.
CUOMO, Chris J. Feminism and Ecological Communities: an ethic of flourishing. New York: Routledge, 1998.
FOX, Warwick. The Deep Ecology-Ecofeminism Debate and Its Parallels. In: ZIMMERMAN, Michael E. et alli (Eds.). Environmental Philosophy: From Animal Rights to Radical Ecology. New Jersey: Prentice Hall, 1993.
GAARD, Greta; GRUEN, Lori. Ecofeminism:Toward Global Justice and Planetary Health. In: LIGHT, Andrew; ROLSTON Ill, Holmes (Eds.). Environmental Ethics: an anthology. Malden: Blackwell Publishers, 2003.
GILLIGAN, Carol. In a Different Voice. Cambridge: Harvard University Press, 1982.
GRUN, Mauro. O conceito de holismo em ética ambiental e educação ambiental. In:_SATO, Michele; CARVALHO, Isabel C.M. (Orgs.). Educação Ambiental: pesquisa e desafios. Porto Alegre: ARTMED, 2005.
HARDING, Sandra (Ed.). The Feminism Standpoint Theory Reader. New York: Routledge, 2004.
MERCHANT, Carolyn. The Death of Nature: Women, Ecology and the Scientific Revolution. New York: Harper Collins, 1990.
____ The Death of Nature. In: ZIMMERMAN, Michael E. et alli (Eds.).
Environmental Philosophy: From Animal Rights to Radical Ecology. New Jersey: Prentice Hall, 1993.
NAESS, Arne. Ecology, community and lifestyle. New York: Cambridge University Press, 1995.
PLUMWOOD, Val. Nature, Self, and Gender: Feminism, Environmental Philosophy, and the Critique of Rationalism. In: ZIMMERMAN, Michael E. et alli (Eds.). Environmental Philosophy: From Animal Rights to Radical Ecology. New Jersey: Prentice Hall, 1993.
_____ Feminism and the Mastery of Nature. New York: Routledge, 1993a.
_____ Environmental Culture: the ecological crisis of reason. New York: Routledge, 2002.
REAGAN, Tom. The Case for Animal Rights. Berkley: University of California Press, 2004.
RUETHER, Rosemary Radford. New Woman New Earth. Minneapólis: Seabury Press, 1975.
SALLEH, Mel. Working with Nature: Reciprocity or Control. In: ZIMMERMAN, Michael E. et al. (Eds.). Environmental Philosophy: From Animal Rights to Radical Ecology. New Jersey: Prentice Hall, 1993.
SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Semear Outras Soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
SINGER, Peter. Animal Liberation. London: Pimlico, 1995.
TAYLOR, Paul. Respect of Nature. Princeton: Princeton University Press, 1986.

WARREN, Karen J. The Power and the Promise of Ecological Feminism. In: ZIMMERMAN, Michael E. et alli (Eds.). Environmental Philosophy: From Animal Rights to Radical Ecology. New Jersey: Prentice Hall, 1993.

Ética, Universidade e Meio ambiente

on quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
“O objetivo da educação é promover a continuidade da vida humana” (Veit, 1993). 
Se o objetivo da educação é promover a continuidade da vida humana, o que poderíamos dizer sobre os meios e valores para alcançar este objetivo hoje, onde não só a vida humana, como vários outros tipos de vida estão ameaçados, todos eles com milhões de anos de história evolutiva ?

Essa pergunta se impõe no séc XXI e se apresenta como um dos principais desafios educacionais. Para o filósofo Holmes Rolston III (1992) “as pessoas, durante cujas vidas a sorte da Terra será amplamente decidida, pertencem à geração de estudantes em nossas Universidades hoje”. Assim, somos parte do problema e parte da solução.
Mauro Grün

Mauro Grün

Ao longo dos últimos vinte dois anos (1992-2014), tenho trabalhado com isso em mente. Meu trabalho inscreve-se na perspectiva de tentar romper com o processo de objetificação da natureza (tornar a natureza mero objeto da razão) iniciado e sustentado pela visão cartesiana.

Quase quatrocentos anos após o seu surgimento essa concepção da vida se apresenta como a concepção dominante em quase todas as Universidades do mundo. O gênio de Descartes se encontra entre nós com todo seu vigor.


Rene Descartes - (1596 - 1650)

O projeto cartesiano de ciência visa reduzir a diversidade das coisas à medida comum, a fim de possibilitar a relação entre elas, tornando-as comparáveis (Moura, 1987). A mathesis universalis é o método científico de alcance universal, seu procedimento é o de decomposição (análise) e síntese. Primeiramente deve-se dividir as partes do todo para em seguida realizar a operação inversa, como na equação do tipo


em que A, B e C são grandezas conhecidas e X uma incógnita a ser descoberta. Por esse procedimento chega-se a um novo conhecimento. Descartes procura um fundamento que seja único para todas as ciências. Em todos os ramos da ciência deve existir um modo específico de investigar os objetos.

Para tanto, ele vai realizar pesquisas no campo de estudos ao qual hoje chamamos "geometria analítica". Isso torna possível a Descartes a conversão de grandezas e propriedades geométricas em formas algébricas. Segundo este método, o quadrado de uma grandeza passa a ser a² e o cubo de uma grandeza a³. Este tipo de conversão abre a Descartes a possibilidade de relacionar as duas grandezas num mesmo sistema de cálculo e matematizar essas relações reduzindo-as a uma medida comum' (Moura, 1987). Este é o sonho de Descartes

Observemos que com isso tanto a grandeza que foi representada pelo quadrado como a que foi representada pelo cubo foram reduzidas a uma medida comum e calculável matematicamente. De certa forma, elas deixaram de ser o que eram e não evocam mais a figura do quadrado nem a do cubo. Elas tornaram-se apenas quantidades de grandezas diferentes. 

Descartes afirma que no dia 10 de Novembro de 1619, iluminado por Deus, sonhou com a possibilidade de reformar sozinho todo corpo das ciências. “Aquele dia ele descobriu as fundações de um maravilhoso sistema de pensamento”, diz o biógrafo Adrien Baillet em “La Vie de Monsieur Descartes”. Um trecho dessa obra traduzido para o inglês pode ser encontrado no Appendix do livro de John Cottingham “Descartes” (p.161).

Earth Summit Ethics

on terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Earth Summit Ethics:

Toward a Reconstructive Postmodern Philosophy of Environmental Education.
Callicott, B. and da Rocha. F.J. (eds)
Albany: SUNY Press, 1996
ISBN 0-7914-3054-5 (PR) $19.95. xii + 247pp.



Earth Summit Ethics:
Toward a Reconstructive Postmodern Philosophy of Environmental Education.
Callicott, B. and da Rocha. F.J. (eds)
Albany: SUNY Press, 1996
ISBN 0-7914-3054-5 (PR) $19.95. xii + 247pp.

Earth Summit Ethics is a book for those who believe in the greening of the curriculum tertiary education. However it is not a manual of practical suggestions. Rather it is contribution from environmental philosophers towards educational theory, particularly useful for those who believe that all education must comprise an environmental element. In this book Callicott and da Rocha bring together a series of lectures delivered in Brazil as a prelude to the Earth Summit 92, in Rio de Janeiro.

Jose Lutzenberger opens the discussion. The text of Brazil's leading environmentalist allows us into the mind of someone with vast experience in the area of environmental studies, both as a scientist and a theoretician, and as the Brazilian Minister for the Environment at the time the summit took place. Lutzenberger argues that what is to be found in today's universities is not science, for true science would always take into account the environment. And here I believe he is right. Lutzenberger applies his critique to almost all academic disciplines in his opinion most of these areas of study, including biology, are far from reflecting a genuine preoccupation with environmental issues. What understanding of the world, the natural world, can science have, with such a limited and specialized education?

So quite predictably, modern economic is almost  always abstract and has very little to do with reality (p. 36) He stresses that currently universities are not providing young people with the look they need to I at kit the monumental task that Iies before them (p. 42). Lutzenberger notes too that mans technocrats are now beginning to accept that the destruction of the Amazon is the result of a technical failure. Given their intellectual training, however, they will never admit that it is also a moral failure. And this constitutes the fulcrum of his reflection. More importantly, it is also the central tenet of environmental philosophy.

In “Benevolent Symbiosis”, J. Baird Callicott offers a summary of the most important North American, schools of environmental thought. On the one side we have a tradition born primarily as a reaction to European romanticism. There one encounters Ralph Waldo Emerson and Henry David Thoreau. In their footsteps Callicott places John Muir. According to Callicott “Muir reversed the moral poles of the historic puritan valuation of "wilderness", from negative to positive, and understood conservation to be equivalent to "wilderness" preservation” (p. 141). In the opposite camp Callicott places Gifford Pinchot, whose work articulates a utilitarian philosophy of conservation. His is a philosophy that “stands for development” and which maybe condensed into the following maxim: “the greatest good, of the greatest number, for the longest time”. After discussing these two philosophies - wilderness philosophy and utilitarian - Callicott proceeds to offer a third alternative which he posits as the result of a dialectical synthesis between the two former ones: Akio Leopold's philosophy of conservation.

For Callicott Leopold's harmony-of-people-with-nature philosophy of conservation transcends both Pinchot's and Muir's philosophies to the extent that it goes beyond the conceptual distinction between people and nature that both Pinchot and Muir uncritically perpetuate' (p 152). He concludes by suggesting that Leopold's philosophy of conservation offers a positive ideal of conservation practices.

In 'Earth Ethics: A Challenge to Liberal Educations, Holmes Rolston offers us a general view of his theory of value in the educational context. Commenting on how the notion of 'Rights' has served us so well in the exploration of issues relating to human dignity, he goes do to argue that it has failed totally in the analysis of issues dealing with the environment. Subsequently Rolston proposes that an environmental education be based on a theory of values. According to Rolston all our education systems - moral, philosophical and scientific-are rooted in a humanist school of thought he considers inadequate. Finally he argues that 'the challenge facing the world' s universities thus is to criticize those dimensions of culture that fragmented our harmony with nature, to envision alternative forms of culture that make possible the conservation of nature and the diverse social values that result froth such conservation' (p. 182).
In his essay Andrew Brennan asks why people, companies and governments, even when well intentioned have failed to offer any serious answers to the ecological problems faced by humanity. 'If I am right in my diagnosis, then universities and other educational institutions will have to look deep to find an adequate way forward for human society. For our problems are-to some extent - ones associated with puzzling features of human nature' (p. 95). Brennan describes an interesting aspect of these features. He cites the example of when one knows what’s good, when one wishes to be good or ensure that good is done, and yet one acts against what one knows and wishes to be good. Aristotle designated such behaviour 'incontinence'. For Brennan this constitutes a crucial aspect of any attempt at understanding why individuals, universities and corporations find it so difficult to act correctly when dealing with the environment.

He highlights 'self-deception' as an important feature found in the behaviour of individuals, universities and corporations and superficial analysis as central characteristic of much environmental literature, Especially Brennan shows                “how our rationality is liable to be clouded by other factors and to enlisted in the service of our attempts to hide unpleasant “aspects of our situation from ourselves” (p. 106)

In “Ethics, Politics, Science and the Environment” Catherine Larrere does little more than corroborate Michel Serres' arguments in his own tract, 'Natural Contract'. She is right to highlight certain Rousseauesque characteristics present in Environmental Philosophy: there is no transcendent nature that we can recover' (p. 117). But like Serres she too makes the misguided claim that nature is simply “a certain contemporary state of science” (p. 121).

Nicholas Sosa's “The Ethics of Dialogue and the Environment” begins with the recognition that we need `to revise and reinterpret the scope of traditional moral theories'. He endorses the adoption of an eclectic model. “Practical reasoning, after all, could be reconstructed incorporating both teloi (ends) and deonta (duties) within it' (p. 53). He  believes that an ethic of a dialogue with Nature would provide the conditions necessary for such a process. In this search for a solution Sosa engages the help of two philosophers, J. Rawls and J. Habermas, offering of the latter' s work especially a rather dubious interpretation.

Lemons's article deals with the practical questions involved in the adoption of programmes of environmental education. He speaks of the need to disseminate environmental education throughout the whole academic curriculum. Suggesting as a starting point the development and implementation of a mandatory standardised national certification given by the National Association of Environmental Professionals (NAEP). A note of caution is needed here. As Lemons himself emphasises, a number of crucial questions will need to be addressed before any such implementation is made desirable.

Questions such as:
a) Who decides what is and who is an environmental professional?
b) How can the recognition of such education qualifications be negotiated by various interest groups?
c) To what extent will mandatory certification and accreditation require a shift in emphasis of subjectmatter? (p. 213).

I am doubtful about the implications of his proposal it’s a reductionistic one and would need to be carefully examined. I think Lemons ignores some of the political and epistemological problems involved in his proposal.

In 'What Can Universities and Professional Schools Do to Save the Environment'. Peter Madsen poses the following question: Are universities and professional schools - Business, law, engineering. etc. - obliged, morally, to promote an awareness of environmental issues,' His reply, in the affirmative, is then developed in two stages. Firstly he argues that 'Such in obligation devolves from the very nature of institutions of higher education noting that the raison d'être, that is, of the university, is to educate people and to conduct research always that are useful in realizing societal values' (P 76) Secondly, he argues I hat, given their privileged position, these institutions are under the obligation to create and foster a climate of environmental awareness. He concludes by arguing the very nature of the university and the principle of beneficence form the ethical basis of this obligation' (p. 90)

In conclusion, I would argue that Callicott's and da Rocha's Earth Summit Ethics is a weightly research tool for all those who concur with Madsen. Earth Summit Ethics adds its voice to that of C. H. Bowers and all others who have struggled to build a bridgebetween environment of philosophy and education: unfortunately two areas that remain apart.

Mauro Grün
The University of Western Australia




PORTO ALEGRE DECLARATION ON UNIVERSITY,  ETHICS AND ENVIRONMENT
The Universities of the World have produced and are guardians of the knowledge by which human beings have gained their star­tling powers both for the development and for the degrading of the earth. Their mission is to transmit and develop this knowledge from generation to generation for the benefit of all. The universi­ties are now encouraged to re-examine this role to ensure an edu­cation that fosters a sustainable community of life on earth, with appropriate respect for human rights and for the non-human com­munities of life. The 21st century university ought both to bridge and to blend the sciences and humanities to an integrated whole.
To speak effectively on environmental issues, the university should aban­don the dogma that science deals with a domain of objective facts and the humanities with a domain of subjective values. Scientific inquiry is directed by our values and the revelations of science often inform, expand, and transform our values in unexpected ways.

The universities of the world have a particular opportunity to be transnational and international. Ideas flow easily across national boundaries even when the exchange of resources or the movement of people is limited or difficult. The universities ought to take full advantage of their opportunities for the global dissemination of knowledge relevant to the solution of environmental problems.

The environmental crisis can only be solved at a global level, by making appeal to the many disciplines which contribute to our knowledge of the problem: biology as well as economics, philoso­phy as well as geography, law as well as agronomy. Solutions are obstructed by the separation of disciplines characteristic of our universities. The separation is twofold: first, each discipline is focused on its own special subject matter; and, second, this is reinforced by the institutional division of disciplines into separate departments. The universities must overcome this fragmentation in order to be effective in their environmental mission.

An important task of universities is to promote the value of soli­darity. This includes solidarity between developed and develop­ing nations, present and future generations and also between humans and other forms of life with which we share earth's bounty of genetic biodiversity. Such solidarity should encompass the vital processes of the earth's ecosystems, along with its geo­physical support systems.

Universities, in recognition of their accumulated power, wealth, and influence should be aware of the consequences of their financial and institutional operations on the environment and become positive role models. They should carefully monitor their use of resources and recycle and renew them. In their busi­ness practices they should only make investments in environmen­tally responsible companies, transferring current holdings from any that are not.

Divisive national policies are impotent in the face of multiple global environmental threats and are presently incapable of pro­viding effective solutions at an integrated global level. The earth's ecological integrity transcends national boundaries and is already recognized as a basic goal of environmental policy. Environmental policy makers will best achieve their integrated goals by making full use of the diverse multi-disciplinary resources available within the universities.

The formulation of appropriate treaties and conventions to maintain global ecological integrity is a primary aim of the United Nations Conference on Environment and Development in Rio de Janeiro. We encourage universities to make their resources avail­able for implementing this aim.

Porto Alegre, May 29, 1992


Declaração de Porto Alegre sobre Universidade, Ética e Meio Ambiente

As universidades de todo mundo produziram e são guardiãs do conhecimento pelo qual os seres humanos atingiram seu surpreendente poder para o desenvolvimento e para a degradação da terra. Sua missão é transmitir e desenvolver este conhecimento de geração a geração para o benefício de todos. As universidades são hoje encorajadas a re-examinar este papel para assegurar uma educação que alicerce uma comunidade de vida sustentável sobre a terra, com o respeito apropriado pelos direitos humanos e pelas comunidades de vida não humanas.

A universidade do século XXI deve estabelecer uma ponte entre as ciências e as humanidades e, ao mesmo tempo, unifica-las em um todo integrado. Para falar de forma eficiente sobre questões ambientais, a universidade era abandonar o dogma de que a ciência trata de um domínio de fatos objetivos e as humanidades de um domínio de valores subjetivos. O questionamento cientifico e direcionado por nossos valores e as revelações da ciência muitas vezes informam, expandem e transformam nossos valores de forma inesperada.

As universidades de todo o mundo tem hoje uma oportunidade particular de ser transnacionais e internacionais. As ideias transitam facilmente por entre as fronteiras nacionais mesmo quando a troca de recursos ou o movimento das pessoas é limitado ou difícil. As universidades devem tirar pleno proveito de sues oportunidades para a difusão global do conhecimento relevante à solução dos problemas ambientais.

A crise ambiental pode ser resolvida somente à nível global, recorrendo às muitas disciplinas que contribuem para o nosso conhecimento do problema: tanto a biologia quanto a economia, tanto a filosofia quanto a geografia, tanto o direito quanto a agronomia. A separação das disciplinas que caracterizam nossas universi­dades prejudica as soluções. A separação é dupla: primeiro, cada disciplina con­centra-se exclusivamente na sua própria temática; e isto, por sua vez, é reforçado pela divisão institucional das disciplinas em departamentos separados. As universi­dades devem superar esta fragmentação a fim de serem eficientes na sua missão ambiental.

É tarefa importante das universidades promover o valor da solidariedade. Isto inclui solidariedade entre nações desenvolvidas e nações em desenvolvimento, ge­rações presentes e futuras e também entre seres humanos e outras formas de vida com as quais nós compartilhamos da abundância terrestre de biodiversidade ge­nética. Tal solidariedade deve abranger os processos vitais dos ecossistemas terres­tres, juntamente com seus sistemas de apoio geofísicos.

As universidades, em reconhecimento ao seu poder, riqueza e influência acu­mulados devem estar conscientes das consequências das suas operações financeiras e institucionais sobre o meio ambiente e tomarem-se modelos de atuação positivos. Elas devem monitorar cuidadosamente seu uso de recursos, reciclando-os e reno­vando-os. Nas suas práticas empresariais elas devem fazer investimentos somente em companhias ambientalmente responsáveis, retirando suas atuais participações daquelas que não o sejam.

Políticas nacionais divisionistas são impotentes face às múltiplas e globais ameaças ambientais e são presentemente incapazes de fornecer soluções efetivas à um nível global integrado. A integridade ecológica da terra transcende as fronteiras nacionais sendo já reconhecida como um objetivo básico da política ambiental. Aqueles que planejam tal política obterão de forma mais fácil seus objetivos integrados fazendo pleno uso dos diversos recursos multidisciplinares disponíveis dentro das universidades.

A formulação de tratados e convenções apropriados para a manutenção da integridade ecológica global é o objetivo principal da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro. Nós encorajamos as universidades a colocar seus recursos à disposição para implementação desse ob­jetivo.
Porto Alegre, 29 de Maio de 1992.
Esta declaração foi elaborada ao final do Seminário Internacional sobre Uni­versidade, Ética e Meio Ambiente, realizado na Universidade Federal do Rio Gran­de do Sul, Porto Alegre, em maio de 1992.




Dr. Holmes Rolston III
(Coordenador da Declaração) University of Cobrado - E.U.A.

Dr. Fernando J. da Rocha (Coordenador do Seminário)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - RS - Brasil

Dr. Tüiskon Dick
Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil

Dr. Andrew Brennan
University of Western Australia - Austrália

Dr. Catherine Larrére
Université de Paris - França

Dr. J. Baird Callicott
University of Wisconsin - E.U.A.

Dr. Laura Westra
University of Windsor - Canadá

Dr. Nicolás M. Sosa
Universidad de Salamanca - Espanha

Dr. Peter Madsen
University Carnegie Mellon - E.U.A