on segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
Natureza e Gênero
Mauro Grün

A natureza tem gênero? A nossa relação com a natureza passa por questões de gênero? Sim, responde o filósofo Mauro Grün.

A seguir algumas considerações sobre questões de gênero em nossa relação com a natureza:


              Em Francis Bacon encontramos um discurso que era abertamente contra as mulheres, ou que pelo menos as deixava em uma posição subserviente. "Bacon desenvolveu o poder de uma linguagem como instrumento político, reduzindo a natureza fêmea a um recurso para a produção econômica" (Merchant 1989, p. 165). Aliás, a comparação entre mulheres e Natureza como algo que deveria ser dominado é um tema frequente nos escritos de Bacon. A descrição da Natureza como se fosse uma bruxa na Inquisição a ser torturada para que nos contasse seus mais íntimos segredos é uma constante que permeia toda a obra do filósofo. Ele transformou a noção de uma Natureza-mãe, útero da vida, em uma fonte de segredos a serem extraídos pelo poder econômico. Podemos dizer que a filosofia de Francis Bacon não se constituía em um pensamento sofisticado se comparado ao que outros filósofos produziam no mesmo período, mas o fato crucial é que Bacon era uma pessoa muito importante na época, além de membro ilustre da Royal Society - a nata do pensamento científico inglês.

A busca pela objetividade representa uma mudança marcante de um cosmo organicista feminino para um mecanicista masculino. Merchant (1989) denomina isso de "Morte da Natureza". Vários escritores apontaram desde então a tendência masculinista no período entre 1550 e 1650. Bordo (1987) chega até a denominar o período de "século ginecófobo" e assinala que Brian Easlea, Barbara Ehrencheich, Deidre English e Adrienne Rich estão entre os que endossam essa visão do século XVII como central para uma mudança no equilíbrio entre os elementos masculinos e femininos da sociedade. De modo semelhante, Fox Keller (1985) desafiou a nuança masculina da noção de modernidade, enquanto Sandra Harding (1984) definiu a ciência moderna como a "epítome da masculinização do pensamento". Nas palavras de Bordo (1987, p. 108):

(...) um novo mundo é reconstruído, um mundo em que toda a geratividade e criatividade dirigem-se ao bem, o pai espiritual, em vez da "carne" feminina do mundo. Com o mesmo golpe de mestre - a oposição mútua do espiritual e do corpóreo — a terra anteriormente feminina torna-se matéria inerte e a objetividade da ciência é garantida.

Era Gadamer de fato tão ingênuo a ponto de permanecer desatento ao fato de certas perspectivas de uma tradição terem funções ideológicas que frequentemente são intrínsecas à manutenção do status quo? É necessária aqui mais discussão. Gadamer não endossa a noção de preconceito como tal. Ele simplesmente argumenta que nossa compreensão produz um número de preconceitos, asserção esta que se demonstra de diferentes modos. Só é preciso considerar um exemplo do próprio Habermas para explicar melhor essa questão: a posição das mulheres nas sociedades contemporâneas. Segundo Habermas, a hermenêutica filosófica de Gadamer não permite o desenvolvimento de uma postura crítica em relação ao papel e ao lugar das mulheres nas sociedades contemporâneas. Gadamer é conservador. A hermenêutica filosófica contribui para o continuísmo da iniquidade entre os sexos, uma vez que não há saída da "situação hermenêutica". Gadamer, no entanto, opta por formular a interpretação como ação. Desse modo, referindo-se especificamente à possibilidade de uma crítica feminista da hermenêutica, Warnke (1994, p. 114) declara:

A estrutura do poder hierárquico que está por detrás dos pontos de vista sobre o devido papel das mulheres não é uma estrutura inacessível à exposição através da linguagem. Na verdade, segundo o ponto de vista de Gadamer, falar sobre a estrutura do poder hierárquico já é interpretar e, portanto, agir de modo hermenêutico.

Para Gadamer (1983), o fato de nossa compreensão ser sempre inexoravelmente instruída pelo preconceito não implica que ela aja em defesa do status quo. A autoridade cognitiva da tradição não está simetricamente relacionada a sua autoridade política. O processo de compreensão da estrutura do preconceito pode levar em última análise a um reconhecimento da autoridade. Desse modo, uma postura "conservadora" pode em si oferecer a vantagem de expor aquilo que poderia de outra maneira permanecer oculto. A autoridade • da tradição precisa ser reavaliada em relação direta à própria tradição.

Desse modo, mesmo que discordemos dos pontos de vista tradicionais das necessidades e interesses das mulheres, minha compreensão desses pontos de vista envolve uma espécie de mediação formal com eles na medida em que chego a um acordo com eles e incorporo minhas diferenças com eles em meu próprio autoconhecimento. (Warnke 1994, p. 137)

É nesse contexto que quero argumentar que não parecem plausíveis as asserções de Habermas que se referem à impossibilidade de uma hermenêutica fazer críticas. Deve ser observado, no entanto, que, para compreender como é possível uma crítica vinda de dentro de uma "situação hermenêutica", é necessário estar ciente da relação entre a tradição e a auto compreensão humana.

Trecho de meu livro “Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental” ( Ed. Papirus )


A Ética da Terra

on segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

“Atualmente diz Reed, perdemos um precioso senso da nossa insignificância, e a natureza pode ajudar a nos lembrar desse elemento” ( Grün, 2007).



(...) Perdemos um precioso senso de nossa insignificância diante da vastidão infinita do cosmos (...)
Não se trata da insignificância das pessoas. As pessoas são importantes. É sim, a nossa insignificância diante da natureza, da terra em sua jornada de formação desde os tempos imemoriáveis antes da presença da vida no planeta. ( Grün, 2009).


Ética Ambiental

O escopo da ética, dizem Light e Rolston (2003), é bem mais amplo que o da lei e diz respeito àquilo que é errado ou imoral, seja legal ou não. A ética ambiental disserta ou prescreve em que situações é imoral ou errado explorar, usar, dominar ou destruir a Natureza. Também se ocupa de quais as maneiras eticamente corretas de conservar, restaurar e estabelecer relações com a Natureza e com o mundo não-humano em geral.

Ética da Terra
por Mauro Grün
Holmes Rolston III é um dos mais influentes filósofos ambientais do valor intrínseco da Natureza. Ele se queixa que a Natureza tem sido tratada quase exclusivamente como um recurso natural e afirma que uma Educação Ambiental deveria nos ajudar a valorizar uma Natureza não consumida. A mudança radical ocorreria quando as pessoas, governos e empresas parassem de valorizar tanto os recursos e passassem a admirar mais "a Natureza em seus próprios termos" e não a perturbassem nem a desvalorizassem tanto.
Isso não quer dizer que uma pequena parte da Natureza não possa ser transformada em recurso, mas teríamos de aprender a não valorizar somente os recursos e sim toda uma parte da Natureza que aparentemente não tem valor. Nós valorizamos apenas aquilo que processamos - madeira, água represada, minérios, etc, deixando de lado o valor intrínseco da Natureza. A nossa civilização Ocidental parece ser capaz de conferir apenas valor instrumental à Natureza, valor de uso e de negociação. Simplesmente, não concebemos que uma enorme área da Natureza pode não servir ao mero interesse utilitário da maioria dos seres humanos. Para Rolston (1993), a afirmação "tudo é recurso" encontra paralelo na sentença "todo mundo é egoísta". As ações das pessoas estão baseadas no interesse c no benefício próprio.
“Nosso lugar no mundo natural necessita de relações com recursos, mas então chegamos num ponto em que queremos saber como nós pertencemos a este mundo, e não como o mundo pertence a nós. Nós queremos ter nossos self definidos em relação à Natureza, e não simplesmente definir a Natureza em relação a nós" (ROLSTON, 1993, p.57).

Se quisermos vencer "o paradigma da natureza-como-mero-recurso-natural nós precisaremos de uma teoria do valor mais abrangente, uma teoria não-antropocêntrica" (idem, p.64). Para Rolston (1993), as pessoas contam, mas não tanto que nada mais conte. Rolston (1996) dá o exemplo de uma árvore. Árvores não têm vida subjetiva ou razão e são sistemas automantidos que se sustentam, se reproduzem e tentam executar os seus programas. A árvore tem um telos e busca cumpri-lo na realização de suas funções projetivas. Quando ferimos uma árvore, ela tenta, de todas as maneiras que lhe são possíveis, se regenerar. Ela está sempre procurando um estado de valor. Todo organismo possui o bem-de-sua-classe e a ela defende como uma classe boa. De modo semelhante, Rolston estende essa argumentação do Valor em si dos organismos, animais superiores e inferiores, para espécies e ecossistemas e, finalmente, para a Terra como um todo (GRÜN, 1994).
Recentemente, Rolston (2003) surpreendeu a comunidade internacional de ambientalistas, educadores e filósofos ambientais ao afirmar que, quando ocorresse um antagonismo radical entre Salvar a Natureza ou Alimentar as pessoas, deveríamos deixar que as pessoas morressem, pois a diversidade de lugares como a floresta Amazônica e Madagascar não poderia ser sacrificada. O texto provocou grande polêmica. Em Grün (1298), respondi a Rolston, dizendo que é preciso, antes de mais nada, reverter o processo de desorganização socioambiental da Amazônia. E a "reversão do processo de desorganização socioambiental da Amazônia só pode ser alcançada por meio de promoção de dinâmicas sócio-políticas [sic] que se anteponham às práticas técnicas e econômicas responsáveis pela predação" (ACSEBRAD apud GRIS, 1998). A dicotomia de Rolston (2003), Pessoas Famintas versus Natureza, não dá conta disso.

A Ética da Terra
Callicott (1989, 1993) é outro dos mais influentes filósofos ambientais. Ele desenvolve sua Ética da Terra principalmente a partir do conservacionista e guarda florestal Aldo Leopold e seu livro A Sand County Almanac and Sketches Here and There, mas também utilizando os trabalhos de Charles Darwin, David Hume e Adam Smith. A Ética da Terra de Leopold tem encontrado muitos seguidores, mas também muitos críticos, como John Passmore, Jim McCloskey e Robin Attfield. Callicott (1993) se defende dizendo que a ética da terra de Leopold, na qual se baseia para formular a sua própria ética, tem sido mal interpretada como uma ética nobre, porém muito ingênua. Além disso, o próprio Callicott (1993) reconhece que ela não é familiar e soa radical demais. No entanto, complementa o autor, trata-se de uma teoria moral revolucionária. Uma das críticas à ética da terra de Leopold é que o mundo está ruim demais para aceitar a nossa participação ética na natureza. Callicott (1993) se defende dizendo que a moralidade não é descritiva, e sim prescritiva ou normativa. Além do mais, nunca a nossa história (ocidental) apresentou tantos e diversos movimentos que têm argumentado em uma base moral: direitos humanos, feminismo, animal liberation, que são uma espécie de extensão da ética. Essa extensão é vista por Leopold. (1987) como uma evolução ecológica. Callicott (1993) argumenta que Darwin já via o fenômeno ético como evolucionário e Hume e Adam Smith, por sua vez, acreditavam que a ética estava ligada aos sentimentos. As sementes da ética da terra de Leopold estão em Darwin e parecem  começar por um sentimento que talvez seja comum a todos os mamíferos - sentimento de união e até afetividade entre pais e sua prole.

Essas relações de "sentimentos sociais", diz Darwin, acabam se tornando mais difusas e se disseminam por populações formando comunidades e tornando esta comunidade e seus membros mais resistentes. A leitura que Aldo Leopold faz de Darwin permite que ele estabeleça o protoprincípio de sua ética da terra: o de que a ética tem sua origem remota na tendência de indivíduos interdependentes ou grupos evoluírem por meio da cooperação. Para Leopold (1987), toda e qualquer ética se baseia no princípio de que o indivíduo é um membro de uma comunidade de partes interdependentes. Essa é a gênese da ética da terra de Aldo Leopold (CALLICOTT, 1993). Leopold (1987) considera "ética, sociedade e comunidade" como  quase sinônimos. Mais tarde, ele vai desenvolver isso em termos de modo de pertença de um indivíduo à terra. Evidentemente, trata-se de uma postura ecocêntrica que se pretende radical. Esse sentimento de pertença pode também ser encontrado em muitas pessoas que, por exemplo, advogam que todos os membros da espécie humana (como membros da humanidade, uma comunidade) têm direitos fundamentais independente de raça, credo, etnia, sexo ou origem nacional. Mas de acordo com Leopold (1987) a ética humana universal incompleta, falta a noção de comunidade e, por extensão, a de terra.
Falta à ética universal humana um modo de pertença dos humanos a algo maior que eles/elas e que deveriam aprender a respeitar. "A ética da terra simplesmente alarga os laços da comunidade para incluir solos, águas, plantas e animais, ou coletivamente: a terra" (LEOPOLD apud CALLICOTT, 1993, p.389). Ou seja, para Leopold, a terra é uma comunidade. ( ) conceito de comunidade biótica foi desenvolvido por Charles Elton nos anos de 1920. "A chave para a emergência de uma ética da terra é, simplesmente, educação ambiental universal" (CALLICOTT, 1993, p.389). O conceito de comunidade visa integrar socialmente as entidades não-humanas com as humanas.

Callicott (1993) acredita que a teoria Copernicana também pode ilustrar nossa situação de comunidade no espaço sideral. A Terra é vista hoje apenas como um pequeno planeta rodeado por um universo imenso e hostil e isso pode reforçar nossa noção de comunidade. Goodpaster, citado em Callicott (1993), diz que Leopold conseguiu estabelecer a considerabilidade moral não apenas para os membros da comunidade biótica, mas da comunidade biótica propriamente. Afinal, Leopold diz claramente que homo sapiens deve abandonar seu papel de conquistador da terra e tornar-se um membro e cidadão da comunidade-terra e, mediante essa pertença, Leopold (1987) estabelece a máxima moral da ética da terra: "uma coisa é correta quando tende a preservar a integridade, estabilidade e beleza de uma comunidade biótica. Está errada quando tenta o contrário" (citado em CALLICOTT, 1993). Há também um componente estético no modo de pertença do humano à comunidade biótica. A sensibilidade moral, embora seja resultado da evolução, não é determinada por ela. A sensibilidade ou os sentimentos morais são fruto da ecologia, seguindo o modelo de comunidade de Charles Elton. A ideia de ecossistema de Tansley também se revelou um conceito muito fértil para a ética da terra. Poderíamos ser levados aqui a pensar na teoria Gaia; no entanto, Leopold abandona a ideia de modelo-organismo ou superorganismo, ficando com o conceito de comunidade. Para Tansley, "a energia solar se transmite através de um circuito chamado biota". Defender essa integridade da complexa estrutura da terra é tarefa moral de todos os membros da comunidade. A ética da terra não partilha dos pressupostos do racionalismo Ocidental, mas dos sentimentos morais de Hume e Darwin: amor, respeito, obrigação e admiração.

As éticas ambientais de Routley (2003), Naess (1995), Rolston (1993,1996) e Callicott (1989, 1993), que apregoam o valor intrínseco da Natureza, têm muitas diferenças entre si nas suas formulações e aplicações. Mas têm também muitos pontos convergentes, como, por exemplo, a crítica ao valor instrumental da Natureza. Essa crítica, quando vista pelo diversificado prisma da Educação Ambiental, adquire múltiplas facetas. A principal, a meu ver, é a crítica à racionalidade econômica dominante. O racionalismo econômico ou neoliberalismo se torna impraticável em uma política ambiental que enfatize o valor intrínseco da Natureza. Afinal, não podemos considerar a Natureza como mero recurso natural.

Quando fizermos isso, estaremos apenas defendendo as condições de produção do novo capitalismo e a felicidade humana de muito poucos. Esse é um dos equívocos centrais de algumas posturas de Desenvolvimento Sustentado, conceito este que, por sua vez, também é redefinido quando pensamos em valor intrínseco. Por meio de valores intrínsecos da Natureza, que não podem ser simplesmente comprados ou meramente instrumentalizados, a Educação Ambiental é redimensionada em sua capacidade de trabalhar com valores. Outro insight das éticas ambientais é de que os valores intrínsecos da Natureza podem ser úteis à Educação Ambiental também na crítica do ecofeminismo às relações patriarcais estabelecidas pelo domínio dos homens, brancos e capitalistas sobre a Natureza.

Salleh (1993), por exemplo, acredita que as "relações" que o patriarcado estabelece com a Natureza são de controle, ao passo que as mulheres historicamente teriam uma postura de reciprocidade. Plumwood (1993) faz unia contextualização cultural de Salleh (1993). Ela argumenta que a tradição racionalista e masculinista Ocidental dominante não valorizou moralmente conceitos como respeito, afinidade, cuidado, preocupação, compaixão, gratidão e amizade, conceitos estes que pertenciam à esfera privada da mulher, e não ao reino universal da razão legisladora.

Pluralismo
Nos anos de 1990, assistimos ao nascimento de mais um prestigiado periódico de ética ambiental, o Environmental Valise, na Inglaterra. Nessa época, as éticas ambientais chegaram a um tal grau de diversificação que muitos teóricos começaram a se perguntar se apenas uma ética e um determinado conjunto de princípios seriam suficientes para desencadear uma Educação Ambiental e dar conta da complexidade das questões ambientais. Surgiram, então, os pluralistas morais - Christopher D. Stone, Andrew Brennan, Peter Wenz. Mas logo após, em 1994, Callicott se definiu como Monista e disse que uma ética ambiental Monista poderia também ser sensível à complexidade dos problemas ambientais sem cair na promiscuidade moral dos pluralistas. Callicott (2003) argumenta que nada impede que ambientalistas, educadores e teóricos mal intencionados simplesmente troquem de teoria para teoria com intuito de receber benefícios pessoais.

Em Earth and Other Ethics: the case for moral pluralismo (A Terra e Outras Éticas: o caso para o pluralismo moral) e The Case of Moral Pluralism in the Course of Environmental Ethic (O Caso do Pluralismo Moral no Curso da Ética Ambiental), Stone (1987, 2003) defende o pluralismo moral e pergunta se realmente deveríamos adotar princípios morais invariantes para fazer o campo da ética ambiental progredir. Na verdade, o debate entre Monismo e Pluralismo Moral parece ter se revelado um locus privilegiado para a discussão sobre qual o papel da metaética no campo mais amplo da moral. Para Stone (2003), está claro que a metaética ortodoxa tem um "senso de missão". "É amplamente presumido, por implicação quando não é tornado explícito, que a tarefa da ética é promover e defender um único princípio (ou um corpo coerente de princípios) (...)" (STONE, 2003, p. 195). Um ponto de vista correto que nos guiasse em direção a uma solução correta.

Mas o autor adverte que os ambientalistas e educadores (as) têm boas razões para suspeitar do Monismo, pois enfrentam sempre uma variedade de situações muito complexas para que sejam analisadas a partir de uma matriz ética única. Uma matriz ética Monista pode funcionar bem quando aplicada às relações entre pessoas, ou seja, uma ética intra-humana, como dizia Routley (2003). Seria uma ética do tipo "deves respeitar as outras pessoas", uma ética facilmente generalizável. Mas ela colapsa quando entidades mais exóticas são analisadas moralmente, como, por exemplo, a consideração moral pelas futuras gerações, embriões, animais, árvores, robôs, montanhas e obras de arte.
Stone (2003) argumenta que, em geral, o 'que acontece nesses casos é uma extensão da ética intra-humana para entidades não-humanas. No entanto, esses argumentos parecem "forçar" a considerabilidade moral simplesmente colocando entidades não-humanas no lugar de pessoas. A pergunta que se coloca é: Pode uma moralidade operar por intermédio de uma diversidade de entidades não-humanas?

Precisamos nós de um único conjunto de princípios abstratos generalizáveis a todo mundo não-humano? O próprio Stone (2003) responde dizendo que as "ambições do Monismo de unificar toda ética dentro de uma estrutura capaz de afirmar uma resposta correta para todos os nossos dilemas são simplesmente quixotescas" (p.196). A moralidade envolve distintas atividades e uma variedade de coisas e o Pluralismo Moral dá conta disso, nos convidando a escolher diferentes estruturas conceituais. Steen, citado em Stone (2003), comenta que mesmo a matemática sofreu um processo de pluralização desde Gödel e onde urna vez havia a geometria, hoje encontramos geometrias, onde havia álgebra, temos álgebras.

A ética tem como seu objetivo escolher a ação certa. Enquanto o Monismo Moral escolhe uma ação correta sempre sob a égide dos mesmos princípios, o Pluralismo Moral analisa qual pode ser a ação ética coerente por muitos ângulos possíveis. Stone (2003) não poupa os monistas e sugere que os que preferem uma única avaliação moral são "moralistas". Comparar alternativas é algo lógico. Tomemos como exemplo um caso clássico da literatura em ética ambiental: o de um búfalo se afogando em um rio de um Parque Nacional. Deveríamos salvá-lo ou deixar que a Natureza tome seu curso? Um dos pontos de vista favorece o animal. Mas há ainda a considerabilidade moral que favorece o ecossistema do parque e outra ainda que favorece a espécie. Isso provoca uma constelação de conceitos. A análise moral do animal leva em conta: dor, inteligência, compreensão da situação, ao passo que o foco no ecossistema considera moralmente a estabilidade, resistência, singularidade e fluxo de energia. São n variáveis a serem levadas em conta na análise moral. Não existe uma única solução. Nós estamos sempre atravessando fronteiras morais de um domínio para o outro; dos animais para organismos vivos, destes para ecossistemas e espécies e ainda destes para a Terra ou a biodiversidade, grupos culturais, gerações futuras, povos indígenas, aquecimento global, etc. Em Educação Ambiental, o Pluralismo Moral pode ser útil no sentido de saber o que estamos valorizando e avaliando, protegendo ou criticando em cada caso.

Já o Monista J.Baird Callicott (2003) se defende das acusações de Stone (2003) dizendo que o Pluralismo leva qualquer teoria ética a um ponto de ruptura e assim somos deixados com apenas duas alternativas: o cinismo moral ou o pluralismo moral. Callicott (2003) não adere a nenhum desses dois caminhos e diz que atualmente existe um número impressionante de teorias éticas bem fundamentadas capazes de ser suficientemente inclusivas para abrigar várias preocupações de cunho ético. Callicott (2003) cita sua própria teoria, o altruísmo presente em Hume e Darwin, para advogar que uma teoria inclusiva é possível. Também faz menção à Ética da Terra de Rolston (1996) e à Ecosofia T. de Arne Naess (1995) como exemplos de teorias que dão conta da diversidade, dos contextos e da variedade de problemas socioambientais.

Callicott (2003) critica o Pluralismo Moral ilustrando como ele seria em nossas vidas diárias. O pluralismo moral nos convidaria a ter uma atitude moral com os amigos, outra com os vizinhos, outra como cidadãos, outra para ajudar nosso filho no dever de casa, ainda outra para com as futuras gerações, outra para as nossas relações com o mundo animal não-humano, outra para as plantas, outra para Gaia e assim ad infinitum. Isso levaria à promiscuidade moral. Ao invés disso, argumenta Callicott (2003), teríamos de insistir nas possibilidades oferecidas por uma abrangente metaética. Essa ética teria que dar conta não só das relações humanas, mas também das relações humanas com as entidades naturais não-humanas e com a Terra como um todo. Uma ética desse tipo fornece possibilidades para a Educação Ambiental compreender os problemas socioambientais de um modo holístico e integrado, não fragmentado como o Pluralismo Moral.

Ética de Parceria com a Natureza
Quando alguém se engaja em um diálogo com a natureza, esse engajamento é determinado não pela vontade individual, mas pela lei da temática em questão. O mesmo ocorre quando o diálogo entre duas pessoas é genuíno. O conhecimento não é determinado pela vontade individual de cada parceiro ou parceira, mas sim pela lei da matéria em questão. Em um mundo incrivelmente técnico é difícil falar em "respeito" pelas coisas. Mas as coisas não são simples material para ser usado e como diz Gadamer, parafraseando Heidegger. No entanto, temos que cuidar o nosso respeito pelas coisas não se constitua em um apelo à metafísica mesmo. Ou seja, contra à unidimensionalidade do Cartesianismo e do Neo poderia surgir um apelo à unidimensionalidade do ser-em-si-mesmo. A solução para esse paradoxo é o caminho para a linguagem. 

Sobre a importância da linguagem ver essa postagem aqui

Gadamer (1976) considera equivocada a pergunta pela natureza das coisas e diz que seria melhor parar de fazer essa pergunta substituí-la por uma pergunta pela "linguagem das coisas" que nós queremos ouvir,  no modo como as coisas trazem a si mesmas para a linguagem.

A linguagem é fundamental para compreender a nossa relação com a natureza. Através da linguagem podemos compreender que não estamos fora na natureza, como apregoava Descartes. Tampouco  estamos totalmente imersos na natureza como implicam algumas leituras da Ecologia Profunda. Uma compreensão  hermenêutica nos leva a perceber o que poderia ser uma relação ecológica entre seres humanos e natureza. Seria uma relação na qual nós participamos na natureza e a natureza participa em nós. Esse tipo de compreensão nos permite estabelecer  "Tecnologias de Aliança" com a natureza para nos aproximarmos dela e ao mesmo tempo, manter sua outridade sempre respeitada. E nesse tipo de encontro saímos ambos modificados, nós e a natureza.


Ao longo dos últimos 300 anos, a Natureza foi transformada em mero objeto de manipulação à disposição da razão humana. A visão das paisagens e dos lugares de modo mecânico e sem vida levaram a uma completa separação entre seres humanos e meio ambiente. Atento a esses problemas, Mauro Grün desenvolve nesta obra uma ética de parceria com a Natureza em educação ambiental, uma simbiose na qual os elementos se combinam num regime de co-participação e integração.