on segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
Natureza e Gênero
Mauro Grün

A natureza tem gênero? A nossa relação com a natureza passa por questões de gênero? Sim, responde o filósofo Mauro Grün.

A seguir algumas considerações sobre questões de gênero em nossa relação com a natureza:


              Em Francis Bacon encontramos um discurso que era abertamente contra as mulheres, ou que pelo menos as deixava em uma posição subserviente. "Bacon desenvolveu o poder de uma linguagem como instrumento político, reduzindo a natureza fêmea a um recurso para a produção econômica" (Merchant 1989, p. 165). Aliás, a comparação entre mulheres e Natureza como algo que deveria ser dominado é um tema frequente nos escritos de Bacon. A descrição da Natureza como se fosse uma bruxa na Inquisição a ser torturada para que nos contasse seus mais íntimos segredos é uma constante que permeia toda a obra do filósofo. Ele transformou a noção de uma Natureza-mãe, útero da vida, em uma fonte de segredos a serem extraídos pelo poder econômico. Podemos dizer que a filosofia de Francis Bacon não se constituía em um pensamento sofisticado se comparado ao que outros filósofos produziam no mesmo período, mas o fato crucial é que Bacon era uma pessoa muito importante na época, além de membro ilustre da Royal Society - a nata do pensamento científico inglês.

A busca pela objetividade representa uma mudança marcante de um cosmo organicista feminino para um mecanicista masculino. Merchant (1989) denomina isso de "Morte da Natureza". Vários escritores apontaram desde então a tendência masculinista no período entre 1550 e 1650. Bordo (1987) chega até a denominar o período de "século ginecófobo" e assinala que Brian Easlea, Barbara Ehrencheich, Deidre English e Adrienne Rich estão entre os que endossam essa visão do século XVII como central para uma mudança no equilíbrio entre os elementos masculinos e femininos da sociedade. De modo semelhante, Fox Keller (1985) desafiou a nuança masculina da noção de modernidade, enquanto Sandra Harding (1984) definiu a ciência moderna como a "epítome da masculinização do pensamento". Nas palavras de Bordo (1987, p. 108):

(...) um novo mundo é reconstruído, um mundo em que toda a geratividade e criatividade dirigem-se ao bem, o pai espiritual, em vez da "carne" feminina do mundo. Com o mesmo golpe de mestre - a oposição mútua do espiritual e do corpóreo — a terra anteriormente feminina torna-se matéria inerte e a objetividade da ciência é garantida.

Era Gadamer de fato tão ingênuo a ponto de permanecer desatento ao fato de certas perspectivas de uma tradição terem funções ideológicas que frequentemente são intrínsecas à manutenção do status quo? É necessária aqui mais discussão. Gadamer não endossa a noção de preconceito como tal. Ele simplesmente argumenta que nossa compreensão produz um número de preconceitos, asserção esta que se demonstra de diferentes modos. Só é preciso considerar um exemplo do próprio Habermas para explicar melhor essa questão: a posição das mulheres nas sociedades contemporâneas. Segundo Habermas, a hermenêutica filosófica de Gadamer não permite o desenvolvimento de uma postura crítica em relação ao papel e ao lugar das mulheres nas sociedades contemporâneas. Gadamer é conservador. A hermenêutica filosófica contribui para o continuísmo da iniquidade entre os sexos, uma vez que não há saída da "situação hermenêutica". Gadamer, no entanto, opta por formular a interpretação como ação. Desse modo, referindo-se especificamente à possibilidade de uma crítica feminista da hermenêutica, Warnke (1994, p. 114) declara:

A estrutura do poder hierárquico que está por detrás dos pontos de vista sobre o devido papel das mulheres não é uma estrutura inacessível à exposição através da linguagem. Na verdade, segundo o ponto de vista de Gadamer, falar sobre a estrutura do poder hierárquico já é interpretar e, portanto, agir de modo hermenêutico.

Para Gadamer (1983), o fato de nossa compreensão ser sempre inexoravelmente instruída pelo preconceito não implica que ela aja em defesa do status quo. A autoridade cognitiva da tradição não está simetricamente relacionada a sua autoridade política. O processo de compreensão da estrutura do preconceito pode levar em última análise a um reconhecimento da autoridade. Desse modo, uma postura "conservadora" pode em si oferecer a vantagem de expor aquilo que poderia de outra maneira permanecer oculto. A autoridade • da tradição precisa ser reavaliada em relação direta à própria tradição.

Desse modo, mesmo que discordemos dos pontos de vista tradicionais das necessidades e interesses das mulheres, minha compreensão desses pontos de vista envolve uma espécie de mediação formal com eles na medida em que chego a um acordo com eles e incorporo minhas diferenças com eles em meu próprio autoconhecimento. (Warnke 1994, p. 137)

É nesse contexto que quero argumentar que não parecem plausíveis as asserções de Habermas que se referem à impossibilidade de uma hermenêutica fazer críticas. Deve ser observado, no entanto, que, para compreender como é possível uma crítica vinda de dentro de uma "situação hermenêutica", é necessário estar ciente da relação entre a tradição e a auto compreensão humana.

Trecho de meu livro “Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental” ( Ed. Papirus )


A Ética da Terra

on segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

“Atualmente diz Reed, perdemos um precioso senso da nossa insignificância, e a natureza pode ajudar a nos lembrar desse elemento” ( Grün, 2007).



(...) Perdemos um precioso senso de nossa insignificância diante da vastidão infinita do cosmos (...)
Não se trata da insignificância das pessoas. As pessoas são importantes. É sim, a nossa insignificância diante da natureza, da terra em sua jornada de formação desde os tempos imemoriáveis antes da presença da vida no planeta. ( Grün, 2009).


Ética Ambiental

O escopo da ética, dizem Light e Rolston (2003), é bem mais amplo que o da lei e diz respeito àquilo que é errado ou imoral, seja legal ou não. A ética ambiental disserta ou prescreve em que situações é imoral ou errado explorar, usar, dominar ou destruir a Natureza. Também se ocupa de quais as maneiras eticamente corretas de conservar, restaurar e estabelecer relações com a Natureza e com o mundo não-humano em geral.

Ética da Terra
por Mauro Grün
Holmes Rolston III é um dos mais influentes filósofos ambientais do valor intrínseco da Natureza. Ele se queixa que a Natureza tem sido tratada quase exclusivamente como um recurso natural e afirma que uma Educação Ambiental deveria nos ajudar a valorizar uma Natureza não consumida. A mudança radical ocorreria quando as pessoas, governos e empresas parassem de valorizar tanto os recursos e passassem a admirar mais "a Natureza em seus próprios termos" e não a perturbassem nem a desvalorizassem tanto.
Isso não quer dizer que uma pequena parte da Natureza não possa ser transformada em recurso, mas teríamos de aprender a não valorizar somente os recursos e sim toda uma parte da Natureza que aparentemente não tem valor. Nós valorizamos apenas aquilo que processamos - madeira, água represada, minérios, etc, deixando de lado o valor intrínseco da Natureza. A nossa civilização Ocidental parece ser capaz de conferir apenas valor instrumental à Natureza, valor de uso e de negociação. Simplesmente, não concebemos que uma enorme área da Natureza pode não servir ao mero interesse utilitário da maioria dos seres humanos. Para Rolston (1993), a afirmação "tudo é recurso" encontra paralelo na sentença "todo mundo é egoísta". As ações das pessoas estão baseadas no interesse c no benefício próprio.
“Nosso lugar no mundo natural necessita de relações com recursos, mas então chegamos num ponto em que queremos saber como nós pertencemos a este mundo, e não como o mundo pertence a nós. Nós queremos ter nossos self definidos em relação à Natureza, e não simplesmente definir a Natureza em relação a nós" (ROLSTON, 1993, p.57).

Se quisermos vencer "o paradigma da natureza-como-mero-recurso-natural nós precisaremos de uma teoria do valor mais abrangente, uma teoria não-antropocêntrica" (idem, p.64). Para Rolston (1993), as pessoas contam, mas não tanto que nada mais conte. Rolston (1996) dá o exemplo de uma árvore. Árvores não têm vida subjetiva ou razão e são sistemas automantidos que se sustentam, se reproduzem e tentam executar os seus programas. A árvore tem um telos e busca cumpri-lo na realização de suas funções projetivas. Quando ferimos uma árvore, ela tenta, de todas as maneiras que lhe são possíveis, se regenerar. Ela está sempre procurando um estado de valor. Todo organismo possui o bem-de-sua-classe e a ela defende como uma classe boa. De modo semelhante, Rolston estende essa argumentação do Valor em si dos organismos, animais superiores e inferiores, para espécies e ecossistemas e, finalmente, para a Terra como um todo (GRÜN, 1994).
Recentemente, Rolston (2003) surpreendeu a comunidade internacional de ambientalistas, educadores e filósofos ambientais ao afirmar que, quando ocorresse um antagonismo radical entre Salvar a Natureza ou Alimentar as pessoas, deveríamos deixar que as pessoas morressem, pois a diversidade de lugares como a floresta Amazônica e Madagascar não poderia ser sacrificada. O texto provocou grande polêmica. Em Grün (1298), respondi a Rolston, dizendo que é preciso, antes de mais nada, reverter o processo de desorganização socioambiental da Amazônia. E a "reversão do processo de desorganização socioambiental da Amazônia só pode ser alcançada por meio de promoção de dinâmicas sócio-políticas [sic] que se anteponham às práticas técnicas e econômicas responsáveis pela predação" (ACSEBRAD apud GRIS, 1998). A dicotomia de Rolston (2003), Pessoas Famintas versus Natureza, não dá conta disso.

A Ética da Terra
Callicott (1989, 1993) é outro dos mais influentes filósofos ambientais. Ele desenvolve sua Ética da Terra principalmente a partir do conservacionista e guarda florestal Aldo Leopold e seu livro A Sand County Almanac and Sketches Here and There, mas também utilizando os trabalhos de Charles Darwin, David Hume e Adam Smith. A Ética da Terra de Leopold tem encontrado muitos seguidores, mas também muitos críticos, como John Passmore, Jim McCloskey e Robin Attfield. Callicott (1993) se defende dizendo que a ética da terra de Leopold, na qual se baseia para formular a sua própria ética, tem sido mal interpretada como uma ética nobre, porém muito ingênua. Além disso, o próprio Callicott (1993) reconhece que ela não é familiar e soa radical demais. No entanto, complementa o autor, trata-se de uma teoria moral revolucionária. Uma das críticas à ética da terra de Leopold é que o mundo está ruim demais para aceitar a nossa participação ética na natureza. Callicott (1993) se defende dizendo que a moralidade não é descritiva, e sim prescritiva ou normativa. Além do mais, nunca a nossa história (ocidental) apresentou tantos e diversos movimentos que têm argumentado em uma base moral: direitos humanos, feminismo, animal liberation, que são uma espécie de extensão da ética. Essa extensão é vista por Leopold. (1987) como uma evolução ecológica. Callicott (1993) argumenta que Darwin já via o fenômeno ético como evolucionário e Hume e Adam Smith, por sua vez, acreditavam que a ética estava ligada aos sentimentos. As sementes da ética da terra de Leopold estão em Darwin e parecem  começar por um sentimento que talvez seja comum a todos os mamíferos - sentimento de união e até afetividade entre pais e sua prole.

Essas relações de "sentimentos sociais", diz Darwin, acabam se tornando mais difusas e se disseminam por populações formando comunidades e tornando esta comunidade e seus membros mais resistentes. A leitura que Aldo Leopold faz de Darwin permite que ele estabeleça o protoprincípio de sua ética da terra: o de que a ética tem sua origem remota na tendência de indivíduos interdependentes ou grupos evoluírem por meio da cooperação. Para Leopold (1987), toda e qualquer ética se baseia no princípio de que o indivíduo é um membro de uma comunidade de partes interdependentes. Essa é a gênese da ética da terra de Aldo Leopold (CALLICOTT, 1993). Leopold (1987) considera "ética, sociedade e comunidade" como  quase sinônimos. Mais tarde, ele vai desenvolver isso em termos de modo de pertença de um indivíduo à terra. Evidentemente, trata-se de uma postura ecocêntrica que se pretende radical. Esse sentimento de pertença pode também ser encontrado em muitas pessoas que, por exemplo, advogam que todos os membros da espécie humana (como membros da humanidade, uma comunidade) têm direitos fundamentais independente de raça, credo, etnia, sexo ou origem nacional. Mas de acordo com Leopold (1987) a ética humana universal incompleta, falta a noção de comunidade e, por extensão, a de terra.
Falta à ética universal humana um modo de pertença dos humanos a algo maior que eles/elas e que deveriam aprender a respeitar. "A ética da terra simplesmente alarga os laços da comunidade para incluir solos, águas, plantas e animais, ou coletivamente: a terra" (LEOPOLD apud CALLICOTT, 1993, p.389). Ou seja, para Leopold, a terra é uma comunidade. ( ) conceito de comunidade biótica foi desenvolvido por Charles Elton nos anos de 1920. "A chave para a emergência de uma ética da terra é, simplesmente, educação ambiental universal" (CALLICOTT, 1993, p.389). O conceito de comunidade visa integrar socialmente as entidades não-humanas com as humanas.

Callicott (1993) acredita que a teoria Copernicana também pode ilustrar nossa situação de comunidade no espaço sideral. A Terra é vista hoje apenas como um pequeno planeta rodeado por um universo imenso e hostil e isso pode reforçar nossa noção de comunidade. Goodpaster, citado em Callicott (1993), diz que Leopold conseguiu estabelecer a considerabilidade moral não apenas para os membros da comunidade biótica, mas da comunidade biótica propriamente. Afinal, Leopold diz claramente que homo sapiens deve abandonar seu papel de conquistador da terra e tornar-se um membro e cidadão da comunidade-terra e, mediante essa pertença, Leopold (1987) estabelece a máxima moral da ética da terra: "uma coisa é correta quando tende a preservar a integridade, estabilidade e beleza de uma comunidade biótica. Está errada quando tenta o contrário" (citado em CALLICOTT, 1993). Há também um componente estético no modo de pertença do humano à comunidade biótica. A sensibilidade moral, embora seja resultado da evolução, não é determinada por ela. A sensibilidade ou os sentimentos morais são fruto da ecologia, seguindo o modelo de comunidade de Charles Elton. A ideia de ecossistema de Tansley também se revelou um conceito muito fértil para a ética da terra. Poderíamos ser levados aqui a pensar na teoria Gaia; no entanto, Leopold abandona a ideia de modelo-organismo ou superorganismo, ficando com o conceito de comunidade. Para Tansley, "a energia solar se transmite através de um circuito chamado biota". Defender essa integridade da complexa estrutura da terra é tarefa moral de todos os membros da comunidade. A ética da terra não partilha dos pressupostos do racionalismo Ocidental, mas dos sentimentos morais de Hume e Darwin: amor, respeito, obrigação e admiração.

As éticas ambientais de Routley (2003), Naess (1995), Rolston (1993,1996) e Callicott (1989, 1993), que apregoam o valor intrínseco da Natureza, têm muitas diferenças entre si nas suas formulações e aplicações. Mas têm também muitos pontos convergentes, como, por exemplo, a crítica ao valor instrumental da Natureza. Essa crítica, quando vista pelo diversificado prisma da Educação Ambiental, adquire múltiplas facetas. A principal, a meu ver, é a crítica à racionalidade econômica dominante. O racionalismo econômico ou neoliberalismo se torna impraticável em uma política ambiental que enfatize o valor intrínseco da Natureza. Afinal, não podemos considerar a Natureza como mero recurso natural.

Quando fizermos isso, estaremos apenas defendendo as condições de produção do novo capitalismo e a felicidade humana de muito poucos. Esse é um dos equívocos centrais de algumas posturas de Desenvolvimento Sustentado, conceito este que, por sua vez, também é redefinido quando pensamos em valor intrínseco. Por meio de valores intrínsecos da Natureza, que não podem ser simplesmente comprados ou meramente instrumentalizados, a Educação Ambiental é redimensionada em sua capacidade de trabalhar com valores. Outro insight das éticas ambientais é de que os valores intrínsecos da Natureza podem ser úteis à Educação Ambiental também na crítica do ecofeminismo às relações patriarcais estabelecidas pelo domínio dos homens, brancos e capitalistas sobre a Natureza.

Salleh (1993), por exemplo, acredita que as "relações" que o patriarcado estabelece com a Natureza são de controle, ao passo que as mulheres historicamente teriam uma postura de reciprocidade. Plumwood (1993) faz unia contextualização cultural de Salleh (1993). Ela argumenta que a tradição racionalista e masculinista Ocidental dominante não valorizou moralmente conceitos como respeito, afinidade, cuidado, preocupação, compaixão, gratidão e amizade, conceitos estes que pertenciam à esfera privada da mulher, e não ao reino universal da razão legisladora.

Pluralismo
Nos anos de 1990, assistimos ao nascimento de mais um prestigiado periódico de ética ambiental, o Environmental Valise, na Inglaterra. Nessa época, as éticas ambientais chegaram a um tal grau de diversificação que muitos teóricos começaram a se perguntar se apenas uma ética e um determinado conjunto de princípios seriam suficientes para desencadear uma Educação Ambiental e dar conta da complexidade das questões ambientais. Surgiram, então, os pluralistas morais - Christopher D. Stone, Andrew Brennan, Peter Wenz. Mas logo após, em 1994, Callicott se definiu como Monista e disse que uma ética ambiental Monista poderia também ser sensível à complexidade dos problemas ambientais sem cair na promiscuidade moral dos pluralistas. Callicott (2003) argumenta que nada impede que ambientalistas, educadores e teóricos mal intencionados simplesmente troquem de teoria para teoria com intuito de receber benefícios pessoais.

Em Earth and Other Ethics: the case for moral pluralismo (A Terra e Outras Éticas: o caso para o pluralismo moral) e The Case of Moral Pluralism in the Course of Environmental Ethic (O Caso do Pluralismo Moral no Curso da Ética Ambiental), Stone (1987, 2003) defende o pluralismo moral e pergunta se realmente deveríamos adotar princípios morais invariantes para fazer o campo da ética ambiental progredir. Na verdade, o debate entre Monismo e Pluralismo Moral parece ter se revelado um locus privilegiado para a discussão sobre qual o papel da metaética no campo mais amplo da moral. Para Stone (2003), está claro que a metaética ortodoxa tem um "senso de missão". "É amplamente presumido, por implicação quando não é tornado explícito, que a tarefa da ética é promover e defender um único princípio (ou um corpo coerente de princípios) (...)" (STONE, 2003, p. 195). Um ponto de vista correto que nos guiasse em direção a uma solução correta.

Mas o autor adverte que os ambientalistas e educadores (as) têm boas razões para suspeitar do Monismo, pois enfrentam sempre uma variedade de situações muito complexas para que sejam analisadas a partir de uma matriz ética única. Uma matriz ética Monista pode funcionar bem quando aplicada às relações entre pessoas, ou seja, uma ética intra-humana, como dizia Routley (2003). Seria uma ética do tipo "deves respeitar as outras pessoas", uma ética facilmente generalizável. Mas ela colapsa quando entidades mais exóticas são analisadas moralmente, como, por exemplo, a consideração moral pelas futuras gerações, embriões, animais, árvores, robôs, montanhas e obras de arte.
Stone (2003) argumenta que, em geral, o 'que acontece nesses casos é uma extensão da ética intra-humana para entidades não-humanas. No entanto, esses argumentos parecem "forçar" a considerabilidade moral simplesmente colocando entidades não-humanas no lugar de pessoas. A pergunta que se coloca é: Pode uma moralidade operar por intermédio de uma diversidade de entidades não-humanas?

Precisamos nós de um único conjunto de princípios abstratos generalizáveis a todo mundo não-humano? O próprio Stone (2003) responde dizendo que as "ambições do Monismo de unificar toda ética dentro de uma estrutura capaz de afirmar uma resposta correta para todos os nossos dilemas são simplesmente quixotescas" (p.196). A moralidade envolve distintas atividades e uma variedade de coisas e o Pluralismo Moral dá conta disso, nos convidando a escolher diferentes estruturas conceituais. Steen, citado em Stone (2003), comenta que mesmo a matemática sofreu um processo de pluralização desde Gödel e onde urna vez havia a geometria, hoje encontramos geometrias, onde havia álgebra, temos álgebras.

A ética tem como seu objetivo escolher a ação certa. Enquanto o Monismo Moral escolhe uma ação correta sempre sob a égide dos mesmos princípios, o Pluralismo Moral analisa qual pode ser a ação ética coerente por muitos ângulos possíveis. Stone (2003) não poupa os monistas e sugere que os que preferem uma única avaliação moral são "moralistas". Comparar alternativas é algo lógico. Tomemos como exemplo um caso clássico da literatura em ética ambiental: o de um búfalo se afogando em um rio de um Parque Nacional. Deveríamos salvá-lo ou deixar que a Natureza tome seu curso? Um dos pontos de vista favorece o animal. Mas há ainda a considerabilidade moral que favorece o ecossistema do parque e outra ainda que favorece a espécie. Isso provoca uma constelação de conceitos. A análise moral do animal leva em conta: dor, inteligência, compreensão da situação, ao passo que o foco no ecossistema considera moralmente a estabilidade, resistência, singularidade e fluxo de energia. São n variáveis a serem levadas em conta na análise moral. Não existe uma única solução. Nós estamos sempre atravessando fronteiras morais de um domínio para o outro; dos animais para organismos vivos, destes para ecossistemas e espécies e ainda destes para a Terra ou a biodiversidade, grupos culturais, gerações futuras, povos indígenas, aquecimento global, etc. Em Educação Ambiental, o Pluralismo Moral pode ser útil no sentido de saber o que estamos valorizando e avaliando, protegendo ou criticando em cada caso.

Já o Monista J.Baird Callicott (2003) se defende das acusações de Stone (2003) dizendo que o Pluralismo leva qualquer teoria ética a um ponto de ruptura e assim somos deixados com apenas duas alternativas: o cinismo moral ou o pluralismo moral. Callicott (2003) não adere a nenhum desses dois caminhos e diz que atualmente existe um número impressionante de teorias éticas bem fundamentadas capazes de ser suficientemente inclusivas para abrigar várias preocupações de cunho ético. Callicott (2003) cita sua própria teoria, o altruísmo presente em Hume e Darwin, para advogar que uma teoria inclusiva é possível. Também faz menção à Ética da Terra de Rolston (1996) e à Ecosofia T. de Arne Naess (1995) como exemplos de teorias que dão conta da diversidade, dos contextos e da variedade de problemas socioambientais.

Callicott (2003) critica o Pluralismo Moral ilustrando como ele seria em nossas vidas diárias. O pluralismo moral nos convidaria a ter uma atitude moral com os amigos, outra com os vizinhos, outra como cidadãos, outra para ajudar nosso filho no dever de casa, ainda outra para com as futuras gerações, outra para as nossas relações com o mundo animal não-humano, outra para as plantas, outra para Gaia e assim ad infinitum. Isso levaria à promiscuidade moral. Ao invés disso, argumenta Callicott (2003), teríamos de insistir nas possibilidades oferecidas por uma abrangente metaética. Essa ética teria que dar conta não só das relações humanas, mas também das relações humanas com as entidades naturais não-humanas e com a Terra como um todo. Uma ética desse tipo fornece possibilidades para a Educação Ambiental compreender os problemas socioambientais de um modo holístico e integrado, não fragmentado como o Pluralismo Moral.

Ética de Parceria com a Natureza
Quando alguém se engaja em um diálogo com a natureza, esse engajamento é determinado não pela vontade individual, mas pela lei da temática em questão. O mesmo ocorre quando o diálogo entre duas pessoas é genuíno. O conhecimento não é determinado pela vontade individual de cada parceiro ou parceira, mas sim pela lei da matéria em questão. Em um mundo incrivelmente técnico é difícil falar em "respeito" pelas coisas. Mas as coisas não são simples material para ser usado e como diz Gadamer, parafraseando Heidegger. No entanto, temos que cuidar o nosso respeito pelas coisas não se constitua em um apelo à metafísica mesmo. Ou seja, contra à unidimensionalidade do Cartesianismo e do Neo poderia surgir um apelo à unidimensionalidade do ser-em-si-mesmo. A solução para esse paradoxo é o caminho para a linguagem. 

Sobre a importância da linguagem ver essa postagem aqui

Gadamer (1976) considera equivocada a pergunta pela natureza das coisas e diz que seria melhor parar de fazer essa pergunta substituí-la por uma pergunta pela "linguagem das coisas" que nós queremos ouvir,  no modo como as coisas trazem a si mesmas para a linguagem.

A linguagem é fundamental para compreender a nossa relação com a natureza. Através da linguagem podemos compreender que não estamos fora na natureza, como apregoava Descartes. Tampouco  estamos totalmente imersos na natureza como implicam algumas leituras da Ecologia Profunda. Uma compreensão  hermenêutica nos leva a perceber o que poderia ser uma relação ecológica entre seres humanos e natureza. Seria uma relação na qual nós participamos na natureza e a natureza participa em nós. Esse tipo de compreensão nos permite estabelecer  "Tecnologias de Aliança" com a natureza para nos aproximarmos dela e ao mesmo tempo, manter sua outridade sempre respeitada. E nesse tipo de encontro saímos ambos modificados, nós e a natureza.


Ao longo dos últimos 300 anos, a Natureza foi transformada em mero objeto de manipulação à disposição da razão humana. A visão das paisagens e dos lugares de modo mecânico e sem vida levaram a uma completa separação entre seres humanos e meio ambiente. Atento a esses problemas, Mauro Grün desenvolve nesta obra uma ética de parceria com a Natureza em educação ambiental, uma simbiose na qual os elementos se combinam num regime de co-participação e integração.

A respiração da Natureza

on sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
A natureza fala? Eis uma questão intrigante.

Em outra postagem sobre  Ética, Estética e Educação Ambiental, (Veja no link: Ética e Estética e Educação Ambiental) já abordei essa questão: 

"Poderíamos nos perguntar agora se a natureza se comunica a si mesmo. Minha resposta é sim, só que não nos aprimoramos ainda na hermenêutica da escuta e ainda não abrimos os devidos canais de comunicação com o mundo não humano."  

Mauro Grün - Filósofo e Escritor.Doutor em Ética e Educação Ambiental pela University of Western Australia.


A hermenêutica é capaz de trazer uma Natureza alienada para mais perto de nós sem lhe privar de sua outridade. Essa hermenêutica é, então, a da voz, uma vez que o significado surge numa linguagem viva: "Linguagem, para mim, é sempre simplesmente aquela que usamos com os outros e para os outros" (Gadamer 1989c, p. 98). Para compreendermos a hermenêutica como voz precisaremos também compreender as declarações de Sócrates quanto ao status da escrita. No Fedro, Sócrates claramente considera o status da linguagem falada superior ao da palavra escrita. Ademais, é significativo que o próprio Gadamer seja profundamente influenciado pelos pontos de vista de Sócrates. Para Gadamer, no entanto, a escrita em si não deixa de ser uma voz, postura esta que fez Derrida acusar a hermenêutica de fonocentrista.

Derrida argumenta que Platão realmente privilegiava a palavra falada. No Fedro, Platão chega a ponto de dizer que o discurso escrito deveria ser denominado como um tipo de imagem, e que o discurso realmente importante é o da "palavra viva e respirada". Risser (1997) leva a sério a asserção de Platão e faz uma análise da voz na respiração. Respondendo à preferência de Sócrates pelo discurso, o Fedro diz que ele não é um discurso morto, mas a palavra viva e respirada. É uma condição que permite que estejamos vivos. O significado de ser deve ser encontrado na experiência da voz.

A voz da respiração

Risser (1997) observa que, na tradição oral grega, desde os dias de Homero, "dizer uma palavra é respirar, proferi-la para ser ouvida quando os ouvidos da pessoa a respiram. Mas a palavra é em si respiração, isto é, o ser da vida, é de espírito, mente, inteligência" (p. I76). Ele continua: "Para Homero, palavra (ëpos) não significa apenas palavra, aquilo que poderia possivelmente ter margem, mas inclui os significados 'fala', 'conto', ‘canção’ ou poesia 'épica' como um todo" (p. I77). É mais ou menos isso que Gadamer quer dizer quando propõe que urna palavra sempre se refere a uma realidade maior e múltipla.

Para Gadamer ( I 995), a voz é a palavra interior. Nesse ponto, a compreensão só pode ser possível quando emerge a voz interior. A voz interior tem o caráter de um evento. "Isto é a palavra que diz algo além de suas partes gramaticais. É a palavra que ocorre na escrita quando é lida a palavra. É a palavra da respiração que é ouvida pelo ouvido interno" (Risser 1997, p. 176).

A voz ocorre quando a palavra acha seu lugar. Na hermenêutica, a palavra assume seu lugar na investigação dialógica. O fato de a palavra ser da respiração significa que um elemento de continuidade é inevitável em toda a nossa fala. A voz garante que a palavra jamais seja única, pois sempre se refere a uma unidade múltipla. A voz persiste tanto na escrita quanto na fala. Risser (ideM) salienta que, quando Gadamer diz que é necessário separar o significado da palavra de seu sentido gramatical, "ele está se opondo à remoção da voz da escrita. Para Gadamer a situação comunicativa demanda que a gramatologia não exclua a voz" (p. 179).

Derrida (1989) acredita que, nessa tentativa de compreender o estranho — outras culturas, mundos da vida ou a Natureza —, a diferença será assimilada e absorvida pelo ato da compreensão. Mas não é isso que acontece, pois, como enfatiza Gadamer (1995), a hermenêutica luta para se reconhecer no Outro "e encontrar um lar no estrangeiro - é este o movimento básico do espírito cujo ser consiste nesta volta para si mesmo a partir da outridade" (p. 14). Acredito que esse princípio é mais do que suficiente para nos guiar em nossa relação com a Natureza. Em nosso encontro com a outridade da Natureza, estaríamos voltando para nós mesmos como indivíduos modificados, com a disposição de repensar as preconcepções norteadoras de um modo objetificante e antropocêntrico de ser.

Concluindo, poderíamos, portanto, argumentar que Derrida simplesmente não compreendeu a hermenêutica filosófica, pois esta não constitui qualquer tentativa de controle da Natureza. Em vez disso, possibilita que falemos em termos que revelem uma cognição da outridade da Natureza, a outridade do Outro e da diferença.

Trecho do meu livro Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental.

Experiência e Vida

on segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
Ao longo dos últimos séculos, temos destruído a natureza, a nós mesmos e ao outro. A pergunta que devemos nos fazer é se afinal, somos pessoas experientes. Estamos aprendendo algo com nossas experiências? 
Muito pouco, diz o filósofo Mauro Grün.


Na verdade, Bacon caracterizou seu método como experimental. Além disso, tal definição não se refere simplesmente aos procedimentos técnicos adotados pelos cientistas, mas também à forma única na qual a mente científica deve evitar ser distraída em generalizações apressadas. Hoje sabemos, como diz Gadamer, que a metodologia de Bacon era muito vaga e geral, e conhecemos também os resultados negativos que ela produziu em sua aplicação à Natureza.

Entretanto, o objetivo declarado por Bacon de dominar a Natureza para controlá-la era bem mais o lado programático de seu trabalho do que realmente o desenvolvimento de um método científico. Gadamer caracterizou como unilateral a visão de que a experiência deveria ser avaliada apenas teleologicamente e simplesmente a ponto de poder levar ao conhecimento. Pretendo argumentar que não devemos confiar em tais modelos de experiência, pois o caráter fundamental da experiência repousa em sua alteridade, considerando nossas próprias experiências, em vez de simplesmente como forma de garantir que os erros sejam evitados quando corrigidos.

Gadamer propõe, portanto, que é importante compreender o nascimento da experiência enquanto evento sobre o qual ninguém exerce controle. A experiência não é determinada por esta ou aquela observação, mas é coordenada de uma forma que, em última análise, é inteligível. Pensar na experiência como essencialmente ligada à ciência pareceria, então, um erro. Pensar na experiência simplesmente em termos de seus resultados é omitir o fato de que ela é essencialmente um processo. Gadamer propõe que há três modos de compreender a experiência: 1) Primeiro, devemos considerar as experiências como confirmação de nossas próprias expectativas. 2) Segundo, precisamos considerar nossas próprias experiências. Foi Hegel, no entanto, que desenvolveu o elemento dialético da experiência. Em seu trabalho, a experiência ganhou uma dimensão diferente. Para ele, a verdadeira experiência é a experiência da consciência. A consciência emerge transformada do encontro com o fenômeno, precisamente como resultado desse encontro. Esse processo endossa a consciência com novos horizontes para futuras experiências - uma experiência que determinará a natureza de futuras experiências. Por meio da própria conversão em novos horizontes, a consciência aprende algo e o processo é, então, uma forma de educação. Mas, se para Hegel esse novo conhecimento é absoluto, esse não é o caso no trabalho de Gadamer (1995), que defende que a dialética da experiência representa uma oportunidade para novas experiências. O indivíduo experiente, dessa forma, não é o que acumulou experiências, mas o que está sempre aberto para novas experiências. Nesse contexto, esse estar aberto tem a ver com a disposição de receber tudo que nos confronta em sua capacidade de Outro, mas não no avanço dialético articulado por Hegel. A aquisição da experiência pode ser dolorosa, pois nos lembrará que não dominamos nosso próprio destino e que somos submetidos às contingências da existência humana. As experiências com frequência nos confrontarão com os equívocos de nossas próprias expectativas. A verdadeira experiência é desse modo, a experiência de nossa própria finitude. Risser (1997, p. 91) vê aí a versão que Gadamer tem da humildade socrática:

A genuína experiência, assim como a sabedoria socrática, pede-nos que recuperemos o espaço que separa o humano do divino na tentativa de não apenas reconhecer o espaço, mas também preservá-lo. E isto significa que no estar aberto para novas experiências, o dogmatismo alcança suas fronteiras absolutas.

Neste ponto, genuína é a experiência de nossa própria historicidade. Não conseguimos passar pela mesma experiência duas vezes. Uma experiência que é repetida não é mais a mesma experiência. É, então, uma nova experiência, não mais a mesma coisa, mas algo novo e inesperado. "O indivíduo fica ciente de sua experiência; ele é experiente. Ele adquiriu um novo horizonte em que algo pode se tornar uma nova experiência para ele" (Gadamer 1995, p. 354). Hegel afirmou que a verdadeira experiência tem a estrutura de um inverso da consciência e como tal constitui um movimento dialético.

A experiência hermenêutica, no entanto, não é vista como ciência. Ela existe sempre em oposição ao aprendizado e à instrução, que são o resultado de conhecimento teórico e prático. A verdadeira natureza da experiência leva sempre a novas experiências. "É por isso que a pessoa que é chamada experiente é assim não apenas através de experiências, mas também está aberta a novas experiências" (Gadamer 1995, p. 355). A pessoa experiente, portanto, não é aquela que sabe tudo, mas aquela que radicalmente resiste a todos os dogmas.

Vamos, então, examinar como Gadamer concebe nossa experiência com o Tu. O Tu não é objeto, pois existe em relação a nós. "Estar em relação a algo" é, para Gadamer (1995), um fenômeno moral. De modo semelhante, a aquisição de conhecimento através da experiência do encontro com o Outro também é um fenômeno moral. O conhecimento sobre o Outro, em contraste com a probabilidade de levar à crença de que possamos prever suas ações, é puramente conhecimento sobre si mesmo. Qualquer um que compreenda a tradição dessa forma a objetifica, levando o eu a, metodologicamente, excluir tudo o que for subjetivo.

Uma segunda forma através da qual o Tu pode ser compreendido é como pessoa, embora mesmo nesta instância pode ser ainda uma forma de autorrelação. Para todo argumento há um contra-argumento. É por isso que é possível para cada parte de um relacionamento de forma reflexiva sobrepujar o outro. (Gadamer 1995, p. 359)

Embora até certo ponto se busque conhecer o Outro melhor do que a si mesmo, o Tu é compreendido mas simultaneamente cooptado pela posição do primeiro interlocutor. Isso pode, então, levar ao controle e à dominação de um sobre o Outro. Gadamer (idem) enfatiza que, ao alegar que se conhece o Outro, roubam-se suas alegações de legitimidade - conhecemos isso na relação entre professor e aluno, na qual fica clara a dialética do Eu-Tu.

A pessoa experiente sabe que não domina o tempo nem o futuro e que seus planos são necessariamente limitados e contingentes. A pessoa experiente sabe também que todos os planos e expectativas dos seres finitos inevitavelmente também serão finitos e limitados. Essa é nossa experiência mais genuína, pois é também a experiência de nossa própria historicidade. Esse é o terceiro tipo de experiência do qual nos fala Gadamer.

A experiência hermenêutica é tradição, e a tradição não é um processo simples que a experiência nos ensina. Tradição é linguagem e se expressa como um Tu. Isso não é dizer que o que é experienciado na tradição seja a opinião de outra pessoa, mas que a tradição é parte genuína de um diálogo. Portanto, pertencemos à tradição da mesma forma que pertencemos ao Tu. O Tu está numa relação conosco. Essa seria precisamente a estrutura a ser observada numa relação ecologicamente ética entre os seres humanos e a Natureza, uma ética de parceria. Participamos da Natureza e a Natureza participa de nós.

"Na experiência hermenêutica a consciência histórica constitui-se paralela à experiência do Tu, devido ao que ela sabe sobre a outridade do Outro. A consciência histórica conhece a outridade do passado, assim como uma compreensão do Tu conhece o Tu como uma pessoa" (Gadamer 1995, p. 360). O indivíduo que não reconhece que é condicionado pelas preconcepções não verá o que se manifesta através de sua própria luz. Este é o modelo da relação entre o Eu e o Tu. "A pessoa que reflete sobre si fora da mutualidade de tal relação muda esta relação e desfaz seus vínculos morais" (ibidem).

O estar aberto à tradição constitui, desse modo, o mais elevado tipo de experiência hermenêutica. Vimos que, na experiência humana, é importante considerar o Tu verdadeiramente como um tu e permitir que realmente nos conte ou ensine alguma coisa. Sem esse estar aberto de uma pessoa para outra não há vínculo algum entre elas. Esse estar aberto implica o reconhecimento de que aceitaremos algumas coisas que possam não nos ser favoráveis. Esse estar aberto à tradição está crucialmente ligado à experiência que o Eu tenha do Tu. Esse estar aberto deve caracterizar a atitude tanto do falante quanto do que apreende a mensagem falada. Em última análise, a hermenêutica é precisamente o que distingue a pessoa experiente daquela presa a dogmas.

Reconhecer isso para "deixar falar", seja um indivíduo, a Natureza ou a forma mais ampla de tradição, constitui, portanto, uma das lições mais importantes da hermenêutica. Esse processo é semelhante ao escutar socrático ao qual me referi em capítulos anteriores: deixar falar, deixar estar. Ainda na juventude, Gadamer (2000, p. 390) demonstrou a irredutibilidade do Outro numa situação de Amor:

Aquele que ama esquece a si mesmo põe-se de fora da própria existência, vive por assim dizer no outro. Com esta primeira expressão Hegel afronta já o seu tema mais próprio, porque nesta analogia de razão e amor estão intimamente implícitas a coisa, a sua concordância, mas ainda a sua diferenciação. A universalidade do amor não é a universalidade da razão. Hegel não é Kant. No amor há um Eu e um Tu, ainda que estes possam se dar um ao outro com dedicação. O amor é a superação da estranheza entre o Eu e o Tu, uma estranheza que existe sempre e que precisa existir, para que o amor possa estar vivo. Na razão, ao contrário, o Eu e o Tu são intercambiáveis e representam a mesma coisa. E, além disso: exatamente por isto o amor não é uma abstração, mas uma concreta universalidade, isto é, não é isto que todos são (como seres racionais), mas como o que são o Eu e o Tu e, em verdade, de tal modo que isto não é nem o Eu nem o Tu — mas o Deus que aparece, isto é, o espírito comum, que é mais que o saber do Eu e o saber do Tu.

Almeida (apud Almeida, Flickinger e Rohden 2000) argumenta que o amor ocorre nessa passagem como causa universal que viabiliza o encontro entre o Eu e o Tu, mas também como imposição que inviabiliza a redução de um para o outro. Na consciência histórica, ocorre algo muito semelhante: outra vez, o Outro é irredutível ao Eu. Como observa Almeida,

(...) a consciência histórica paralisa a pretensão da filosofia de conhecer "verdades eternas" e de alcançar o olhar que abarca o absoluto. Em vez disso, lembra que filosofar é empreender uma tarefa sem fim e buscar o saber sempre; daí por que é tão produtiva a mística do amor, pois assim como a destruição do outro numa relação amorosa tem como consequência a destruição do próprio amor, do mesmo modo, a destruição da diferença resulta na morte do espírito histórico. (Idem, p. 101)


Até então, tenho enfatizado a forma de a alteridade ou outridade constituir um traço fundamental de todas as experiências hermenêuticas genuínas. É o ouvir socrático sobre o qual tratei em capítulos anteriores: deixar falar, deixar estar, deixar a Natureza ser.

O teólogo e filósofo Martin Buber (1996) compreendeu muito bem que o que estava em jogo cm tal postura era exatamente o respeito pela outridade. Em seu trabalho, Gadamer (1995) seguiu os passos de Buber para desenvolver seu próprio conceito de alteridade. Buber foi o pioneiro de uma longa e fértil linhagem de pensadores do século XX que se preocuparam com a alteridade. Entre outros poderíamos citar Levinas, Gadamer e Derrida. Buber de fato estabeleceu a visão de que, enquanto há urna relação instrumental entre Eu-isso, há uma relação entre Eu e Tu. Apenas esta pode ser definida como uma relação. Eu-isso não pode se constituir cm uma relação. Assim, podemos dizer que pensadores como Bacon, Galileu e Descartes, cujos trabalhos foram tratados nos capítulos 1, 2 e 3, meramente lidaram com uma relação instrumental do tipo Eu-isso. Nos trabalhos desses filósofos, a Natureza é tratada como objeto, como um Isso. Está claro que um Isso desse tipo não falará, pois é mudo. Para ocorrer uma relação, deve haver respeito pela outridade. Ninguém compreendeu essa questão tão bem como Buber. Já em 1923 ele falava na necessidade de respeitar o ser da Natureza. Em Eu e Tu, Buber escreve:

Eu considero uma árvore.
Posso apreendê-la como uma imagem. Coluna rígida sob o impacto da luz, ou o verdor resplandecente repleto de suavidade pelo azul prateado que lhe serve de fundo.
Posso senti-la como movimento; filamento fluente de vasos unidos a um núcleo palpitante, sucção de raízes, respiração das folhas, permuta incessante de terra e ar, e mesmo o próprio desenvolvimento obscuro. Eu posso classificá-la numa espécie e observá-la como exemplar de um tipo de estrutura e vida.
Eu posso dominar tão radicalmente sua presença e sua forma que não reconheço mais nela senão a expressão de uma lei - de leis segundo as quais um contínuo conflito de forças é sempre solucionado ou de leis que regem a composição das substâncias.

Eu posso volatilizá-la e eternizá-la, tomando-a um número, uma mera relação numérica.

A árvore permanece, em todas essas perspectivas, o meu objeto tem seu espaço e seu tempo, mantém sua natureza e sua composição. Entretanto pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em relação com ela; ela já não é mais um ISSO. A força de sua exclusividade apoderou-se de mim. (1996, pp. 7-8)

Porque não sou mais homem

on sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
“O homem está há muito tempo na administração do planeta. As coisas não estão bem. Falhamos”, diz o filósofo Mauro Grün.

Ecofeminismo
Mauro Grun

Santos (2005) observa que o ambientalismo e o feminismo são os maiores e mais fortes movimentos sociais globalizados Desde o início dos anos de 1970, Rosemary Radford Ruether tem defendido que o ambiente é um assunto feminista. A asserção básica do ecofeminismo é a de que existem visões de mundo e práticas que são baseadas nos modelos de dominação dos homens sobre as mulheres. O argumento de Ruether (1975) é o de que não existirão práticas ecológicas enquanto persistirem outras formas de dominação na sociedade como, por exemplo, a dominação masculina. Argumento que o movimento ambientalista deveria se unir ao feminismo, formando, assim, o ecofeminismo. Karen Warren (1993) afirma que o ecofeminismo se propõe a revelar conexões existentes entre a dominação masculina e a devastação ambiental. Ela enumera oito conexões:

1 - As Conexões Históricas;
2 - Conexões Conceituais;
3 - Conexões Empíricas e Experienciais;
4 - Conexões Simbólicas;
5 - Conexões Epistemológicas;
6 - Conexões Políticas (Práxis);
7 - Conexões Éticas;
8 - Conexões Teóricas.

Warren (1993) conclui sua introdução do ecofeminismo enfatizando as questões teóricas. As principais conexões teóricas entre dominação masculina e devastação ambiental encontram-se no domínio da Ética Ambiental. Existem conexões entre mulheres e natureza tanto no âmbito da filosofia tradicional Ocidental como em Aristóteles e Kant, por exemplo, quanto nas abordagens não tradicionais como as feministas, afrocêntricas e não-Ocidentais, holistas, da Ecologia Profunda e do feminismo ecológico. Assim, Warren (1993, p. 262), define o ecofeminismo como sendo "um nome para uma variedade de posições que torna visível os diferentes tipos de conexões mulher-natureza". A apresentação e caracterização introdutória de Warren (1993) nos permite agora explicitar e problematizar com mais detalhes algumas das principais correntes do ecofeminismo.

Conexões do Ecofeminismo com a Revolução Industrial e Cientifica
A historiadora Carolyn Merchant é autora do clássico ecofeminista The Death of Nature: Women, Ecology and the Scientific Revolution (A Morte da Natureza: Mulheres, Ecologia e Revolução Científica). Neste livro, Merchant (1990) explora as conexões entre a opressão promovida por uma ciência masculinista sobre as mulheres e a devastação ambiental. "Ao investigar as raízes de nosso atual dilema ambiental e suas conexões com a ciência, tecnologia e economia, nós precisamos reexaminar a formação de uma visão de mundo e uma ciência que, ao reconceitualizar a realidade como uma máquina ao invés de um organismo vivo, sancionou a dominação de ambos, mulheres e natureza" (MERCHANT In: WARREN, 1993, p. 269).

A imagem da terra como a Mãe que nos alimenta e provê as nossas necessidades serviu como um empecilho para a devastação durante muito tempo. Afinal, ninguém iria tentar arruinar ou fazer mal à própria Mãe. Até mais ou menos 1500, diz Merchant (1990), esta era a visão predominante da natureza. A partir de 1600, a Europa passou por uma intensa mecanização e gradualmente aquela imagem e espírito feminino começaram a desaparecer. A industrialização era inseparável de atividades como a mineração e o desflorestamento. Na mineração a metáfora de que a terra deveria ser "penetrada" tornou-se comum entre empreendedores e pensadores do período. Novas imagens de dominação surgiram. Aos poucos começa a desaparecer a imagem de natureza orgânica e aparecer em seu lugar a imagem da dominação tecnológica. Ocorreu, então, uma aceleração no impacto das atividades humanas no ambiente natural. Merchant (1990) observa que a ideologia da dominação industrial-científica sobre a natureza pode ser encontrada na arte, na literatura, na filosofia e na ciência do séc. XVI e XVII.

Antes disso, no entanto, "Não apenas a imagem da natureza como uma mãe que alimenta continha implicações éticas, mas, a própria estrutura orgânica, como um sistema conceitual, também carregava a ela um sistema de valor" (MERCHANT, 1990, p.5). Mas durante os séc. XVI e XVII a Europa promoveu uma desvalorização da imagem da unidade orgânica do cosmos e da sociedade. Podemos encontrar relatos e imagens da natureza orgânica antes da Revolução Científica masculinista, tanto nas culturas "tradicionais" como na filosofia Grega, Medieval e Renascentista. No Timeu de Platão, por exemplo, no séc. IV a.C., a totalidade do mundo era estruturada dentro de uma alma-animal "viva" Essa alma era fêmea e permeava a todos os seres do universo. Durante o Neoplatonismo Medieval no séc. XVII, diz Merchant (1990), o Timeu
foi interpretado junto com a Bíblia e a natureza foi comparada a uma parteira que traduzia as ideias (masculinas) em matéria e o que surgia desse parto era uma espécie de criança. Assim, tanto no Platonismo como no Neoplatonismo medieval, a natureza era feminina e estava subordinada a Deus e não ao homem.

O Neoplatonismo Renascentista dos séc. XV e XVI também cultivava a imagem do macrocosmo como sendo uma alma fêmea. No entanto, com os primeiros modos de produção capitalista, o impacto humano sobre as florestas cresceu.
Enquanto que a economia medieval tinha sido baseada em fontes renováveis de energia - madeira, água e vento- a emergente economia capitalista que estava se formando na maior parte da Europa ocidental foi baseada não apenas em fontes de energia não renováveis - carvão- mas em uma economia inorgânica  em seu núcleo - metais ferro: chumbo, prata, ouro, estanho e mercúrio — e o processo de refinação para os quais em última análise dependia da depleção das florestas (MERCHANT, 1990, p. 63).

Desse modo, argumenta Merchant (1990), os problemas ambientais não são novos, eles apenas estão em outro grau. A base da crise ecológica estaria situada na virada de uma cosmovisão orgânica e feminina da Europa pré-industrial para uma ciência masculinista — Francis Bacon e René Descartes entre outros. Bacon usava a linguagem dos tribunais da Inquisição, propondo que a natureza, tal como as mulheres condenadas, deveria ser "torturada" até que nos revelasse seus mais íntimos segredos. A estrutura orgânica e feminina do Cosmos foi substituída por Copérnico que colocou no lugar da Terra fêmea o Sol masculino como sendo o centro.

Mas Merchant (1990) destaca que ao final do séc. XVII surgirão várias reações ao mecanicismo masculino e dominante de Descartes, Gassendi, Hobbes e Boyle. Os críticos da ordem mecanicista eram em sua maioria vitalistas e reafirmavam a unidade da natureza. Entre eles/as encontrava-se Anne Conway para quem não havia a distinção Cartesiana entre espírito e corpo. Existia uma unidade orgânica entre os dois. Apesar de ter seu trabalho reconhecido por Leibniz, Anne Conway foi ignorada pela história da filosofia oficial. Baseando-se nisso Merchant (1990) nos pergunta se já não é hora de começarmos a reconhecer o trabalho e a contribuição de mulheres filósofas para o desenvolvimento cultural dos séc. XVII e XVIII e menciona os importantes nomes de Eletress de Hanover; sua filha Sophia Charlotte, rainha da Prússia; Caroline (1683 —1730) subsequente rainha da Grã-Bretanha; Damaris Mashan (1658 —1708) e Madame Gabrielle Émelie du Châtelet (1706 - 1749) que foi a principal expositora do sistema Leibniz. Essas mulheres em plena Revolução Científica dos séc. XVI, XVII e XVIII já se constituíam uma forte força de oposição aos rumos materialistas e mecanicistas que a filosofia e as ciências haviam tomado.

Outra filósofa ecofeminista que tem sido bem recebida pela crítica internacional em Ética Ambiental é a australiana VaI Plumwood, que recentemente publicou Feminism and Mastery of Nature (Feminismo e Dominação da Natureza) (1993a) e Environmental Culture: The ecological crises of reason (Cultura Ambiental: a crise ecológica da razão) (2002). Plumwood (1993) tem criticado o fato de grande parte das Éticas Ambientais atuais possuírem um viés masculino. A autora se define como uma ativista da floresta, uma caminhante do mato e uma sobrevivente de um ataque de crocodilo. Ela critica o fato de as filosofias ambientais ainda serem marcadamente formadas pela tradição racionalista que historicamente tem sido tanto contra a mulher como contra a natureza. Plumwood (1993) começa seu trabalho Nature, Self and Gender: Feminism, Environmental Philosophy and the Critique of Rationalism (Natureza, Self e Gênero: Feminismo, Filosofia Ambiental e Crítica do Racionalismo) com uma crítica à universalização da Ética Ambiental como sendo uma mera extensão da Ética humana universal. Ou seja, pega-se um princípio da Ética Humana e se aplica este princípio ao mundo natural.

Plumwood cita dois casos clássicos de extensionismo. 1) O primeiro é de Paul Taylor e seu livro Respect for Nature (Respeito pela Natureza). Taylor (1986) rejeita a tradição ocidental dominante que não considera o valor não-instrumental da natureza. Ele considera os seres vivos como centros teleológicos, centros de vida, defendendo um tipo de biocentrismo centrado na vida. Em sua teoria, o self humano inclui, também, uma natureza biológica. Por que esta Ética Ambiental é extensionista? Ela é extensionista pois se baseia numa Ética Kantiana estendida ao mundo natural. A razão pela qual Plumwood (1998) critica Taylor (1986) deve-se ao fato de ele utilizar a estrutura conceitual Kantiana que utiliza a dicotomia razão/emoção, que resulta na asserção de que a razão é superior, pois ela predomina na escolha do agente moral sobre o que é valoroso (plantas e animais). Dito de outro modo, é o ser humano, através da razão, quem define os fins e projetos que devem ser valorizados.

Taylor (1986) diz que se alguém cuida da natureza por afeição ou amor; isso não é respeito moral. Se alguém, por exemplo, cuida da natureza por gentileza para com ela, isso também não denota respeito moral, ou seja, os sentimentos são excluídos do biocentrismo de Paul Taylor. Ele vê o amor, a afeição e o cuidado como "inclinações" não racionais. Mais do que isso, diz Plumwood (1993a), essas "inclinações" são vistas como femininas e, portanto, não confiáveis e moralmente irrelevantes. Para Taylor (1986), uma Ética Biocêntrica fundada na razão Kantiana não permite "Inclinações", mas somente a legislação da Razão.

Assim, o problema principal da Ética Ambiental seria o fato de derivar seus princípios de uma noção masculinista de self. Todo projeto ambiental extensionista sofreria desse problema, diz Plumwood. O self das Éticas Ambientais extensionistas, na verdade, endossa o antropocentrismo da tradição Ocidental.

Outro exemplo de extensionismo e de racionalismo dado por Plumwood (1993a) é o da conhecida Ética Ambiental de Tom Regan. Em seu famoso livro The Case for Animal Rights (O Caso para os Direitos Animais), o conceito básico evocado por Regan (2004) para a defesa e o bem estar animal é o de "direitos". Este conceito é "estendido" da comunidade humana para os animais. Plumwood (1993) argumenta que o conceito de "direitos" para animais colapsa quando aplicado no contexto de predadores em um ecossistema. O conceito de direitos parece funcionar bem apenas para animais domésticos. E ainda mais, o conceito de direitos, diz Plumwood (1993), foi criado na esfera pública masculina do sujeito autónomo. Seria melhor para a proteção dos animais se usássemos conceitos como respeito, afinidade, cuidado, preocupação, compaixão, gratidão, amizade e responsabilidade. Estes conceitos fariam parte da esfera privada, vista sempre pelos homens como emocional e, portanto, periférica para as questões da esfera pública. Os conceitos da chamada esfera privada teriam muito mais chance de oferecer uma abordagem não-instrumental da natureza do que os da esfera pública.  Seria necessário abandonarmos o dualismo razão/emoção que caracteriza a tradição racionalista Ocidental.

Ecofeminismo, Ecologia Profunda e Racionalismo
Aparentemente a Ecologia Profunda (Deep Ecology) rompe com a corrente principal do dualismo que separa os humanos da natureza na tradição racionalista Cartesiana. A Ecologia Profunda oferece uma solução para esse problema em termos de uma "identificação" do self com a natureza. Uma das teses defendidas pela Ecologia Transpessoal é a da indistinção entre self e natureza. Em outro trabalho (GRON, 2005) eu argumento que esta tese pode levar à dissolução do self na natureza. Grimshaw apud Plumwood (1993), diz que para cuidar do outro eu tenho que me distinguir do outro. Eu alertaria ainda para a impossibilidade de uma política ambiental nessas condições de indistinção entre self e natureza. Tendo isso em vista, Plumwood (1993) defende uma abordagem do self relacional não-holístico. Ela acredita que essa abordagem do self tem mais a ver com uma filosofia feminista e é capaz de vencer a abordagem do viés egoísta liberal da tradição masculinista. Já a hipótese expansionista da Ecologia Profunda proposta por Ame Naess (1995) também não escapa de certos elementos racionalistas. Em Grün (2005) argumento que ao expandir o self ilimitadamente na natureza e até mesmo no Cosmos, a Ecologia Profunda acaba por "humanizar" o Cosmos, enquadrando-se, assim, na tradição racionalista antropocêntrica.

O australiano Warwick Fox (1993), no entanto, vê paralelos entre o ecofeminismo e a Ecologia Profunda e acredita que, em alguns sentidos, ambos têm uma plataforma comum. Ele começa enfatizando o caráter bio-igualitário dos humanos com as outras entidades da ecosfera, como, por exemplo, rios, paisagens e ecossistemas. O termo "vida" é empregado de maneira ampla. O igualitarismo tanto pode ser entendido como válido para as entidades vivas do planeta como ser estendido para entidades não vivas, como rochas.
O objetivo com isso é escapar de toda e qualquer forma de dominação humana. Ame Naess (1995) fala de um igualitarismo biocêntrico. Fox (1993) prefere o termo ecocêntrico, pois biocêntrico, devido ao prefixo bio, pode dar a entender que apenas entidades vivas são foco de atitudes igualitárias. Outra razão para usar o termo ecocentrismo é que esse termo é próximo de Oikos — lar. Fox (1993) acredita que outras formas de igualitarismo como os movimentos anti-racistas, anti-imperialistas e feministas podem partilhar de uma mesma agenda ecocêntrica para vencer o legado antropocêntrico. Mas sua proposta tem sido muito criticada por alguns ecofeministas de destaque como Jim Cheney (1993) que advoga que a compreensão entre homens e mulheres sobre a natureza é "essencialmente" diferente.

Seguindo uma outra linha, Plumwood (1993a) critica a Ecologia Profunda, nos seus primórdios, por esta eliminar a diferença. Baseando-se no famoso estudo de Gilligan (1982) In a Different Voice, diz que cada voz de cada mulher é única. Gilligan (1982) é uma das fundadoras da chamada Standpoint teoria (HARDING, 2004), ou seja, uma teoria feminista que depende do ponto de vista do ator social e, consequentemente, do lugar ocupado pela mulher na sociedade. Cada mulher tem uma voz que é única. Isso levou Callicott a desacreditar o ecofeminismo dizendo que trata-se de unia postura anti-teórica, "um projeto cacofônico de coleções de estórias baseadas no que ele supõe ser uma rejeição do "essencialismo masculinista" e de práticas como a construção de uma teoria" (CALLICOTT apud CUOMO, 1998, p.21).

Plumwood (1993a) contrariando Callicott sugere que os novos avanços pluralistas da filosofia da Ecologia Profunda trouxeram uma política de incorporação (não no sentido de absorver e eliminar) da diferença em sua abordagem igualitária. Os Ecologistas Profundos passaram a dizer que não há nenhum problema em reconhecer que os grandes opressores do mundo de hoje são homens, brancos, capitalistas e Ocidentais, mas seria necessário aliar essa crítica a uma crítica à ideologia humanocêntrica que estaria por trás de muitas outras formas de dominação.

Os Ecologistas Profundos problematizam tanto os humanos como o conceito de humanidade. Ambos são vistos como quase malignos em seu exacerbado antropocentrismo. Ao final de suas considerações, Plumwood (1993a) assegura que são possíveis abordagens conciliatórias entre aqueles grupos que lutam pela distribuição do poder na sociedade (feminismo, marxismo, antiracismo e anti-imperialismo) e a abordagem igualitária da Ecologia Profunda e sua crítica daquela que é considerada a legitimação "que tem habitualmente sido empregada por aqueles que são os maiores responsáveis pela dominação social e pela destruição ecológica" (PWMWOOD, 1993a, p.228).

Ecoferninsmo em urna voz diferente
A australiana Salleh (1993) também baseia seus argumentos no livro de Gilligan (1982) In a Different Voice (Em uma Voz Diferente) e diz que as "vozes diferentes" das mulheres são raramente ouvidas, mas que tais vozes em diferentes culturas apresentam modelos alternativos para uma Ética Ambiental. A autora parte de dados preocupantes, apontando o fato de que atualmente, apesar de representarem mais ou menos metade da população humana, as mulheres ocupam cerca de 65% da força de trabalho e recebem menos de 10% da renda global. Salleh (1993) diz que as análises ecofeministas do patriarcado é que tem revelado isso. Ela parte de iniciativas práticas para provar que as mulheres, em muitos lugares, principalmente no chamado Terceiro Mundo, têm se relacionado com a natureza com reciprocidade, ao passo que os homens brancos, capitalistas e ocidentais se "relacionam" através do controle.

Para provar sua tese, Salleh (1993) cita diversos programas ambientais das Nações Unidas e de Organizações Não-Governamentais (ONGs) que focalizam suas atenções nas mulheres como agentes frente aos desafios da sustentabilidade, mostrando como elas obtiveram sucesso em seus empreendimentos. Salleh (1993) cita, ainda, as inúmeras organizações internacionais que procuram dar voz às mulheres no enfrentamento das crises ambientais como a World Wide Women in Defense of Enuironment — Washington D.C., que procura superar os esquemas superficiais de desenvolvimento e dar voz àquelas que Gilligan (1982) considera portadoras de "urna voz diferente".

Ecofeminismo e Essencialismo
O ecofeminismo em muitas de suas vertentes defende que a mulher teria uma relação "mais natural" com o ambiente. Isso é particularmente percebido nos enfoques ecofeministas dados às mulheres do que Santos (2005) chama de Sul Globalizado. Essas tendências mais naturalizantes, muitas vezes, apregoam o desenvolvimento de uma certa espiritualidade na relação das mulheres com a natureza. As mulheres seriam portadoras de um caráter sagrado. Santos (2005) faz uma crítica dessas pretensões do ecofeminismo dizendo que trata-se muito mais de uma visão do Norte Imperial sobre o Sul do que uma característica das relações das mulheres com o ambiente no Sul Globalizado.

O estereótipo predominante nesse tipo de abordagem é o da mulher rural que é obrigada a caminhar longas distâncias em busca de água, lenha e outros recursos para assegurar a manutenção da sua casa. Essa abordagem, ao gerar apenas uma imagem essencialista das mulheres subalternizadas, torna invisível toda uma extensa franja de mulheres que, por exemplo, vivem em ambiente urbano ou perturbaria nos países do Terceiro Mundo" (SANTOS, 2005, p.51),
Para o autor, o ecofeminismo romantiza as mulheres do Sul em seu papel de guardiãs originais e naturais da natureza Essas críticas são realmente um alerta necessário. No entanto, Santos (2005) se equivoca ao afirmar que o ecofeminismo como um todo não articula diferenças de classe, étnicas, raciais e geográficas.

O ecofeminismo socialista igualitário dá conta perfeitamente de tematizar as diferenças de classe. O bioregionalismo ecofeminista articula as diferenças geográficas, Inclusive as diferenças entre o Norte e o Sul, denunciando o eurocentrismo. Já as diferenças étnicas e raciais são trabalhadas por Cuomo (1998) em Feminism and Ecological Communities: an ethic of flourishing (Feminismo e Comunidades Ecológicas: uma ética do florescer). Apesar de corretas, as críticas de Santos (2005) ainda vêem o ecofeminismo como um movimento homogêneo, coisa que como vimos, não ocorre. Além disso, ele esquece de citar as duas maiores expoentes do chamado ecofeminismo cultural: Karen Warren e Val Plumwood. O termo "cultural" é obviamente um eufemismo. Na verdade, aponta para o fato de serem críticas do caráter essencialista que acompanha muitas das posturas do ecofeminismo. Warren (1993) defende a narrativa como constitutiva do ecofeminismo, pois expressam atitudes que emergem em situações particulares e Plumwood (1993, 2002) defende o self-relacional.

Karen Warren: O poder e a promessa do ecofeminismo
O que conta como abordagem ecofeminista depende muito do contexto particular das vidas das mulheres. Warren (1993, p.435, ênfase da autora) diz que "uma estrutura conceitual opressiva é aquela que explica, justifica e mantém relações de dominação e subordinação". Ela argumenta que a estrutura conceitual opressiva mais importante é a "lógica da dominação". Warren (1993) diz que não existe nada particularmente errado com o pensamento hierárquico ou com o pensamento hierárquico sobre valores. O pensamento hierárquico pode ser muito útil para comparar dados e organizar materiais. Mas quando o pensamento hierárquico sobre valor ocorre dentro de uma estrutura conceitual opressiva ele se torna problemático, pois estabelece a inferioridade. Muitas vezes, a diferença é tratada em termos de superioridade. Vejamos com funciona o argumento de Warren (1993, p. 436): "Humanos são diferentes de plantas e rochas porque os humanos podem (e plantas e rochas não podem) conscientemente e radicalmente modificar as comunidades nas quais eles/elas vivem; humanos são similares a plantas e rochas no fato de serem ambos membros de uma comunidade ecológica". Aparentemente esse argumento não é opressor. Mas se adicionarmos a esse argumento mais duas conclusões, a configuração muda: 1) humanos são moralmente superiores a (pelo menos) alguns não-humanos; 2) e essa superioridade justifica a subordinação. Assim, a lógica da dominação se conclui. Essa lógica da dominação, diz Warren (1993), deveria estar no topo de uma agenda ecofeminista.

Na cultura Ocidental dominante as estruturas conceituais patriarcais têm advogado que o domínio do mental pertence aos homens, ao passo que o domínio da natureza seria identificado com a mulher. O argumento é dado em termos de diferença. Mas o pensamento hierárquico sobre o valor permite que Warren (1993) extraia mais conclusões: 1) O argumento estabelece o patriarcado. 2) A dominação sistemática das mulheres pelos homens é justificada. Muitos (as) ecofeministas têm afirmado que as premissas do argumento de que as mulheres podem ser identificadas com a natureza enquanto os homens se caracterizam pelo domínio mental e abstrato é falsa. Afinal, baseia-se em uma indevida sanção ética construída historicamente. Estas asserções de diferença são problemáticas porque "têm funcionado historicamente em uma estrutura conceituai patriarcal e cultural que sanciona a dominação da mulher e da natureza" (WARREN, 1993, p.437).

Esse argumento é denominado por muitos ecofeministas de dominação gêmea". Assim concebido, o ecofeminismo seria necessário a qualquer forma de feminismo, pois clarifica a lógica da dominação. A clarificação dessa lógica pode vir a construir uma noção mais significativa de diferença onde esta funcione como um movimento de solidariedade entre diferentes mulheres de diferentes raças, classes, idades, orientação afetiva etc. "Ecofeministas insistem que o tipo de lógica da dominação usada para justificar a dominação de humanos por gênero, raça ou etnia, ou status de classe é também usada para justificar a dominação da natureza" (WARREN, 1993, p. 438).

Tal como Plumwood (1993a, 2002), Warren (1993) defende um self-relacional e, por isso, defende, também, as narrativas éticas feministas na primeira pessoa, pois isso mostra que o eu está¬em-relação sempre. Esta condição, por sua vez, pode fazer com que emerjam narrativas éticas não-patriarcais. Cheney (1993) também defende o uso de narrativas éticas tanto no feminismo como no ecofeminismo. Para Cheney (1993) e Warren (1993) uma narrativa é ética quando não leva à dominação e à conquista, e sim coloca o eu-em-relação e não em subordinação. Warren (1993, p. 441) cita o caso de um alpinista que não escala a montanha para dominá-la, mas para estar-em-relação com as rochas. "Como alguém narra a experiência de escalar uma montanha e como este alguém a escala é algo que importa eticamente". O ecofeminismo é contra todas as formas de dominação: anti-sexista, anti-racista, anti-classista etc. O feminismo teria que acolher o feminismo ecológico, uma vez que a dominação da mulher está historicamente conectada com a dominação da natureza. É a chamada dominação gêmea. Para Warren (1993) um mundo mais desejável seria aquele onde a diferença não alimentasse mais a dominação, mas sim a diversidade.

Conexões do Ecofeminismo com trabalhadores e animais
Cuomo (1998) oferece uma crítica aos sistemas masculinistas de dominação e explora, também, ambientalismos não feministas. Ela menciona o exemplo de como a opressão de animais, principalmente fêmeas, reforça a opressão da mulher. Citando Gaard e Gruen (2003), Cuomo (1998, p. 19-20) observa que:

Com o objetivo de manter vacas leiteiras em um constante estado de lactação, elas precisam ficar grávidas anualmente. Após seu primeiro filhote ser tornado dela no nascimento, ela é ordenhada por máquinas duas vezes, em algumas ocasiões três vezes ao dia por dez meses. Após o terceiro mês ela será engravidada novamente. Ela vai dar à luz apenas seis ou oito semanas após secar o leite. Esse intenso ciclo de gravidez e superlactação pode durar cerca de cinco anos e então a vaca "gasta" é mandada para o abate.
Um terço das vacas leiteiras sofrem de mastitis, uma doença que infecta as mamas. A causa mais comum de mastitis são agentes patogênicos que resultam de sórdidas condições de moradia, particularmente por contaminação fecal... O resultado para a vaca é sangramento e dor aguda, particularmente durante a ordenha (que é sempre feita pela máquina).
Vacas leiteiras são sempre artificialmente inseminadas. De acordo com fazendeiros este método é mais rápido, mais eficiente e mais barato que manter touros. Com o uso de injeção de hormônios as vacas irão produzir dúzias de ovos a qualquer época. Após a inseminação artificial, os embriões serão descarregados no útero e transplantados para a mãe portadora através de incisões em seus flancos. O Hormônio do Crescimento Bovino (BGH) está sendo vendido como um revolucionário meio de aumentar a produção sem acréscimo nos custos de alimentação. As vacas estão produzindo mais leite do que seus corpos podem e mais do que a demanda do mercado. Com o advento da BGH, a já curta e dolorosa vida da vaca leiteira tornou-se ainda mais curta e dolorosa.

Assim, como podemos observar, as fazendas também são foco de atenção das ecofeministas, não só pelo que diz respeito às condições de vida dos animais, mas também às condições de trabalho de empregados, e nos trazem dados surpreendentes. Wright citado em Cuomo (1998), argumenta que de 80% a 90% dos empregados das fazendas dos Estados Unidos são latinos ou afrodescententes. A cada ano 313.000 trabalhadores adoecem devido à contaminação dos pesticidas e, geralmente, mulheres hispânicas mostram índices muito mais altos de pesticida em seu leite do que mulheres brancas. Além disso, Cuomo (1998) observa que os mais atingidos são justamente os trabalhadores mais pobres e não-brancos que não têm plano de saúde.

Ecofeminismo, justiça global e Educação Ambiental
Enquanto muitas pessoas estão conscientes da forte injustiça na distribuição da riqueza globalmente, poucos percebem sua magnitude — 85% da renda do mundo vai para 23% das pessoas. Com efeito, os países industrializados (o Norte) estão drenando os recursos do Terceiro Mundo (o Sul). Uma pessoa no Norte consome 52 vezes mais carne, 115 vezes mais papel e 35 vezes mais energia que um Latino-americano de acordo com Margarita Mas da Costa Rica. Com apenas 5% das pessoas do mundo, os Estados Unidos usam um terço dos recursos não renováveis do mundo e um quarto dos produtos do planeta; em média um cidadão dos Estados Unidos usa 300 vezes mais energia que um cidadão do Terceiro Mundo ( GAARD; GRUEN, 2003, p. 276).

As ecofeministas Greta Gaard e Lori Gruen (2003) observam que à primeira vista o quadro acima descrito e muitos outros em nossa conjuntura de injustiça interpessoal e internacional parecem não ter nada a ver com o ecofeminismo e a Educação Ambiental. Contudo, dizem as autoras, se for possível identificar práticas de subordinação das mulheres na conjuntura acima expressa, então, necessariamente, trata-se de um assunto feminista. O argumento básico das ecofeministas é de que as crianças, as mulheres e os negros são os primeiros a serem atingidos pela devastação ambiental.

Tecendo Conexões entre Educação Ambiental e justiça global
A maioria das socialistas feministas nos Estados Unidos tinha em sua agenda política no início dos anos de 1970 a opressão das mulheres não só pelo patriarcado, mas também pelo capitalismo (GAARD; GRUEN, 2003). As ecofeministas, por sua vez, estão desenvolvendo uma abordagem "multisistema". Essa abordagem trata das "interconexões entre as forças que operam para oprimir as mulheres e a natureza" (op. cit., 2003). Trata-se de um cruzamento de diversos campos de força que criam sistemas complexos de opressão. A injustiça global seria o resultado de ideologias que se reforçam mutuamente: racismo, sexismo, classismo, imperialismo etc. Para ilustrar melhor como operam esses campos de forças opressoras e como o ecofeminismo responde a esse complexo fenômeno, Gaard e Gruen (2003) citam o exemplo da criação intensiva de animais em um ambiente altamente regulado para extrair o máximo de lucro desses animais. Elas alertam: são diferentes teóricos com diferentes argumentos que não são necessariamente incompatíveis entre si. Por exemplo, o feminismo liberal argumentaria a partir da distinção Ocidental racional entre natureza e cultura, e sendo os animais pertencentes ao domínio do natural, elas não teriam nada a dizer.

No entanto, as feministas liberais se consideram indivíduos autônomos que podem escolher o que comer e isso poderia levá-las a uma luta por uma distribuição mais justa da proteína animal no mundo, apontando para as consequências que isso teria na vida das mulheres. As feministas socialistas focariam no caráter patriarcal e capitalista da exploração de animais até a exaustão. "Elas poderiam salientar, por exemplo, que nos estados Unidos, oito corporações responsáveis pela morte de 5.3 milhões de aves anualmente, controlam 50% do mercado de frangos". Argumentariam, ainda, que 95% dos trabalhadores de aviários são mulheres negras.
A maior parte dos teóricos ambientais não se preocupam muito com o fato de comer carne. São poucos em Ética Ambiental que defendem o vegetarianismo como solução para a crise ecológica, entretanto, uma variedade enorme de teóricos estão preocupados com os animais industrializados, entre eles vários biocentristas e holistas. Já uma análise com um enfoque vindo de um país do Sul poderia situar essa instituição — a fazenda-fábrica — no marco daquelas que contribuem para o superconsumo. Ainda na esteira de uma análise do Sul ou do chamado Terceiro Mundo poderia se estabelecer conexões com o Agrobussines, pesticidas e monoculturas em seus países. A perspectiva crítica do Animal liberation também pode ser útil para a análise ecofeminista "multisistemas". Para esses filósofos a exploração cruel dos animais é imoral. A falha em reconhecer essa imoralidade é denominada por Singer (1995) de especismo, ou seja, controle, exploração e preconceito de uma espécie — humana — sobre outra animal. Assim, na interseção dos diversos campos de força que analisam o fenômeno da industrialização dos animais, as ecofeministas expõem como a lógica da dominação sustenta essa instituição (fazenda-fábrica) e como isso afeta os animais, os trabalhadores e a natureza.

Como vimos, o ecofeminismo quer um mundo melhor. Mas como vai ser esse mundo depende das diversas vozes e experiências que dele participam. O ecofeminismo é inclusivo, flexível e reflexivo, seu enfoque é o da comunalidade de pontos de vista, respeitando as diferenças. É importante construir coalizões para lutar contra as mais diversas formas de opressão. "Nada menos que o futuro da terra e de todos seus habitantes pode depender de como efetivamente nós podemos trabalhar juntos para realizar a justiça global e a saúde planetária" (GAARD; GRUEN, 2003, p. 287).

Referências
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