Mauro Grün em Perth , Australia
“Desde os séculos XVI e XVII, tem-se ido ao encalço do
modernismo com um enfoque otimista e implacável quanto ao futuro e uma
simultânea deposição da memória social e dos arredores naturais como coisas de
valor secundário, duvidoso e mesmo irrelevante. O trabalho de Mauro Grün,
inequivocamente, confronta o desafio do projeto de Bacon e Descartes que
recebeu ímpeto extra de seguidores do Iluminismo e do ideal de racionalidade
instrumental que brotou do trabalho destes. O desejo de dominar a Natureza levou-nos
à beira do precipício. Nosso esquecimento do que somos e de nossa relação com a
Natureza levou o modernismo a precisar confrontar suas próprias desilusões.
Todo o projeto da Idade Moderna baseia-se numa concepção desvairada de nossas
faculdades de criação. Não podemos apagar tudo e recomeçar do nada, pois
qualquer coisa que fizermos dependerá, em última análise, da própria Natureza. (...)
Nenhum filósofo contemporâneo busca a verdade no
sobrenatural. Ainda assim, há coisas que as ciências não conseguem nos revelar,
coisas que não estão sujeitas à observação. Portanto, apesar de toda sua
habilidade, apesar de alegar que fornece toda a verdade sobre o mundo, a
ciência em si não tem qualquer autoridade no assunto. De fato, a autoridade das
ciências em si e suas alegações de verdade e objetividade estão profundamente
implicadas como causas da modernidade. Elas descrevem o mundo como um sistema
mecânico, sem vida, cujos componentes são dissecados em pormenores cada vez
mais detalhados por meio da biologia molecular, da química e da física. Em vez
de fornecerem a verdade sobre nosso relacionamento com a Natureza, em vez de
abrirem canais de comunicação entre os seres humanos e o mundo, essas ciências
estimulam a ideia de que estamos sozinhos numa terra selvagem, capazes apenas
de nos comunicarmos com outros seres humanos ou talvez com um ou dois mamíferos
superiores.
O que, então, Grün pretende fazer em face desse desafio? As
verdades das ciências, apesar de toda sua objetividade e neutralidade
estudadas, não contribuem muito para o desvelo de nossas relações com a
Natureza. (...)
Grün sabiamente evita o apelo a qualquer concepção
relativista de verdade, objetivando, em vez disso, uma abordagem mais modesta,
que vise colocar-nos novamente em contato com o mundo ao nosso redor, que nos
torne mais sensíveis ao que a Natureza busca nos dizer. Como ele fará isso?
Se a verdade não é tanto a correspondência dos fatos, mas
muito mais uma espécie de comprometimento, então há ainda uma forma de revelar
algumas das ilusões dos nossos tempos. Vamos admitir que a verdade seja um
eterno compromisso com os outros por meio do diálogo. Assim sendo, a verdade
defere a autocrítica e a crítica social como elementos essenciais à postura
ética. A verdade não é apenas elemento central de um sistema democrático, mas
também a oportunidade de explorar nossa situação de uma forma que reconheça
nossa própria falibilidade e a dos outros. Pode essa compreensão dialógica da
verdade ajudar-nos a chegar a ponto de, como colocava Heidegger, permitir que o
mundo fale? Grün busca neste livro fazer precisamente isto — mostrar como
podemos adotar uma postura que permita que o mundo se comunique conosco, e
assim fazendo, possibilite que tenhamos acesso — sempre fragmentado e parcial —
a algumas das ilusões que fiamos em torno de nós mesmos e do mundo. (...)
Como coloca Mauro Grün, o encontro com a Natureza por meio
da dialética do ouvir é entrar na linguagem da Natureza. Na verdade, conforme
salienta Gadamer, o diálogo - no seu devido uso - é sempre transformador. Saber que somos falíveis - que podemos estar, e frequentemente
estamos errados — é o cerne da concepção de diálogo de Gadamer e, portanto, não
é de surpreender que o objetivo que Grün instaura para a educação ambiental é o
ensino da humildade, do respeito e da importância do diálogo. De modo sábio,
mais como filósofo do que como educador, ele não apresenta qualquer plano de
ensino. Em vez disso, delineia os objetivos da educação ambiental concebida como educação
para uma comunidade e o compartilhar do que é comum com a Natureza. Os céticos
perguntarão se realmente há perspectivas da construção de uma comunidade com a
Natureza e se um diálogo aqui não seria apenas uma metáfora. Sobretudo, o
próprio Francis Bacon, um dos arquitetos do modernismo, gostava muito da noção
de que questionamos a Natureza, arrancando-lhe as respostas na base do tormento
e da tortura quando necessário. O trabalho de Grün força-nos a pensar novamente
sobre essa velha ideia e a levar a sério a noção de que a trajetória do modernismo
por tempo demais tem se caracterizado pela arrogância do torturador (...)
Se Grün está certo, há uma perspectiva para um novo
despertar na educação, um despertar que leve tanto o mundo quanto os seres
humanos para a presença mútua e propicie uma forma de reanimação da Natureza,
cuja vitalidade tem sido dragada pelo materialismo negligente da modernidade.” (...)
Trecho de Andrew Brennan no prefácio do meu livro "Em busca da Dimensão Ética da Educação Ambiental"
Sugestão de leitura sobre Gadamer:
Autoria de Jeff Malpas
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