É hora de
analisarmos a relevância de tudo que eu tenho dito sobre a outridade da
Natureza e a alteridade do Outro num sentido geral e relacioná-lo com o mundo
contemporâneo. Em especial é hora de ponderarmos sobre sua relação com nossos
medos, esperanças e expectativas. Comecei este livro discutindo o ataque à
tradição feito por Bacon, Galileu e Descartes. Isso tem sido visto como algo
ligado a um silenciar da Natureza em várias áreas do conhecimento, em consequência
de um processo objetificador que a anula e transforma em mero objeto à mercê da
razão. Agora, ao final desta jornada, proponho uma conclusão baseada na postura
ético-política da outridade da Natureza, como a dimensão ética da educação
ambiental.
Gadamer (1992)
assevera que estamos atualmente passando por um período de séria crise, uma
crise que traz consigo as sementes para um suicídio coletivo da civilização,
particularmente pelo alarmante arsenal de armas de destruição em massa agora
existente. Mais alarmante para Gadamer, no entanto, é a crise ecológica que ele
identifica no mundo de hoje. Especificamente, o filósofo alemão destaca a
destruição, a exaustão e a desolação do planeta Terra. As condições tanto da
vida humana quanto não-humana estão ameaçadas. Gadamer vê poucas alternativas
para nós, habitantes da Terra. Hoje os
fundamentos da vida político-econômica exigem cada vez mais reconsiderações e
idealmente também algumas mudanças radicais. A questão de qual papel a
filosofia deveria desempenhar nesse processo precisa ser colocada. Para Gadamer,
essa questão é dificultada pelo fato de a cultura e o conhecimento científico
europeus terem contribuído grandemente para a perigosa situação em que nos
encontramos.
O que hoje
conhecemos como ciência é uma criação moderna. Está claro que o termo possuía
conotação radicalmente diferente tanto no mundo grego quanto no mundo cristão
da Idade Média. No século XVII, no entanto, ocorreu uma mudança decisiva. Como
já argumentei, os trabalhos de Bacon, Descartes e Galileu nos séculos XVI e
XVII estabeleceram as condições para o esquecimento da tradição-linguagem. Com
Bacon, no século XVII, entramos num processo de presentificação do pensamento.
Todo o conhecimento pré-século XVI foi descartado como irrelevante. O
pensamento dos medievais e gregos foi completamente desacreditado. O início da
modernidade é, então, caracterizado por uma Pathos
des Neuen (uma paixão pelo novo). Em Bacon, já encontramos o desprezo pela
tradição que nos constitui. No século XVII Galileu propõe o Universo em
linguagem escrita e matemática. Segundo Murgerauer (1994), isso levou à perda
da palavra falada, pois o significado não está mais localizado na palavra
falada, nem, é claro, na escrita, mas na explicação que reduziu todos os
fenômenos a conceitos explicados matematicamente. Com Descartes, presenciamos o
surgimento da modernidade científica e a instauração de um conhecimento que se
pressuponha puro e objetivo, livre de pré-concepções. Tal processo criou também
uma nova posição para os seres humanos, caracterizada por sua capacidade de
dominar e controlar a Natureza.
O desafio que
a humanidade tem hoje é se preparar para as tarefas que lhe chegam rapidamente.
No cerne da questão, tenho argumentado, está a necessidade de realizar uma
profunda revisão da criação moderna que chamamos de ciência. Um Gadamer (1992)
preocupado escreve que não tem certeza se conseguiremos enfrentar as
catástrofes ecológicas cada vez maiores e os crescentes níveis de pobreza. Ele
observa também que não sabe se seremos capazes de conter a vontade unidimensional
que impele à autodestruição. Finalmente, Gadamer (1992) coloca de forma nova a
questão quanto ao papel da filosofia no todo do processo. Como não é um pensador
messiânico, ele não nos oferece soluções prontas nem receitas para as soluções.
O que ele faz é sugerir algumas formas para reconsiderarmos nossa própria
compreensão do mundo. Um dos conceitos que ele propõe é o do mundo da vida (Lebenswelt), primeiramente usado por
Husserl no início do século XX. Muitos outros, como Heidegger e os pragmatistas
americanos, já haviam percebido o potencial do conceito (Gadamer 1992). Pois o
conceito tornou possível o que hoje se denomina práxis, embora não meramente no
sentido de uma aplicação da teoria.
Esse
ponto de vista refere-se unicamente a uma compreensão moderna da práxis. Em vez
disso, a práxis proposta no trabalho de Gadamer refere-se mais estritamente à
conotação que o termo teve no pensamento grego, isto é, o de
"inação". A práxis, no mundo grego, subentendia a pergunta:
"como a vida tem te tratado?". Gadamer (1992, p. 230) escreve que, em
tal práxis, "está claramente uma nova proximidade à totalidade de nossa
posição no mundo enquanto humanos. A temporalidade, a finitude, o planejamento
e a projeção, a lembrança, o esquecimento e o ser esquecido estão intimamente
ligados a isto". Em outras palavras, Gadamer está primordialmente
preocupado com a historicidade. Desenvolvemos, então, uma consciência da
outridade do passado, uma vez que a consciência histórica sempre nos lembra dos
perigos do dogmatismo. Embora gostemos de pensar que tentamos e podemos ser
objetivos, não podemos esquecer que, como seres humanos, "somos por
natureza apanhados de diversas formas em armadilhas, e isso significa que
estamos total e completamente incrustados na práxis" (Gadamer 1992, p.
231). A noção de Natureza como objeto de estudo da razão não deriva da práxis,
mas é criada no âmbito da ciência moderna. Essa ciência é capaz de nos fazer
voltar ao mundo da práxis?, pergunta Gadamer.
Porque agora
ela concerne a toda a existência do humano na natureza, e concerne à tarefa de
controlar os desenvolvimentos de nossas capacidades e o domínio que tenhamos
sobre as forças naturais de tal forma que a natureza não seja destruída e
devastada por nós, mas preservada junto com nossa existência nesta terra. A
natureza não pode mais ser vista como mero objeto de exploração, precisa ser
experienciada como parceira em todos os seus aspectos, mas isso significa que
precisa ser o outro com o qual vivemos juntos. (Gadamer 1992, p. 232; grifo
meu)
Esta, então, é
uma ciência em que a Natureza não é dominada nem conquistada, mas vista e experienciada como parceira num diálogo
mutuamente benéfico. A hermenêutica filosófica está no cerne de um processo
que nos levou a pensar nestes termos e a questionar a postura epistemológica
que define a ciência como forma de controlar e dominar as coisas. Gadamer, ao
contrário, fala numa filosofia e numa ciência capazes de reconhecer a
alteridade do Outro. "Precisamos aprender a respeitar os outros e a
outridade. Isto significa que precisamos aprender que podemos estar errados.
Precisamos aprender a perder o jogo — isso começa com dois anos de idade ou
mesmo antes" (1992, p. 233).
As consequências
de tal pensamento são de enorme significância, pois ele significa que
precisamos aprender a estar com outros enquanto seu outro; precisamos aprender
a viver com outros enquanto outros de nós mesmos. Importante é que tal processo
é relevante para todos os contextos, sejam os menores, como os currículos de
escolas e universidades, sejam os contextos macropolíticos, como as nações e os
estados políticos. Como nos lembra Gadamer (idem, p. 235), não precisamos temer
o significado da outridade,
(...) pois seu
reconhecimento e aceitação é precisamente a forma de reconhecer e aceitar
nossos próprios eus, e de um meio de genuinamente encontrar o outro na
linguagem, religião, arte, lei e história. E isso constitui uma verdadeira
forma de comunalidade. Quando não se está preocupado com aprender a controlar
algo, eternamente se está aprendendo através das experiências de nossos
próprios preconceitos, a outridade do outro em seu outro ser. Participar com o
outro e ser parte do outro em seu outro ser, Participar com o outro e ser parte
do outro é o mais e o melhor pelo que podemos lutar e realizar.
A postura
acima constitui o ponto central do que Gadamer formula como a postura
ético-política que pode nos levar a uma ética do parceria com a Natureza em educação
ambiental. A educação ambiental, por sua vez, constitui apenas um dos vários modos
de tratar das consequências da vida
contemporânea. O respeito pela outridade da Natureza implícito em tal processo
poderia, por sua vez, despertar novas formas de solidariedade respeito pela
outridade do Outro. Quero propor que é precisamente para essa postura
ético-política que uma educação ambiental efetiva e radical precisa se voltar
se quiser se libertar dos limites do pensamento cartesiano.
Poderíamos
talvez sobreviver como humanidade se fôssemos capazes de aprender que não
podemos simplesmente explorar nossos meios de poder e efetivas possibilidades,
mas precisamos aprender a parar e respeitar o outro como um outro, seja ele(a)
a natureza ou as culturas emergentes de pessoas e nações; e se fôssemos capazes
de aprender a experienciar o outro e os outros, enquanto outro do nosso eu,
para participar um com o outro. (Gadamer 1992, pp. 235-236)
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